sábado, 25 de novembro de 2017

ÓDIOS DE ESTIMAÇÃO


Se há algo que ainda hoje não percebi, esse algo é o ódio de estimação que a opinião pública nutre pelos professores. É um sentimento quase irracional que redunda na diabolização destes profissionais e que se revela, sem pejo, sempre que eles são notícia, seja por este, seja por aquele, seja por qualquer motivo. Tudo vale para que, em uníssono, a sociedade lance as mais imaginativas imprecações contra os docentes como se estes fossem a real encarnação do mal.


É claro que a reação é ainda mais veemente quando, sobre a mesa, está a demanda de direitos como aconteceu há uma semana. Aí é o deus nos acuda! A população, qual donzela ofendida, indigna-se a viva voz como se assistisse a uma inaudita ousadia por parte de quem, supostamente, já tem muito a agradecer pela simples razão de existir e de ter trabalho. Para comprová-lo, aliás, é só se demorar nas “análises” de alguns comentadores e/ou jornalistas que, usufruindo de jeitosas retribuições para glosar o lugar comum, logo se aprontam a fazer contas sobre o impacto das reivindicações docentes no erário. Ou, para quem preferir um exercício menos intelectual, basta perder algum tempo nos comentários de autoria duvidosa que acompanham as notícias online sobre os professores. Quer uns, quer outros, deixam transparecer, claramente, a bílis comunitária a fervilhar, destilando raiva contra esses malandros que têm férias três vezes ao ano.
Nem os maiores escândalos políticos ou financeiros nem a diferença salarial de género nem mesmo o delírio patológico de Sócrates conseguem mobilizar tanta antipatia como os professores. Eles são o alvo a abater. Porque ganham mais do que merecem. Porque são uns mandriões. Porque só trabalham meio dia. Porque querem progredir na carreira automaticamente. Porque não se fazem respeitar. Porque se armam em espertos. Porque são uns tiranos. Porque não sabem ensinar... Porque não sabem nada... Porque... Porque... Porque...
Como se não bastasse tanta energia negativa do lado de lá, do lado de cá, o do sistema educativo, a situação não é melhor. Bem pelo contrário. Quem faz a lei, com efeito, vai paulatinamente transformando os professores num espécime estranho, cuja última função é a de abrir caminhos para mentes mais ou menos brilhantes. Antes de chegar à sala de aula, o professor, na verdade, perde-se em meandros de burocracia absurda; em telefonemas a encarregados de educação que fazem da escola um mero armazém dos seus educandos; em contactos sistemáticos com psicólogos, assistentes sociais e até agentes policiais; em insultos, ameaças e humilhações de discentes que, conhecendo as sinuosidades do sistema, o ludibriam descaradamente; e ainda em muitas outras coisas mais que, por decoro e amplitude, não caberiam numa prosa deste tipo.
E, mesmo assim, para muitos, os professores não valem o chão que pisam. E, mesmo assim, para os professores, a docência ainda continua a valer a pena. Mesmo que, cada vez mais, entrar numa sala de aula seja um verdadeiro desafio, não intelectual, mas, sobretudo, de resiliência, porque, diante de cada docente, há uma geração hipersensível a qualquer observação sobre o seu comportamento e que exige um tratamento de igual para igual. Uma geração que cresceu ouvindo à mesa os pais dizer que os professores são uns pacóvios ao serviço de um sistema pleno de direitos mas sem deveres para quem está na escolaridade obrigatória. Uma geração que, paradoxalmente, brinca com a tecnologia mas desdenha o saber, sem mediano termo entre o direito de afirmação e o dever do respeito.
Por isso, não deixa de ser irónica a impopularidade da classe docente. É que, se é verdade que a mão que embala o berço é a mão que governa o mundo, também é um facto que, quando essa mão falha, é a dos professores que pode salvar esse mesmo mundo. Quem ainda não o percebeu, precisa de voltar aos bancos da escola. Não para rever teorias, mas para aprender a lição de que a humildade é a fonte de toda a sabedoria. Eu, jornalista, professora, encarregada de educação e, sobretudo, mãe, já a aprendi.

NOTA
Artigo de opinião, da autoria da Drª Eker Sommer, publicado na edição de hoje do DN-Madeira, e aqui reproduzido com a devida vénia.

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

ESTÃO EM CAUSA O SECRETÁRIO REGIONAL DA EDUCAÇÃO DA MADEIRA E OS PROFESSORES QUE DIRIGEM ESCOLAS


Apenas mais um contributo, em desenho animado, visando um Sistema Educativo decente e com futuro. Parem, reúnam e pensem no caminho errado que estão a seguir. Professores, revoltem-se, não apenas pela justa contagem do tempo de serviço prestado, mas também pela mediocridade do sistema educativo. Revoltem-se contra a apatia e a inexistência de políticas portadores de futuro. Revoltem-se contra políticos que "juram" repetir o passado, maltratam as actuais gerações e coarctam as iniciativas que tentam a ruptura. Revoltem-se contra a pobreza que chega à escola. Revoltem-se contra a excessiva burocracia e contra um sistema tipo pronto-a-vestir. Revoltem-se contra um sistema que bloqueia a imaginação, a  criatividade e que não dá margem a emergência do pensamento. Revoltem-se contra o cumprimento de programas desarticulados, sem nexo e desprovidos de cultura. Revoltem-se contra a falta de autonomia nas escolas, contra um sistema hierarquizado, centralizado, padronizado, estúpido e que impede organizações diferenciadas. Revoltem-se contra reuniões de departamento, de grupo e de turma que, genericamente, nada adiantam. Revoltem-se contra uma cretina avaliação baseada em "conhecimentos de manual", muitos para esquecer. Revoltem-se contra a subserviência e o medo. Revoltem-se contra a falta de financiamento. Revoltem-se contra o espezinhamento da função docente. Revoltem-se contra o excessivo número de alunos por escola e por turma. Revoltem-se contra a ausência de assertivas políticas de família. São tantos os sinais que evidenciam que este é um caminho errado e que o futuro não se constrói com receitas mofentas. Professores, acordem e ponham em sentido quem não tem sentido do futuro! 

Agora, convido-vos a assistir a este vídeo.  


             

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

O QUE TORNA OS PROFESSORES FORTES


Assistimos ainda hoje a outras tentativas e subalternizar o papel dos professores. Darei outro exemplo: há países em que as entidades responsáveis pela Educação compram a empresas privadas o currículo, os materiais, os livros e mesmo a supervisão do processo educativo. Este “franchising” educacional leva a que o professor se converta num mero “entregador” do currículo, tendo somente seguir e cumprir rigorosa e atempadamente os planos que a empresa fez para ele. Tem-se chamado a este modelo de “currículo à prova de professor”. Segundo o modelo planeado, o modelo só pode não funcionar se o professor não cumprir obedientemente os ritmos, os conteúdos planeados e não usar os materiais que lhe são fornecidos.



António Sampaio da Nóvoa publicou em 1987 um ensaio notável e seminal sobre “O tempo dos professores” (Le temps des professeurs: analyse socio-historique de la profession enseignante au Portugal (sec. XVIII – XX). Trata-se de um livro de leitura indispensável que, além de traçar a evolução da profissão docente ao longo de 300 anos, mostra como os professores surgiram e como à custa de longos e penosos processos se puderam afirmar como uma classe profissional indispensável ao(s) desenvolvimento(s) humano(s).
Mesmo recentemente não deixaram de aparecer duvidas sobre o caráter imprescindível da profissão de professor. Lembro, por exemplo, que quando surgiram as primeiras e desastradas experiências de introdução das Tecnologias Digitais na Educação, havia teóricos que profetizavam o desaparecimento a curto prazo dos professores porque seriam substituídos (e segundo eles com vantagem) pelos computadores. Dizia-se para anunciar o “admirável mundo novo” dos computadores na Educação que eles eram mais pacientes que os humanos (aqui havia uma incompreensível confusão entre ser paciente e ser repetitivo…), os computadores eram mais disponíveis, mais versáteis, etc. O certo que cedo se verificou que todas estas vantagens eram inúteis se não existisse um professor que contextualizasse as aprendizagens, que explicasse as suas dificuldades e implicações, um professor, enfim, que falasse humanamente com os alunos. Assistimos ainda hoje a outras tentativas e subalternizar o papel dos professores. Darei outro exemplo: há países em que as entidades responsáveis pela Educação compram a empresas privadas o currículo, os materiais, os livros e mesmo a supervisão do processo educativo. Este “franchising” educacional leva a que o professor se converta num mero “entregador” do currículo, tendo somente seguir e cumprir rigorosa e atempadamente os planos que a empresa fez para ele. Tem-se chamado a este modelo de “currículo à prova de professor”. Segundo o modelo planeado, o modelo só pode não funcionar se o professor não cumprir obedientemente os ritmos, os conteúdos planeados e não usar os materiais que lhe são fornecidos.
Muito mais exemplos poderiam ser dados de tentativas (felizmente mal sucedidas) de substituir o professor, de acabar este “Tempo dos Professores” com lhe chamou Sampaio da Nóvoa. O facto destes exemplos caricaturais terem sido desmontados não deve esmorecer a nossa vontade de encontrar respostas para a questão de “Como se pode reforçar e valorizar o trabalho dos professores?”
Os últimos anos de governação em Portugal foram um verdadeiro laboratório sobre como retirar relevo e autonomia aos professores. Muitos aspetos se poderiam evocar mas referir-nos-emos a três que nos parecem mais importantes:
Os professores tornam-se mais fortes quando se reforça a autonomia e a possibilidade de gerirem o seu trabalho pedagógico. Isto quer dizer que currículos extraordinariamente extensos e complexos vão “engessar” o professor e retirar-lhe tempo e disponibilidade para usar com os alunos outros métodos que não sejam os estritamente transmissivos. Com currículos destes escasseia tempo para que os alunos aprendam a resolver questões em grupo, para apoiar os alunos que “descolem” da “velocidade de cruzeiro” a que são transmitidos os currículos e não permite qualquer veleidade de interdisciplinaridade ou mesmo de aplicação a contextos reais. A tão criticada opção governamental de reforçar os exames faz parte deste problema: as escolas usam a desculpa dos exames para justificarem práticas ainda mais tradicionais e conservadoras no seu trabalho pedagógico.
Em segundo lugar não se desenvolveram modelos que incentivem, encorajem e recompensem o trabalho cooperativo dos professores. Sabe-se hoje que um professor que trabalhe sozinho tem uma enorme probabilidade de ser incompetente dado que os problemas que se lhe deparam são de tal complexidade que só em colaboração com outros docentes e mesmo outros técnicos é possível encontrar respostas adequadas. A organização da escola, a avaliação dos professores, o modelo de resolução de problemas na escola passa sempre por um professor solitário, e único responsável por assuntos em que na verdade ele não é capaz de resolver sozinho.
Por fim, precisamos de professores apoiados. A formação em serviço precisa de ser reconcetualizada para que possa desempenhar o papel fundamental de inovação e de supervisão do trabalho docente. A formação em serviço tem passado quase sempre ao lado das reais necessidades dos professores e das reais necessidades das escolas. Precisamos de professores apoiados e, assim sendo, fortalecidos para enfrentar os complexos problemas do quotidiano escolar.
Hoje, como antes, estamos - como escreveu Sampaio da Nóvoa - o tempo dos professores. Não dos professores, sozinhos, dos professores sabe-tudo, mas no tempo de uma classe profissional que tem cada vez mais de entender como se convence e seduz os alunos para a importância do conhecimento, da inovação e da pesquisa. Mas também como é que se chega a estes objectivos usando valores e práticas que sejam humanas, solidárias e participativas. É este o tempo presente dos professores.

Autor: David Rodrigues
Presidente da Pró-Inclusão / Associação Nacional de Docentes de Educação Especial, Conselheiro Nacional de Educação.
Fonte: Público

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

PARABÉNS ESCOLA DO CURRAL. PARABÉNS PROF. JOAQUIM SOUSA. PARABÉNS A TODO O CORPO DOCENTE


A comunidade educativa da Escola 123PE do Curral das Freiras (Madeira) está de parabéns. Hoje, na Fundação Calouste Gulbenkian, o Dr. Joaquim José Sousa (Director) e a própria Escola serão distinguidos no âmbito das "Personalidades com Corações que Constroem". O Professor foi convidado a integrar a mesa de debate "O Poder da Educação na Conquista da Igualdade". A cerimónia, entre outras figuras, registará a presença do Senhor Presidente da República.


Esta distinção não surge por mero acaso. É consequência de estarmos em presença de uma ESCOLA que, paulatinamente, tenta ser diferente das demais, apesar das constantes ameaças e perseguições da tutela. Ao contrário do que seria desejável, entusiasmarem e criarem as condições para que a escola em causa funcione como um laboratório de experiências, isto é, de mudanças paradigmáticas organizacionais e pedagógicas, susceptíveis de serem universalizadas a toda a Região, há políticos que têm dado a entender que não gostam de perder palco quando outros avançam, inovando e rompendo com as caducas estruturas do sistema educativo, apenas motivados pelo princípio que um aluno "não é um número, mas um indivíduo".
Felizmente, outros reconhecem aquilo que cá dentro parece ser gerador de dores de cotovelo! Parabéns a todo o corpo docente, liderado pelo professor Joaquim José Sousa.
Ilustração: Google Imagens.

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

POLÍTICA EDUCATIVA - AGORA NUNCA É TARDE... PARA SONHAR



Pedro Barroso foi Professor de Educação Física durante vinte anos. 
Caríssimos Professores, por favor, oiçam este texto: "nunca é tarde de mais para exigir e para sonhar.

terça-feira, 14 de novembro de 2017

LAMBEM PARA CIMA ESCOICEIAM PARA BAIXO


Este é um desabafo. Inabitual, da minha parte, sobretudo pela frontalidade e crueza das palavras. Estou cansado de ver sinais dados por alguns políticos que tentam secar tudo à volta. Normalmente escolhem ou os menos bons ou, intencionalmente, zangam-se com os melhores, gerando entropia nos serviços que tutelam, para que eles próprios sobressaiam. Subtilmente, como se ninguém estivesse a ver o jogo, descomprometem-se relativamente aos seus pares, baralham o jogo, habilidosamente perseguem, silenciosamente fazem o que lhes dá na real gana, mas vergam-se ao "chefe", isto é, como é vulgar dizer-se, "lambem para cima e escoiceiam para baixo". E lá vão sobrevivendo no meio político sem que lhes descubram a careca e o vazio interior que faz eco. O poder está entregue, em alguns sectores, a desmiolados, a pessoas sem conceitos, "analfabetos" naquilo para que foram convidados, jurando pela honra cumprir com lealdade as funções confiadas. Lealdade ao "chefe", obviamente que sim, porque, facilmente, sabem que lhes podem ser oferecidos um par de patins e lá vão avenida abaixo! Lealdade e humildade em função da grandeza do acto de bem governar, com visão de futuro, isso aí, calma, primeiro o lugarzinho, depois, a imagem pública, depois, ainda, o que fica para o futuro. Se ficar...


O drama desta situação é pensarem que são donos da verdade, demonstrarem excesso de vaidade, desejarem ser referência de qualquer coisa, passarem, até, a imagem de excelência, quando, ao fim e ao cabo, existem tantos na sociedade, de professores universitários a investigadores com "cabeça", capacidade e mestria. Até alunos melhores! Então, julgo eu, eriçados pelo ciúme, com o receio de perderem o pódio, tentam fazer a vida negra aos outros, àqueles que trazem o novo e conseguem resultados entusiasmadores. Instauram processos disciplinares, mandam inspecionar desde a tasca à escola, porque todos devem vergar-se à padronização e à centralização do poder. Vergar-se ao seu "chefe", melhor dizendo. O egoísmo é tal que não conseguem olhar para o lado, ver e aplaudir o que de bom alguns fazem com enorme paixão. Aí, alto e parem o baile, porque "eu sou o presidente da junta", o meu umbigo é o centro do mundo e tudo tem de passar pelo meu crivo. Entristece-me gente assim. Magoa-me quando vejo alguém magoado por andar com a coluna direita.
Não é novo este quadro de tentativa de apagão e de, intencionalmente, provocarem o conflito onde não existe, para fazerem os outros baixar os braços, pelo que pensam, pelo que dizem e pelo que fazem. Ao longo da minha vida profissional assisti a tantas situações com esta raiz de pensamento abstruso e indigno. Até um tolinho me instaurou um processo disciplinar na lógica da perseguição maquiavélica e ao jeito político de "para os amigos tudo, para os inimigos nada e para os restantes aplique-se a lei". Hoje, olho à volta e detenho-me não nessa apregoada "renovação", mas na frase histórica que ditava a mentirosa "evolução na continuidade". Não suporto políticos medíocres, que infernizam a vida dos outros, que preferem a rotina do passado a demonstrarem um rasgo portador de futuro. Olho com preocupação para sujeitos científica e culturalmente fracos que ocupam lugares institucionais e vê-los atravessar a passerelle como iluminados. Não conseguem irritar-me, mas fico em estado de desassossego sobre o futuro. Este é um desabafo. Um dia destes, sei lá, regressarei com a denúncia. Vão mas é bugiar!
Ilustração: Google Imagens.

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

"CONTRA A IDEOLOGIA DAS COMPETÊNCIAS A ESCOLA DEVE ENSINAR A PENSAR"


O Sistema Educativo bloqueia o pensamento. O aluno ouve, memoriza, debita e é avaliado.


De Immanuel Kant

"Espera-se que o professor desenvolva no seu aluno, em primeiro lugar, o homem de entendimento, depois, o homem de razão, e, finalmente, o homem de instrução. Este procedimento tem esta vantagem: mesmo que, como acontece habitualmente, o aluno nunca alcance a fase final, terá mesmo assim beneficiado da sua aprendizagem. Terá adquirido experiência e ter-se-á tornado mais inteligente, se não para a escola, pelo menos para a vida.
Se invertermos este método, o aluno imita uma espécie de razão, ainda antes de o seu entendimento se ter desenvolvido. Terá uma ciência emprestada que usa não como algo que, por assim dizer, cresceu nele, mas como algo que lhe foi dependurado. A aptidão intelectual é tão infrutífera como sempre foi. Mas ao mesmo tempo foi corrompida num grau muitíssimo maior pela ilusão de sabedoria. É por esta razão que não é infrequente deparar-se-nos homens de instrução (estritamente falando, pessoas que têm estudos) que mostram pouco entendimento. É por esta razão, também, que as academias enviam para o mundo mais pessoas com as suas cabeças cheias de inanidades do que qualquer outra instituição pública. (...)"

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

O PARADOXO DAS "BOAS PRÁTICAS NOS CONTEXTOS EDUCATIVOS"


Volta e meia lê-se, por aí, uma qualquer declaração onde vem à baila as "Boas Práticas nos Contextos Educativos". Ainda há dias, sobre um protocolo visando a participação de psicólogos no sistema educativo, falavam de uma "escola saudávelMente" no quadro das tais "boas práticas nos contextos educativos". Interrogo-me: afinal, o que são, hoje, as tais pressupostas "boas práticas nos contextos educativos", quando o sistema estruturalmente é sempre igual? O que é uma escola de "mente saudável"? Ora, só podem existir boas práticas quando, a partir da experiência vivida e reflectida, se conclui da necessidade de uma mudança estrutural do sistema. Mudança que deve assentar, sempre, naquilo que enforma a palavra processo, enquanto acto inacabado e contínuo. Se assim não acontecer, quando, estruturalmente, não se altera a matriz do sistema, então podemos dizer que as "boas práticas" correspondem a pensos rápidos sobre uma ferida profunda. Em uma aproximação ao sistema educativo dir-se-á que tapa a ferida, mas não resolve a questão de fundo. 


Significa isto que qualquer actuação nas margens, distante de uma visão global, compaginada a montante e a jusante do sistema, não só não resolve como não atenua a dor sentida, fundamentalmente, por professores e alunos. Aliás, se trazem à baila as "boas práticas nos contextos educativos" é pela assumida percepção que a resposta do sistema é frágil e denuncia insuficiências. Não ir ao encontro das causas parece-me tempo perdido. Parece-me, não, é tempo perdido! Uma doença grave não se resolve com aspirinas. É, portanto, espantoso e revelador de insuficiências ao nível do pensamento estratégico, ao invés de, primeiro, estudar e determinar para onde desejam ir, preferir a insistência em uma estrutura inconsequente à luz dos nossos dias. Trata-se de um paradoxo. 
Lembro, a propósito, que, em Maio de 2011, o então secretário regional da Educação da Madeira, propôs a colocação de sociólogos nas escolas da Região. Já não bastariam os psicólogos! A esse propósito escrevi um texto (aqui) que visou equacionar esta inútil proposta política. A páginas tantas, salientei: 

"(...) A Sociologia, enquanto ciência humana, que estuda as múltiplas unidades que formam a sociedade, as suas interdependências, a(s) sua(s) cultura(s), salvo melhor opinião, não se coaduna com a proposta do secretário. Parece-me absolutamente desadequada tal proposta à luz da Escola que se quer e do futuro desempenho profissional. A prioridade não é essa. Aliás, são muitas, desde a reorganização da rede escolar, a cultura organizacional, a formação inicial, complementar e especializada dos professores, a efectiva autonomia administrativa e pedagógica, o adequado financiamento, os problemas resultantes do currículo e dos programas, deles expurgando a "tralha" e, a montante, os problemas da família, da economia (emprego) e da pobreza. Se o secretário demonstrasse empenhamento nessas áreas de intervenção conjugando-a em parceria com outras pastas do governo, estaria a prestar um bom serviço. Agora, sociólogos na Escola....". 

Vive-se a onda dos psicólogos e, por pouco, julgo eu, a onda dos sociólogos não passou de uma mera proposta. Sempre a política do "penso rápido", jamais, pelo menos, a fuga à tentação de andar atrás dos acontecimentos. Não vejo os responsáveis políticos preocupados em mexer na estrutura com medidas portadoras de futuro. Mais um "projecto" aqui, outro ali, enfim, "projectos" é coisa que não falta nas escolas. Depois, genérica e globalmente, dão vivas à ponta do icebergue, aos tais que conseguem vinte valores a tudo, enaltecem a meritocracia (mesmo os piores sistemas geram resultados de topo), e assobiam para o lado perante a falange de insucessos e abandonos, por mais que abordem essas tais "boas práticas nos contextos educativos". Por favor, parem e pensem. Pensem no significado, por exemplo, da Web Summit face à "tralha" que hoje invade a Escola! Isto é, se o Sistema Educativo está em linha com os desafios do futuro. Se aquilo que transmitem tem alguma ligação com os empregos do futuro".
Ilustração: Google Imagens.

sábado, 4 de novembro de 2017

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA TOCOU NA FERIDA


"Os portugueses, de facto, verdadeiramente não dão primazia à Educação como prioridade nacional, (...) quantas famílias votam, nas diferentes eleições, dando primazia à Educação? Tenho para mim que muito poucas. (...) Votam olhando para a situação económico-financeira, para as questões do emprego, da segurança, porventura da saúde ou da segurança social. Não para a Educação. E isso é muito preocupante", afirmou o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, no discurso de encerramento do 1º Congresso das Escolas.


O Presidente falou, ainda, da necessidade de um novo olhar para os currículos e para os programas, o que pode significar, complementarmente, um novo olhar sobre a esfera pedagógica. Uma intervenção certeira que me escorreu garganta abaixo como mel. Faltou-lhe acrescentar, pelo menos não me apercebi, um novo olhar para as políticas de família, para as responsabilidades que a estas competem no processo educativo e para uma nova visão organizacional da sociedade. Mais trabalho não significa melhor trabalho com ganhos na produção, da mesma forma que mais escola não significa melhor escola com ganhos nos resultados da aprendizagem. Infelizmente, é essa mentalidade que há muito perdura.
Mas, não perdendo o fio à meada, as palavras do Presidente encaixam-se na perfeição em algumas experiências que tenho feito. Em qualquer rede social, coloca-se uma fotografia, muitas vezes sem qualidade e logo aparecem, dezenas ou mesmo centenas de "gostos" e  de comentários; um assunto sobre Educação passa completamente ao lado dos visitantes. Uma maçada! Só mais um exemplo: assino este blogue, aberto a textos e comentários, desde que devidamente assinados, (www.educacaopensamentoautonomia.blogspot.com), iniciado em 19.10.2016, o contador de visitas regista escassas 3.700 entradas (média de 9 pessoas/dia), mas, pior, nem um só comentário. Curiosamente, só na Região da Madeira, existem cerca de 6.500 professores. Caso para dizer que nem esses estão interessados, quanto mais a sociedade! Discutir a escola pública e a privada,  a autonomia dos estabelecimentos de educação e ensino, os direitos da criança, a pedagogia, os paradigmas organizacionais, a meritocracia, a avaliação, os TPC, o desporto educativo, a cultura, a tecnologia, a formação, a acção social educativa, os currículos, os programas, tomar consciência, através de entrevistas, do que outras personalidades dizem, enfim, tudo isto, por experiência própria, leva-me a dizer que a comunidade não dá "primazia à Educação". A escola funciona porque é obrigatória e, em segundo lugar, para a generalidade, atrevo-me, com algum exagero dizer, que são excelentes armazéns enquanto os pais trabalham. O que lá se aprende e como se aprende, se se adequam às novas realidades ou não, tem razão o Presidente, as pessoas votam (...) olhando para a situação económico-financeira, para as questões do emprego, da segurança, porventura da saúde ou da segurança social. Não para a Educação. E isso é muito preocupante".
Só uma nota final: Senhor Presidente, se a sociedade está errada, a escola não pode estar melhor. E mudar de paradigma é muito difícil. De resto, há muita forma de comprar os silêncios das pessoas, os silêncios dos próprios responsáveis pelas escolas e os silêncios dos professores, de tantas formas, repito, conjugadas com uma palavra que condiciona sobremaneira: medo.
Ilustração: Google Imagens.

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

POR UM LADO, A DEPENDÊNCIA DA TECNOLOGIA, POR OUTRO, COMO APROVEITÁ-LA NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM!


O Jornal I, edição de fim-de-semana, colocou, em primeira página, uma síntese que muito dá para pensar: a utilização da tecnologia, particularmente, dos telemóveis. Já existem clínicas para este tipo de doentes e muitos jovens em tratamento. Sabe-se que o seu uso excessivo pode conduzir à ansiedade e à depressão. Um assunto grave. Impressiona-me qualquer tipo de vício ou dependência. Fico espantado quando olho para uma mesa e ao invés de conversarem, vejo as pessoas agarradas ao telemóvel em preocupante silêncio. São significativos os muros entre as pessoas. A situação é transversal a todas as idades. E se uns sabem dosear a sua utilização, outros, parecem denunciar que a vida começa e acaba ali. Eu diria que o telemóvel funciona como uma prótese necessária à sobrevivência. É a vida virtual a sobrepôr-se à vida social. De um excelente meio de informação, de comunicação e até de divertimento, passou-se, em poucos anos, para um fim em si mesmo. O telemóvel tem de estar por perto e quando não está perturba a vida. Não falo, sequer, das "radiações electromagnéticas", porque não estou minimamente abalizado para tal equacionamento, mas todos nós damos conta que não estamos a saber tirar o máximo proveito deste equipamento tecnológico em um mundo de informação permanente e de comunicação, esbatendo, simultaneamente, o rol de pontos negativos que a ele estão associados.
Por outro lado, coloca-se aqui uma outra questão: quando é residual o número de crianças e jovens que não dispõem do acesso à tecnologia (telemóvel e outros equipamentos), como pode a Escola sobreviver, mantendo as características do passado, ao invés de utilizá-la como o mais poderoso meio pedagógico no processo ensino-aprendizagem, ao mesmo tempo que pode e deve educar para a sua racional utilização?
Ilustração: Página do Jornal I.