quinta-feira, 28 de setembro de 2017

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

SER PROFESSOR É UM INFERNO


A escola já não perde tempo a fazer aprender, alerta o professor e pedagogo Sérgio Niza. Alunos sem esperança, professores ansiosos, ensino bafiento e uma escola que não serve os interesses das crianças e jovens nem os do país. Sérgio Niza dedicou a vida à educação e não se conforma com o estado a que a escola portuguesa chegou. Mas há soluções, diz ele.


Professores insatisfeitos, pais preocupados e alunos que acham as aulas uma maçada. O que é que se passa com a nossa escola?
Esse é o retrato da escola portuguesa e da generalidade das escolas dos países ocidentais devido à forma de organização do trabalho. A estrutura de ensino simultâneo – todos a aprender a mesma coisa ao mesmo tempo – vem do século xvii e ainda perdura apesar de se saber desde os anos vinte do século xx que é um modelo esgotado. O professor dá uma lição, depois faz uma pergunta, escolhe um aluno para responder e avalia o trabalho substancial que é feito em casa. O principal problema da escola está neste modelo de não-comunicação em que o professor usa mais de três quartos do tempo da aula para falar sem que os alunos participem ou estejam envolvidos. Assim não há diálogo possível. Poderá algum jovem ou criança suportar isto?
Não é a melhor metodologia para aprender, certo?
Hoje, graças à investigação, sabemos que se aprende dialogando, falando e escrevendo o conhecimento científico e cultural que se estuda na escola. Devemos contar com a inteligência, os saberes e a colaboração dos alunos e os currículos não devem ser um segredo, devem ser eles a geri-los em conjunto com os professores. Persistir neste modelo de não-comunicação equivale a continuar a encarcerar alunos e a impedir a sociedade e as pessoas de se aproximarem da escola.
A escola não está adaptada à sociedade do século XXI?
Nenhuma outra organização humana resistiu a tanta história e a tanta mudança como a escola, que funciona do mesmo modo há séculos. Hoje temos mais consciência de que a escola, como instrumento ao serviço do desenvolvimento humano, da sociedade, da economia e da cultura, já não serve.
Portugal está ao mesmo nível dos países europeus ou pior?
A nossa desgraça é que estamos sempre muito atrasados. Quando implementamos políticas que foram experimentadas noutros países, fazemo-lo fora do tempo. A escola portuguesa está esclerosada, está desfasada do tempo histórico. Não corresponde às vivências, necessidades e esperanças dos alunos e das pessoas em geral.
Em suma, qual é a sua maior preocupação com a escola portuguesa?
Não temos uma escola democrática, os alunos não participam na organização das aprendizagens e no ensino. Quatro décadas depois do 25 de Abril, lamento que os governantes não tenham aprendido que a melhor maneira de competir é pela cooperação – os desportistas de equipa, por exemplo os futebolistas, sabem-no bem. Ao invés, nós pusemos os alunos a competir com os colegas e os professores uns com os outros, o que empobrece o trabalho realizado. Esta ideia de transformar a escola, que deve ser um centro vivo de cultura, numa empresa é uma ilusão perigosa. E o sistema de vigilância e punição que está a montar-se para alunos e professores vai tornar a escola ainda mais desumana do que já é.
A escola está a formatar crianças e jovens?
Completamente. A escola não perde tempo a fazer aprender. Cada vez mais, o que se sugere aos professores é que debitem a matéria, que vigiem e que penalizem os alunos que não aprendem por si ou com as famílias procedendo à sua retenção ou sujeitando-os a fileiras secundárias de ensino precário, como acontece com a introdução do ensino vocacional, que poderá por lei vir a atingir alunos do primeiro e segundo ciclos, o que é desde já sentido por todos como uma nova via de castigo ou de discriminação.
Mas do professor o que se espera é que transforme alunos com dificuldades em alunos tão bem sucedidos como os outros…
As famílias e a sociedade deviam pressionar os professores para que assim fosse. Mas as políticas atuais parecem preconizar que o modo tradicional de trabalhar é que é bom. E assim as crianças e jovens que têm dificuldades vão continuar a ser excluídos. Da escola e da sociedade. E, no entanto, a Direção-Geral da Educação acabou de fazer um estudo sobre os percursos curriculares alternativos e concluiu que a inserção dos alunos nessas turmas especiais não se traduz numa recuperação das aprendizagens e que são residuais os casos de reingresso no ensino regular. Ora, eu pergunto: se é assim, porque se continua a apostar no mesmo? Sabem o que vai acontecer a estes jovens? Vão perder-se em outros percursos igualmente alternativos e vão continuar a ser tratados como portugueses de segunda.
Porque é que os professores não mudam as práticas dentro da sala de aula?
Os professores foram ensinados de determinada maneira e tendem a replicar o modelo que conhecem. Por outro lado, esta forma de estar na escola tornou-se tão natural que alguns professores até pensam que é a única. Mas não. Temos de ter consciência do que se passa na generalidade das escolas para perceber porque fracassámos e querer mudar. Porque há soluções.
Quais são?
Temos de substituir as soluções únicas da velha escola tradicional, reforçada agora por soluções de empobrecimento cultural inspiradas na América dos anos de 1980, por uma gestão comparticipada dos programas, pela entreajuda entre alunos, pela individualização de contratos de aprendizagem e uma forte colaboração que forme para a cidadania democrática. Alguns professores já o fazem hoje e devem continuar até que respeitem os seus direitos profissionais.
Os bons professores estão acomodados?
Chegámos a um ponto em que até os bons professores que se mantêm no ensino temem ficar desempregados e o país corre o risco de que se tornem uns cordeirinhos, que obedecem cegamente às manipulações da administração. Os professores estão muito ansiosos, já não querem gastar tempo a falar de estratégias de ensino que melhorem as aprendizagens porque também eles estão obcecados com a avaliação. A que têm de fazer constantemente aos alunos e a avaliação final de ciclo, externa às escolas. Além disso, eles também vão ser examinados através dos resultados dos alunos, por via da avaliação do desempenho. É um inferno ser professor neste contexto.
Discorda da avaliação do trabalho dos professores?
Não, o trabalho dos professores é pago por todos nós e deve ser avaliado. Mas uma coisa é avaliar o conjunto do trabalho do professor, incluindo a sua atitude no seio de uma equipa pedagógica, outra coisa é avaliar o professor como se faz com qualquer outro funcionário público. É que a natureza do trabalho dos professores é muito particular por ser crucial para o desenvolvimento humano, a preservação e a renovação da herança cultural.
Foram publicadas as metas curriculares para o ensino básico. É caso para dizer que finalmente haverá objetivos de aprendizagem claros e autonomia para os professores?
Nem pensar. As metas servem a atual espinha dorsal da escola, que passou a ser o seu controlo. Não têm nada de novo, apenas servem para examinar e vigiar. As metas desviam-se dos programas em vigor mas isso é indiferente para o ministério pois os professores sabem que para alcançar resultados têm de olhar para as metas tendo-as em conta como o novo currículo.
As novas metas não servem os interesses dos alunos nem dos professores?
O discurso oficial é que sim, que servem. Mas não é verdade, não servem porque empobrecem o curriculum, o trabalho intelectual dos professores e dos alunos. Estas metas não trazem uma vantagem cultural e de socialização acrescida às aprendizagens, à escola e à sociedade.
Que apreciação faz do trabalho do ministro Nuno Crato?
Este ministro aparenta estar absolutamente convencido de que está a fazer o melhor, mas ele não é um homem da educação. Até presumo que tenha sido escolhido por ser um bom comunicador político – ele tinha uma receita conservadora de reforço do ensino tradicional, e conseguiu passá-la nos media – e é economista com especialização em estatística – o que é importante para fazer contas e tornar a educação mais barata. Infelizmente, o senhor ministro não tem uma cultura acrescentada sobre a escola nem um conhecimento, para além do senso comum, sobre educação.

QUEM É SÉRGIO NIZA?

Sérgio Niza foi professor do ensino primário, de educação especial e universitário. O trabalho de investigação e o seu pensamento como pedagogo é reconhecido no país e no estrangeiro. Fundou o Movimento da Escola Moderna portuguesa e já foi membro do Conselho Nacional de Educação.

NOTA
Entrevista publicada em 2012. Genericamente continua tudo igual. A flexibilização curricular e a introdução de alguns aspectos que podem ser considerados positivos, não alteram a paisagem do desânimo e a manutenção de um sistema completamente ultrapassado. 

sábado, 16 de setembro de 2017

ABERTURA DO ANO ESCOLAR E AS PALAVRAS LANÇADAS PARA O AR


Apostar nas novas tecnologias é a estratégia para "não perder o comboio" dos países mais desenvolvidos e "para enfrentar os desafios do futuro da Madeira". E falou de nanotecnologia, impressão em 3D, biotecnologia, ou de manipulação genética. Disse, ainda: 65% dos empregos do futuro, podem não ter sido inventados. "Não sabemos que emprego vão ter as crianças que vão entrar agora nas escolas". São declarações do presidente do governo da Madeira na abertura do ano escolar. (Fonte: DN-Madeira, edição de hoje)


Do meu ponto de vista trata-se de um conjunto de palavras soltas, desenquadradas da realidade e, por isso mesmo, preocupantes em uma visão séria da política educativa regional. Não porque qualquer livro de análise prospectiva não o refira. São tantos os pensadores e futuristas que ensaiam(aram) um prognóstico sobre o futuro, a partir do desenvolvimento científico da época que vivem(ram). Trazer o futuro ao presente e compreendê-lo em todas as variáveis, é uma tarefa não apenas fundamental, como necessária e estruturante do planeamento geral e específico que conduza, por antecipação, às respostas políticas mais adequadas. O problema não reside aí. Isso está nos livros, nas revistas técnicas e científicas, é dito nos fóruns pelos académicos investigadores e pelos considerados "gurus" do pensamento estratégico. A questão é outra e reduz-se a três perguntas tão simples quanto estas: onde estou? onde quero chegar? que passos tenho de dar para lá chegar. Estas questões gestionárias colocam-se na Educação, mas também em todos os sectores, áreas e domínios do crescimento e do desenvolvimento. Ora, é fácil falar-se de nanotecnologia, de manipulação genética ou de engenharia espacial, pois pode, eventualmente, com muita boa vontade da minha parte, corresponder a uma resposta à pergunta: "onde quero chegar". Porém, de que vale, interrogo-me, definir esse objectivo, se não se domina a resposta à questão primeira: "onde estou". E sendo assim, alguém, de boa-fé, consegue definir e dominar "os passos a dar para lá chegar"? 
À partida, embora dê algum ou muito trabalho, depende do interesse, não tem nada de extremamente complexa a caracterização dos dois momentos: onde estou e onde quero chegar, definindo tempos e metodologias de trabalho. Muito mais complexa é a coragem para definir um caminho de interesse para a Região, para o País e para o Mundo gerador de sucesso individual e colectivo. Dirigido a todos, saliento, e não a alguns. Portanto, as palavras só por si não fazem caminhar no sentido da utopia, da vitória sobre o incessante desenho do futuro. E, a propósito, só mais uma nota: como se pode defender uma aposta nas tecnologias "para não perder o comboio" quando, do telemóvel ao Ipad, ponto de partida para o mundo do conhecimento, a sua utilização na Escola é, por múltiplos aspectos, extremamente condicionada? Pois, eu sei, o sistema dita que há um programa para cumprir e o manual continua a ser preferível à utilização da tecnologia. O que diz bem do "onde estamos".
Ora,  as palavras morrem quando não se lhes proporciona significado e asas. Quando o sistema educativo, grosso modo, assenta nos pressupostos do passado e não se vislumbram preocupações que animem um processo de ruptura com  esse passado, como se pode falar, por exemplo, de robotização? Quando o sistema mata a curiosidade e o acto de pensar, quando se mostra centralizador e estandardizado, quando mexe nas bordas e deixa o centro vital intocável, quando se olha para as graves assimetrias existentes na sociedade (para as múltiplas fomes), como pode o presidente falar de tecnologia da manipulação de átomos e moléculas como desígnio educativo desejável? Há etapas que não podem ser queimadas, nem possível é, subir degraus de quatro em quatro, quando falta perna para tal. Aliás, utilizo aqui uma frase feita: quando se repete o passado, não se pode esperar, no futuro, outros resultados que não os desse passado. É o que está a acontecer.
Mas, atenção, se aquelas declarações, em abstrato, denunciam, algum sentido de preocupação relativamente à construção do futuro, então aí desejável seria que o sistema autonómico regional reflectisse, de forma concreta e substantiva, com a imprescindível participação dos académicos, todas as peças do puzzle no sentido da construção do futuro. E não é isso que se verifica. Assisto à emergência de uma meritocracia balofa, com cheques publicitários à mistura, apenas para a fotografia e satisfação dos adultos, à proliferação de palavras ocas de sentido, porque contextualmente desarticuladas e a ímpetos políticos sem escoras que, por isso mesmo, ultrapassam as generalidades e caem nas banalidades conceptuais. Infelizmente, este é um quadro que conta com a complacência de muitos professores.
Finalmente, consta que, Segunda-feira próxima, primeiro dia do novo ano escolar, presidente e secretários regionais regressarão à Escola em visitas cujos motivos não se entendem. Políticos, talvez! Que cada um aproveite e tente perceber as razões da Escola de hoje ser igualzinha à do seu tempo, quando tudo em redor mudou! Já não seria mau. 
Ilustração: Google Imagens.

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

INÍCIO DO ANO ESCOLAR: OS CHAVÕES E A CONFUSÃO DE CONCEITOS


Todos os anos, o palavreado repete-se. "Está tudo preparado para que o novo ano decorra com a maior das tranquilidades e das serenidades, acreditando que será mais um ano de sucesso para os nossos alunos". Repetidamente, falam de "tranquilidade", "normalidade" e, este ano, de "serenidade". Três palavras de significado idêntico: paz, silêncio, sossego, mansidão, quietude, habitual, frequente, corriqueiro, enfim, tudo o que o sistema e a escola não precisam. O sistema precisa de inquietação, de questionamento, de dúvida, de agitação das mentalidades. Viver na tranquilidade significa manter a rotina, ela já de si doentia, significa que o decisor político se contenta com a colocação dos professores, com as portas abertas no dia indicado, com os diversos serviços a funcionar, com a campainha que toca e volta a tocar, com o livro do ponto e com a infestante burocracia. Um ser acomodado! É a normalidade para uns, a tranquilidade para outros e a serenidade para os demais, tudo conjugado nesse silêncio e mudeza que evita a reflexão.


Ora, a escola não deve ser tudo aquilo se quer ter sucesso. Bastaria que perguntassem aos professores e aos alunos se esta Escola satisfaz! Se estão ou não com uma Escola manifestamente estática, penosa, sem iniciativa, contra a inovação, desmotivadora, de taxas de insucesso e de abandono preocupantes. Perguntem e questionem o que pode ser elaborado no sentido de uma escola que apaixone e de um sistema que não seque tudo em seu redor. Questionem o porquê do cansaço dos professores, as razões das angústias, das depressões e internamentos. Interroguem-se sobre o porquê da presença de psicólogos nos estabelecimentos de ensino. Ponham em cima da mesa, de forma transversal as características do "modelo" (diferente de paradigma) e discutam as questões sociais, a pobreza, os empregos precários, a complexa situação financeira de milhares de famílias, como alterar a mentalidade que joga para a responsabilidade da escola o que lhes deve pertencer. Façam um "brainstorming", concluam e caminhem na base de um permanente desassossego. Com tranquilidade ninguém lá chega! 
Mas o mais curioso é que na mesma edição do DN-Madeira (ontem), o presidente do governo da região veio falar que "(...) a educação formal é necessária e essencial, mas que há outra educação que é dada fora da escola (...) que é muito "importante na formação dos valores, no sentido da responsabilidade e da cidadania (...)". E adiantou, ainda, "(...) num Mundo onde os desafios da mudança são tão rápidos, em que a própria educação formal não tem capacidade de resposta, esta educação informal é sempre importante (...)". Ora, mesmo considerando alguns erros ao nível dos conceitos, chega-se, facilmente, à conclusão de um antagonismo de posições que pasmam. Um falou de "tranquilidade/serenidade", outro de mudança e de educação "informal" o que, pressupostamente, traz no seu bojo a necessidade de repensar toda a oferta educativa da escola; um denuncia, claramente, acomodação, outro parece desafiar para a "mudança". Trata-se, é-me óbvio, de um choque político frontal. Ou foram palavras de circunstância e apropriadas ao momento, palavras que soam bem aos ouvidos dos presentes, ou então, ambos não se entendem no discurso sobre a Educação. 
Passo para o domínio dos conceitos. O que é isso de educação formal e informal? Qual a linha que separa o currículo de tudo o resto definido como "não obrigatório", porém, "importante"? E será que muito do "obrigatório" é "importante"? Questiono,  ainda: a Escola não tem capacidade de resposta? Homessa, ou será que o sistema não quer alterar os pressupostos organizacionais, curriculares, programáticos e pedagógicos? Afinal, aproveitando, as palavras ditas, como exemplo, não será na escola que se aprendem, também, "os valores fundamentais da cidadania (...) para termos uma sociedade melhor"? Não sendo apenas isso, o dos valores da cidadania que estão em causa, essa condição de quem possui direitos civis, políticos e sociais, então a Escola não tem capacidade de esbater a fome de tudo o resto, cumprindo os seus desígnios? Com mais de 6.000 professores, terão as famílias de recorrer à múltipla oferta privada, com os inerentes encargos, para que a Educação corresponda à formação integral do ser humano?
O presidente falou de um aspecto particular, o da cidadania, mas a Educação é muito mais do que isso. Pensar o futuro, (re)desenhando-o, implica que a tal "mudança", ela própria seja portadora de futuro. Está, portanto, em causa, um novo conceito de escola e de aprendizagem. No essencial, como quebrar o que dizem ser "formal" conjugando-o (integrando-o) com o "informal". Como aprender amanhã, desaprendendo o que ontem foi adquirido, mantendo o desejo da curiosidade e do conhecimento? Como articular os múltiplos saberes básicos, de forma coerente e integrada, com qualidade, através da participação activa e não de um sistema que se baseia na atitude passiva, onde o professor debita e os restantes escutam? Como fazer da Escola, todos os dias, a "festa do conhecimento", a alegria que não rejeita a importância das tecnologias que eles trazem na mochila e, como dizia o Professor Rubem Alves, dando lugar a um professor não debitador e repetitivo, mas a um "professor de espantos"? Como inverter a lógica obsessiva da avaliação permanente e exclusiva, a da meritocracia sem sentido, desde o primeiro ciclo, por uma outra que nasce da necessidade de dizer "eu sei"? 
Eu sei, também, que dá muito trabalho uma nova concepção, globalizante, do sistema educativo, sei que é complexo terminar com décadas de rotinas, sei que é mais fácil seguir o que é determinado pelo Ministro da Educação, do que exercer a Autonomia a tempo inteiro, sei que para o burocrata, uma vez mais na feliz expressão de Rubem Alves, "o que interessa é o que vem no relatório, não as crianças", sei que para "quem só tem um martelo como instrumento, todos os problemas parecem pregos" ( Mark Twain). Por tudo isto, porque a construção do futuro implica outra forma de estar, por favor, não falem de "tranquilidade" e de "serenidade", tampouco de "mudança", quando, por um lado, são totalmente incompatíveis e desajustadas ao mundo de hoje, por outro, é evidente que não querem mexer uma palha. A efectiva mudança, tenham presente, corresponde à construção de um de paradigma, qualquer coisa pela qual me guio (processo) e nunca repito (modelo)!
Ilustração: Google Imagens.

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

O "REGRESSO ÀS AULAS"



FACTO

Eu e muitos milhares, talvez milhões, começavam as ditas "aulas", no dia 07 de Outubro. E, em Janeiro, só após o Dia de Reis. Normalmente a 7 de Janeiro. Isto vigorou até aos primórdios dos anos 80. Em todas as profissões, no quadro de um sistema absoleto, conheço tantos que foram excelentes, gente de topo, muitos com carreiras até na investigação e no reconhecimento internacional. Mas não apenas aí. De electricistas a mecânicos, por todo o País, na indústria e no comércio, quantos singraram pelo reconhecido valor técnico-profissional? Atenção, os que tiveram acesso à Escola, pois todos sabemos das gravíssimas limitações económicas, financeiras, sociais e culturais, impostas por um regime cretino, estúpido. Quero eu dizer com isto que os que tiveram possibilidades não saíram burrinhos, mesmo começando a 07 de Outubro e com currículos e programas incomparavelmente mais reduzidos.

ALGUMAS PERGUNTAS 
E COMENTÁRIOS

Este facto não faz disparar nada na consciência nos decisores políticos? Que razões estão na origem das ditas "aulas" começarem quase um mês antes? (há estabelecimentos de ensino que iniciam no dia 11 e até ao dia 18 todos deverão estar a funcionar).
Ah, julgo eu, porque não há coragem para rever, paulatinamente, a (re)organização da sociedade e, nessa abordagem, os tempos laborais; não há coragem para separar, nos currículos e programas, o essencial do acessório; porque preferem queimar etapas do crescimento fechando as crianças nas escolas, antecipando, cada vez mais, conhecimentos desadequados às idades; porque brincar, ao contrário de ser considerada uma actividade séria, é tida, desmioladamente, como perda de tempo (o pré-escolar irá começar aos três anos); porque, pela pressão de vários sectores, há manuais, muitos manuais, para vender, uns, até, separados "para meninos e para meninas", sacrificando os pais com encargos exorbitantes; porque o sistema não encontra respostas adequadas de alguma ocupação cultural, de natureza informal, e a resposta privada é cara; porque a escola bloqueou os actos de pensar e de ser curioso; porque não gerou, ao longo dos anos, a importância de férias activas; porque não investiram em uma cultura de responsabilização das famílias, quando a Educação delas deve partir. 
Por isto e muito, muito mais, a escola formal começa a 11 de Setembro e, não tardará que o seu início aconteça no primeiro dia de Setembro. 
Ilustração: Google Imagens.

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

AVÔ, AGORA NÃO, ESTOU NA ESCOLA!


Aproximei-me de um dos meus netos. Gosto de apreciá-los e, sempre que considero oportuno, tento perceber o seu desenvolvimento. Desta vez, delicadamente, disse-me: "avô, agora não, estou na escola". Estava a seguir um  dos seus canais preferidos. Pelo que me apercebi tratava-se de um programa de ciência espacial. Fiz silêncio e afastei-me. Talvez a resposta dada tenha a ver com uma anterior conversa entre nós, no decorrer da qual lhe disse que, na idade dele, aprendia muito mais vendo determinados "programas" do que através dos "programas" das disciplinas da escola. Lembro-me, na altura, ter-me dito: "isso é verdade". 


Sobre isso, não tenho a menor dúvida. Este sistema educativo já deu tudo quanto tinha para dar. Repete currículos, programas, metodologias e processos pedagógicos. Cansa professores e alunos. Volta e meia pinta-os de fresco, porém, a sua estrutura organizativa mantém os traços seculares. Com algumas variações, sejamos claros, encurrala alunos em uma sala e intoxica-os com um falso conhecimento enciclopédico, de fora para dentro, a martelo, procurando a resposta e bloqueando a pergunta. Logo no primeiro dia de aulas ficam marcadas as avaliações no decorrer do período e raramente se fala da importância de ser curioso. A avaliação é o medo imposto, a espada sobre a cabeça que reduz quase a zero a possibilidade de se amar o conhecimento. Portanto, o sistema "esforça-se" por manter a rotina que mata o interesse pelo saber sentido e contextualizado. O sistema, qual disfarce, prega por todo o lado que as crianças estão no centro das políticas educativas, mas ele próprio remete-as para a periferia, colocando o professor como a entidade que ali está para cumprir o superiormente determinado. Ora, quando o professor apenas transmite, quando a aprendizagem tem apenas um sentido, quando decorar o manual é prioritário relativamente à percepção da globalidade e transversalidade dos temas, quando a avaliação é determinante e não o verdadeiro saber, quando o pensamento e a dúvida são desvalorizados, quando se corre para o ensino superior com lacunas graves a vários níveis básicos, será que ninguém se interroga, ninguém coloca em dúvida a estrutura do sistema? Uma  coisa é conceder aos estabelecimentos de ensino a possibilidade de gerirem 25% do currículo; outra, é manter o formato organizacional e pedagógico. É mais do mesmo!
Regresso ao início, ao meu neto. Ele e os outros já perceberam que esta escola está desfasada do seu tempo, mas sabem que têm de cumprir o sistema. O círculo vicioso mantém-se, mas sabem que existem outros e melhores formatos de aprendizagem. Foi, por isso, com alguma ou total ironia que ele me disse: "avô, agora não, estou na escola"!
Ilustração: Google Imagens.