sexta-feira, 27 de outubro de 2017

APRENDIZAGEM NA ERA DIGITAL, O QUE É ISSO? O SISTEMA NEM FECUNDA NEM SE DEIXA FECUNDAR PELAS CIÊNCIAS!


De uma importância extrema a iniciativa do DN-Madeira denominada por "Conferências do Casino", desta feita subordinada ao tema genérico As Tecnologias no Ensino. Iniciativa vital, no quadro de uma necessária mudança no sentido de uma escola que acompanhe o tempo digital. O DIÁRIO há muito que tenta dar o mote com o seu próprio exemplo de actualização empresarial, porém, o Sistema Educativo Autónomo, da responsabilidade da Secretaria Regional da Educação, continua a preferir que a informação sobre a Escola do Século XXI entre nos seus ouvidos a 100 e saia de imediato a 200! Tal é a histórica letargia, a acomodação e a falta de visão demonstrada em tantas situações. O pior de tudo isto é  que as "Conferências do Casino" têm o patrocínio da Secretaria Regional da Educação. Que paradoxo!


Um facto comprova-o: o ano de 2017 deve ter sido um daqueles que mais se falou de Educação e dos processos ensino-aprendizagem. Perdi a conta a tantos seminários, acções de formação creditadas para professores, realizadas pelos sindicatos e não só, fóruns de debate, entrevistas na televisão, artigos de opinião, a presença de ilustres palestrantes vindos de fora da Região, inclusive, o registo da visita do secretário de Estado da Educação, não bastassem os livros e revistas disponíveis, enfim, apesar de tudo o que aconteceu e foi sendo notícia, no sentido de despertar consciências, tudo permanece igual, a máquina continua a funcionar imperturbável aos ventos e vozes que reclamam mudanças de pensamento político. Na primeira fila ou no palco da esmagadora maioria das iniciativas, lá  esteve o secretário regional da Educação. O que mudou? Nada. O que está gizado para mudar? Nada de relevante. 
Aprendizagem na era digital, o que é isso? Ora, não basta mandar computadores para as escolas, pois como sublinhou e muito bem a Professora Elsa Fernandes (UMa), "(...) se é para fazer o que já se fazia com papel e lápis, não vale a pena". Tão simples e tão profundo. O drama é que não compreendem ou não querem compreender isto, que a Escola se aferrolhou na sua torre de marfim e, como me dizia o Filósofo Manuel Sérgio, embora em outro contexto, os políticos com responsabilidades no sector da Educação, não se deixam fecundar pelas ciências e pelo conhecimento. Digo eu, nem fecundam nem se deixam fecundar. Segundo li, quatrocentas pessoas, a maioria docentes, marcaram presença nas "Conferências do Casino", porém, a escola, pese embora importantes iniciativas já realizadas, permanece(rá) igual ao passado: disciplinas sectoriais, toques de entrada e de saída, testes, avaliações, conselhos de departamento, de turma e pedagógico, atribuição de níveis ou de notas, circulares, relatórios, muitos relatórios que aumentam as prateleiras do "arquivo morto", ah... e, agora, êxtase por prémios de meritocracia. 
Para mim que nutro aversão (a palavra é esta) a quem não acompanha o tempo que impõe, paulatinamente, novos paradigmas de resposta às necessidades, o que estamos a viver acaba por ser, não apenas decepcionante, mas sobretudo revoltante. O que leva os governantes, questiono, a demonstrarem tanta apatia pelo que é importante? De facto, pelo menos do meu ponto de vista, provoca-me indignação quando dão a entender, no palco, uma preocupação que, a prática, demonstra que não têm. Preferem o passado à construção do futuro; preferem a rotina à ruptura; preferem a aparência à realidade.
Ser secretário regional de qualquer pasta implica, necessariamente, uma capacidade acrescentada para ver longe, para desafiar, para comprometer, para conjugar o conhecimento com a definição de políticas assertivas. Passaram-se dois anos da presente legislatura e tudo continua igual na estrutura. Li e estudei em Katzenbach que o atributo de um "verdadeiro líder da mudança" (VLM) é o de "saber alcançar altos padrões de desempenho, através da alteração dos comportamentos e das competências das pessoas", isto é, os VLM evidenciam coragem para desafiar as normas; geram a motivação dos outros e demonstram capacidade de iniciativa para se moverem para lá dos limites definidos. Mais: "um líder deve ser uma pessoa que pelas suas palavras, ou pelo seu exemplo pessoal, influencia os pensamentos, os comportamentos e/ou sentimentos de um número significativo de pessoas". Li, não me recordo onde, esta síntese perfeita: Luther King, boa referência da liderança, apregoava: "eu tenho um sonho". Ele não disse: "Tenho umas ideias, podemos formar um comité, estudar e ver se resulta". A diferença está aqui. Apoiam iniciativas, como foi o caso da aprendizagem na era digital, mas falta a capacidade de liderança para definir o caminho de um sistema próspero. Como isso não acontece, o sistema educativo anda de fracasso em fracasso, perante o silêncio cúmplice de muitos.
Ilustração: Google Imagens.

terça-feira, 24 de outubro de 2017

PRIMEIRO A "AULA", DEPOIS O DEDO NO AR!


Por vezes confronto-me com pessoas e narrativas que me deixam sem saber o que dizer. Ou melhor, sei o que me apetece responder ou equacionar, enquadrando devidamente o problema, mas prefiro nelas ficar a pensar. Foi este o caso. Um encarregado de educação foi chamado à escola. Razão substantiva: o facto da muito jovem aluna, sistematicamente, colocar o braço levantado para colocar perguntas. Isso, deduzo, perturbava a "aula", gerava transtorno, sendo perturbador, até, da disciplina. Há matéria para debitar e os meninos(as), devem estar atentos, virados para a frente e calados. A criança em causa não é mal educada, é cordial, muito simpática, muito capaz e o seu "crime" é querer saber mais. Tão somente isto! E vem o secretário da Educação, no dia que eu soube da história desta criança, dizer que "(...) a escola tem que formar, e formar é criar condições para que as nossas crianças e os nossos jovens possam sonhar (...)". Como é possível, pergunto, sonhar, quando, logo na idade das perguntas e não das respostas, o sistema que ele próprio corporiza coarcta essa capacidade?


Eu percebo o processo que está por detrás de tudo isto: a rigidez curricular e os programas que determinam, seja lá como for, aprendam ou não, que têm de ser cumpridos e "dados"; os professores que têm sobre a sua cabeça a ridícula avaliação de desempenho do seu trabalho, de carácter classificativo e não formativo; a mentalidade ainda existente onde o professor(a) não é um "jogador", incentivador e moderador das situações de aprendizagem, antes um repetidor do manual que visa o teste de avaliação de conhecimentos, traduzida, depois, em níveis ou notas; as regras definidas pelo departamento, pelo conselho de turma e pelo conselho pedagógico e a norma vinda da hierarquia; a desajustada Inspecção Regional de Educação que interfere (ilegitimamente, repito, ilegitimamente) na "qualidade pedagógica e organizacional dos estabelecimentos de educação e ensino", enfim, tudo isto e muito mais determina a existência de professores em permanente clausura de pensamento. Mesmo que queiram mudar alguma coisa, não podem. Vão tentando! O que me leva a dizer que neste sistema, o professor é o centro da política educativa e não as crianças. Daí, o velho conceito de "aula".
É óbvio que não existe uma Universidade ou uma qualquer Escola Superior de Educação que transmita aos futuros professores a necessidade do comportamento docente que aqui narrei. Qualquer escola de formação está muito à frente das infelizes práticas dos decisores políticos. E isto acontece porque é mais fácil ser centralizador e padronizador do que libertador. E paradoxo está aqui: o secretário da Educação fala de uma Escola, a actual, onde os alunos "possam encontrar o seu projecto de vida", porém, os resultados estão aos olhos de todos, concretamente, nas taxas de insucesso, de abandono e na baixa qualidade profissional. E se os dados envergonham a própria Autonomia como se pode falar de projecto de vida? Puro engano. No meio disto há uma onda de "meritocracia" que varre os verdadeiros problemas para debaixo do tapete dos confortáveis gabinetes.
Ilustração: Google Imagens.

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

A APATIA DA AVALIAÇÃO


Um artigo publicado na revista VISÃO (Bolsa de Especialistas) e aqui reproduzido com a devida vénia. A sua autora Drª Carmo Machado é Mestre em Ciências da Educação.

Uma vez, à laia de desabafo e referindo-se a um determinado aluno, uma colega confessou-me: Eu já lhe dei o mesmo teste para fazer cinco vezes seguidas e da última vez, para o ajudar, até fiquei com as cábulas que lhe apanhei e corrigi-as. Mesmo assim, o aluno voltou a reprovar... Fui para casa incomodada nesse dia. E nos outros que se seguiram. Não só porque continuamos a chegar à escola com o ar conformado e triste das segundas feiras, carregando às costas, em pastas e dossiers, a angústia dos assuntos por resolver, mas também e sobretudo porque a escola continua a repetir as mesmíssimas formas de avaliar, uniformizando todos os alunos pelo mesmo diapasão que, como sabemos, não funciona nem pode funcionar.


Alguém tem dúvidas de que se desvirtua diariamente as potencialidades formativas e pedagógicas da avaliação escolar? Eu não. Ensino há quase trinta anos, sem interrupção, e posso afirmar que quase cinco décadas depois das mudanças introduzidas pela Revolução de Abril no sistema educativo português, a avaliação continua a ser pontual, solitária, sumativa e discriminatória. Numa época em que tanto se fala de qualidade, a sociedade deixa-se convencer de que os resultados dos testes e depois dos exames a refletem. Puro engano. A excelência na educação está longe de ser alcançada e não é ainda minimamente acompanhada por um sistema de avaliação adequado. Este continua desligado da aprendizagem e apresenta uma finalidade única que é a de classificar os alunos, esquecendo a sua função motivadora, reguladora e orientadora dos seus processos de aprendizagem. Testes e exames possuem grande tradição histórica e são formas de legitimação de poder e das suas políticas de educação. Porém, a avaliação é uma parte essencial ao processo de ensino e de aprendizagem e, como tal, é necessária para confrontar os objetivos estabelecidos com os seus resultados. Assim, os professores deveriam avaliar porque ensinam em vez de ensinar para avaliar. E quanto aos alunos, estes não deveriam aprender quase exclusivamente para serem avaliados. Infelizmente, é isto que hoje se verifica na maioria dos casos que eu conheço.
A escola de hoje continua a apresentar um fosso gritante entre todos os pressupostos teóricos existentes e a verdadeira atividade pedagógica. Existe uma contradição constante na nossa prática profissional quotidiana entre aquilo que deveria ser e o que verdadeiramente é. Deixemo-nos de hipocrisias. Já Hadji dizia, com toda a razão, que o lugar da nota na escola é bastante prodigioso. De facto, ela joga um papel determinante na vida dos alunos. E mesmo na dos professores, diria eu, que sem testes para avaliar e nota para atribuir em consequência desses testes, ficariam perdidos, naufragados num mar sem norte. Estou cada vez mais convencida de que os testes e as notas que deles resultam continuam (e continuarão) a constituir os elementos principais na avaliação dos alunos, por mais que sejam apresentados outros critérios que supostamente o professor deverá ter em consideração.
Por isso mesmo, e porque a avaliação como a entendo é um processo de recolha de informação, o uso que lhe dou é diário. E sendo a avaliação um continuum, como poderemos tomar as principais decisões apenas com base em dois momentos específicos de avaliação por período letivo? Quanto à parte que me toca, não quero voltar a sair da escola com esta sensação de fracasso entranhada nos ossos. Não quero continuar a fazer de conta que ensino e não quero, repito, não quero que os meus alunos façam de conta que aprendem... Só para responderem corretamente no teste e a seguir esquecerem tudo o que aprenderam. Quero fazer da escola e do ensino da minha disciplina um espaço de aprendizagens significativas e da aula de Português um pedaço de autêntica vida que permita, acima de tudo, a tomada de consciência do indivíduo em relação com a língua que fala e a cultura que o rodeia. Atenção, não pretendo negar totalmente a importância do teste ou do exame. Quero apenas que a escola aprenda a desembaraçarse deles, retirando-lhes o lugar de destaque que atualmente ocupam na avaliação das aprendizagens. E numa época em que o insucesso escolar é uma realidade, que tal admitirmos a hipótese de a avaliação como a entendemos e efetuamos hoje – mais classificativa do que interpretativa - ser uma das suas principais causas?
Deixo-vos com esta reflexão, caros leitores: poderá o sistema de ensino português correr o risco de entrar em descalabro se a avaliação escolar abandonar o seu exclusivo teor certificativo e passar a funcionar como a bússola que guia alunos e professores nas aprendizagens Conseguiremos, de uma vez por todas, passar a encarar a avaliação numa perspetiva evolutiva e dinâmica de adaptação, resolução e reflexão perante a vida?
Sabemos todos que alterar a forma como avaliamos é, sem dúvida, uma das mudanças mais difíceis – e cruciais - a levar a cabo no universo escolar mas já Confúcio dizia: Transportai um punhado de terra todos os dias e fareis uma montanha.

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

ENSINAR O PAI-NOSSO AO VIGÁRIO, NÃO, OBRIGADO!


"Nós todos temos a percepção dos resultados, quer da avaliação sumativa interna das escolas, quer da avaliação sumativa externa das escolas, os exames e as provas finais, mas nós estamos no terreno e vamos perceber como é que a escola faz o diagnóstico dos seus problemas, ou seja, para além da folha Excel, perceber que soluções a escola adopta, como é que monitoriza e como é que promove a melhoria na prática, que isto nos parece fundamental", disse Jorge Morgado, um dos intervenientes na II Conferência Diversidades, que decorreu, esta manhã, na Reitoria da Universidade da Madeira." - Fonte: DN-Madeira.


Palavras, palavras e mais palavras, porém, no essencial, nada de novo. Quarenta anos depois, o governo ainda não passou da fase do diagnóstico. Pessoalmente, lamento que um director regional (Inspecção Regional de Educação) pelo que foi referido, ande pelos estabelecimentos de ensino a "ensinar o pai-nosso ao vigário". Um director, advogado, que nem professor é!
A generalidade dos professores, sobretudo os que têm mais responsabilidades, democraticamente atribuídas, seria bom que tomasse consciência, dominam os formatos dos diagnósticos (levantamento da situação) bem como os relatórios que apresentam. Os professores, desde sempre que monitorizam e adoptam, as melhores práticas, no quadro do sistema educativo vigente e imposto. O próprio governo tem feito, de quando em vez, alarde disso mesmo. Quando convém. Portanto, andar de escola em escola constitui perda de tempo. O que deveria preocupar o governo é as outras e estruturantes dimensões do problema: a questão social, a montante, que também está diagnosticada, mas que não há coragem ou saber para arrancar as famílias da pobreza (em sentido lato e a todos os níveis, causa para muitos anos); a estrutura da organização social, onde se enquadram, naturalmente, os tempos de trabalho e a precariedade; a pavorosa escola a tempo inteiro onde, tendencialmente, tudo é motivo de escolarização encapotada, roubando o tempo necessário para ser criança; a responsabilização das famílias no processo educativo, também em sentido lato; a coragem para colocar em debate sério e profundo, a Autonomia da Madeira conferida pelo Estatuto Político-Administrativo (Artigo 40º, alínea o) - Matérias de interesse específico da RAM); a questão da autonomia das escolas, a sua organização e financiamento, neste caso, a liberdade na construção do currículo a partir de uma matriz essencial (não existem duas escolas iguais), o que implica um total respeito pela diferenciação; os programas desarticulados entre os diversos patamares; a tecnologia vs negócio dos manuais escolares e uma nova visão sobre o pensamento pedagógico, onde todo o caminho está por abrir. A "grande obra" é essa! De uma vez por todas, oiça, não se aprende por disciplinas e de uma forma centralizada e padronizada. Esse foi um tempo. Só aqui, qualquer pessoa, apostada no futuro, consegue elencar uma quase infinidade de aspectos que necessitam reflexão aprofundada. Ademais, todos os diagnósticos e monitorizações estão feitos, constam de livros, de dissertações, de teses e das actas das reuniões dos vários órgãos dos estabelecimentos de educação e ensino. Ainda hoje, o Dr. Rui Caetano, líder da Escola B+S Gonçalves Zarco, escreve em artigo de opinião: "(...) Os professores não se limitam a trabalhar o processo ensino-aprendizagem com alunos interessados e/ou desinteressados. Atualmente, a sociedade exige quase tudo à escola e aos professores. Por isso, somos esse “tudo” de várias formas e feitios. Somos: educadores das regras de convivência; formadores para a sexualidade responsável; gestores de conflitos; mediadores familiares de problemas que acontecem entre eles, além de fiscalizarmos e estarmos atentos aos comportamentos de risco dos alunos. Até os problemas pessoais que ocorrem numa discoteca ou no fim de semana, algures, chegam à escola para serem resolvidos, porque ganham novas dimensões. O rol de exigências continua: fazemos o papel de psicólogos; assumimos o lugar de pais, mães, amigos, confidentes, nutricionistas, tutores e promotores de campanhas de angariação de roupas, alimentos, medicamentos e outras carências dos alunos e familiares, além de educarmos também para a necessidade urgente dos hábitos de higiene. (...)". Saberá o governo, concretamente o Senhor Director da Inspecção (!) o que isto significa? Adianto-lhe: que o diagnóstico, a todos os níveis está feito, até porque os professores vão dando a resposta adequada. Não apenas nos aspectos externos à escola e que se repercutem na escola, tal como no processo ensino-aprendizagem. O problema está, portanto, não na elaboração de mais diagnósticos, monitorizações, de acompanhamento e de aconselhamento em processos de raiz errada, mas na mudança de paradigma. Entendeu, Senhor Director? Ensinar o "pai-nosso ao vigário", não, obrigado.
Ilustração: Google Imagens.

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

AINDA AS PROVAS DE AFERIÇÃO


As designadas "provas de aferição" são uma treta. Foram realizadas, estou convencido disso, apenas para atenuar a crítica política e sobretudo pública que o governo não quer avaliações e muito menos exames. É óbvio que a população transporta, ainda, a imagem de um sistema, com um longínquo passado, onde a palavra exame foi sempre determinante. Ali se separava, sem olhar a outros contextos e variáveis, o chamado trigo do joio. Não haver exames, para muitos, ainda hoje, significa facilitismo. Essa cultura está enraizada na consciência da população, sobretudo porque persiste uma crónica teimosia em não actuar nas causas. E essas encontram-se no Sistema Educativo no quadro da organização e da mentalidade social.



Mas acresce aqui um outro aspecto. No entendimento existente e no quadro das referências do sistema, se a aferição não conta para a avaliação do aluno, tendencialmente, são os próprios alunos que relegam para segundo plano o objectivo que, dizem, estar em causa. Pergunta-se, então, para que serve essa aferição? Quando os exames são hoje postos em causa, para quê aferir no plano nacional? Os estabelecimentos de ensino é que devem ter essa preocupação, porque dominam o quadro das aprendizagens no âmbito do seu projecto educativo. Para quê esse olhar de coruja atenta que o sistema encarna? Daí que não sejam necessários testes, pois há múltiplas formas de avaliar o trabalho realizado no plano interno dos estabelecimentos. 
Há dias segui uma reportagem, incluída no programa Fronteiras XXI (RTP 1), no decorrer da qual a jornalista disse que, na Finlândia, não existem exames nem no básico nem no secundário. A esse propósito, uma professora, sorrindo, sublinhou: "não é importante"! De facto, não é, se coragem existisse para mexer no âmago do sistema. Não se aprende mais com exames, tampouco com repetições para esquecer. Aprende-se vivenciando, errando, tentando e experimentando através de enquadramentos que despertem a CURIOSIDADE, acreditando, tal como ficou claro nessa mesma reportagem, que o "mundo não se resume às disciplinas". As crianças não vão, passados uns anos, para o mercado de trabalho com uma catrefada de disciplinas assistidas e concluídas com o tal "êxito" e com os diplomas de uma vã meritocracia. Integram-se e são confrontadas com a vida que é um todo; integram-se sabendo trabalhar em grupo e para o grupo e não de forma isolada, cada um por si. Não se integram com uma nota ou um nível, mas pela capacidade de aprender a desaprender, com visão, com entusiasmo, com sentido de busca e de investigação permanente. Esse é o caminho.
Portanto, na esteira do que tantas vezes aqui escrevi, obviamente na sequência do que vou lendo, compreendendo e percebendo, constitui um erro manter esta lógica: ah, as aferições foram muito negativas, então, mais apoios no Português, na Matemática, nas Ciências Naturais, na Física e na Química. Só que a insistência no erro nunca resolveu e jamais resolverá os tais pobres resultados. Assume o secretário de Estado: "estas provas permitem aferir o sistema e agir ao primeiro sinal de dificuldade". Pois. O problema é que há tantos e tantos anos que essa lógica se mantém: perante resultados menos satisfatórios, a resposta do sistema é sempre igual e os resultados posteriores sensivelmente os mesmos. Sendo assim, resta-nos mudar de paradigma. Este sistema educativo já deu tudo quanto tinha para dar. Desde há muitos anos.
Ilustração: Google Imagens.

domingo, 8 de outubro de 2017

DUAS POSIÇÕES ANTAGÓNICAS



Ainda sobre o programa da RTP3, "Fronteiras XXI", atentemos nestas duas posições:

Doutor David Justino, Presidente do Conselho Nacional de Educação: " A Educação melhorou muito. (...) A escola está cheia de mitos. Um dos mitos é que a Escola não muda. Só diz isto quem não conhece o que era a Escola do Século XIX ou do Século XX com a Escola actual. A Escola actual não tem nada a ver com a Escola do Século XIX ou XX. Aquilo que acontece é que a Escola vai-se renovando, através de pequenas coisas, pequenas alterações (...)"

Juiz Conselheiro Jubilado, Laborinho Lúcio: "(...) Chega-se à Educação através das crianças (...) não através de modelos. Às vezes temos excelentes modelos educativos, o que atrapalha são as crianças. Se nós partirmos das crianças, se percebermos que elas são radicalmente diferentes daquilo que eram na Escola do passado (...)"

David Justino surge-nos como um retrógrado, uma figura que não percebeu o essencial da questão, isto é, na prática, as diferenças conceptuais entre a Sociedade Industrial e a Sociedade da Tenologia e da Informação. E se sabe (ora se sabe!) continua, infelizmente, a posicionar-se no provérbio que "Deus é bom, mas o Diabo também não é mau". Temos de ver o futuro, mas, cuidado, o modelo de ontem, através de "pequenas alterações" continua a ter as suas virtualidade. Já Laborinho Lúcio, talvez porque pertença a organizações dos "Direitos da Criança", que o obrigou a uma leitura social mais profunda, mostra-se com uma visão muito mais alargada e assertiva. A sua síntese, dita, recentemente, no Funchal, acertou em cheio: "As crianças têm já um adulto dentro de si". Caso para perguntar, quem deveria ser presidente do Conselho Nacional de Educação?
Ilustração: Google Imagens.

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

A MÁQUINA, OS PINGOS DE CHUVA E A FERRUGEM!


Em uma apreciação ao comportamento político dos actuais secretários regionais da Madeira, escreveu o jornalista Vítor Hugo, do DN (e bem), relativamente ao secretário regional da Educação: "A sua discrição tem valido com que passe entre os pingos da chuva sem que se molhe muito." Excelente síntese. Eu apenas acrescentaria na observação política que faço: "sem se molhar". E aqui é que reside o verdadeiro problema. Um político tem de expor-se e tem de molhar-se. Só assim será possível acrescentar alguma coisa ao pré-existente. Quando mantém o fatinho político impecável, engomadinho e impermeabilizado, obviamente, que está a repetir o passado, ou melhor, significa que existe apenas para deitar óleo na máquina velha e ferrugenta. E a máquina, peça antiga da Sociedade Industrial, retocada aqui e ali, digna de figurar em um museu da História da Educação, continua a arrastar-se na engrenagem de ontem, por ausência de uma vontade política em encontrar outras mais adequadas aos tempos que correm. Não por ausência de cabimentação orçamental, mas por negligência, para não dizer outra coisa.



Espantoso é o facto dos homens e mulheres de hoje, olharem para essa máquina que percorreu mais de duzentos anos, e não lhes suscitar uma interrogação, uma inquietação: que faz ela aqui? Por que não substituímos esta sucata em função dos novos paradigmas do desenvolvimento? Por que teimam em manter uma engenhosa estrutura que olha para trás e não para o futuro? Uma máquina que, insensível, repete e repete, que não sabe fazer mais do que repetir, mecanicamente, o passado, pode ter lugar no mundo organizacional, neste caso, curricular, programático e sobretudo pedagógico de hoje?
Há uma ausência de questionamento sobre a máquina. Há silêncios a mais. Há braços caídos e até mesmo uma sensação de que não vale a pena. Ou melhor, é mais fácil manter a rotina do que molhar o fato perante a chuva de críticas que a todo o momento cai. A insatisfação existe. A angústia dos trabalhadores é evidente. O Síndrome de Burnout alastra-se ao longo do ano, a baixa médica acontece com frequência, os "serventes" dizem que aprendem mais de 60% fora da fábrica, mas a máquina continua a funcionar, repito, mecanicamente, alheia a tudo, surda e muda ao mundo e aos apelos dos vários sistemas que, hoje, para ela olham com desdém. A chuva cai, cada vez com mais intensidade, impiedosamente, mas o óleo permite-lhe que funcione! As fábricas abrem às oito, o patrão chega às nove, olha para os relatórios e manda disponibilizar mais óleo ou WD 40. Tal qual um relógio suíço e à semelhança da Sociedade Industrial, toca para entrar e toca para fechar e, no dia seguinte, a roda dentada volta a funcionar, cada vez mais lentamente, mas funciona. Com mais ou menos "projectos".
Há dias escutei, de passagem, alguns debates sobre o funcionamento da fábrica. Todos os gerentes das sucursais por aí espalhadas, genericamente, deram-se por satisfeitos com o patrão, com o funcionamento e com a produção. O patrão manda, nós obedecemos e paga no dia certo. Isso é que interessa. Percebi-os, a todos. Apenas um que quis explicar a máquina, um que mais parecia uma caterpílar com parafusos soltos tal o ruído produzido, fez-me mudar de canal, por não aguentar tanta torrente de disparates. Em contraponto, escutei um ou outro com alguma mensagem subtilmente dirigida ao patrão da fábrica. 
Ora, eu sei que meter o pauzinho na engrenagem da máquina necessita de conhecimento e sobretudo coragem para enfrentá-la. Acredito que, em alguns casos, existindo conhecimento (existe com certeza), a coragem é reprimida. Tenho pena, porque todos vamos continuar a pagar cara a produção, porque tal como sublinhou o jornalista, a discrição faz com que o patrão passe "entre os pingos da chuva sem que se molhe muito". Lamento, pelos trabalhadores da fábrica, pelos "serventes" e pela produção futura. A aquisição do conhecimento (produção) já não se faz com "peças" de museu. Deve-se apreciá-las, mas não segui-las.
Ilustração: Google Imagens.