segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

PISA visa um modelo educativo colonial


PISA (Programme for International Student Assessement) nada me diz. Na sua essência é uma fraude. Tal como assumiu o Doutor em Educação Pablo Gentili*, Professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro,  "las pruebas PISA son el concurso de belleza de la pedagogia" (...) "El PISA construye un mecanismo artificial, lo impone y nadie lo cuestiona, y luego compara (...)". 

A páginas tantas, enaltece o Professor: "(...) La OCDE parte de un principio equivocado, de que hay una forma de pensar el desarrollo y el mundo, que es universal, de Shanghái hasta República Dominicana, todos los jóvenes con 15 años tienen que saber un conjunto de cosas que son fundamentales para sobrevivir y progresar en la vida. El fundamento se basa en lo que piensan "un conjunto de burócratas" de una organización dedicada a la economía mundial "de los países más poderosos del mundo" y que se impuso como la visión dominante "a partir de la cual es posible pensar y presentar los objetivos de la educación". Concordo, em absoluto. E porquê? Porque não existem duas economias iguais, duas histórias e culturas iguais, taxas de pobreza iguais, graus de desenvolvimento vs desigualdade idênticos, sistemas educativos semelhantes, existência ou não de experiências educativas distintas, idênticas taxas de investimento na educação em percentagem do PIB, taxas de abandono e de insucesso iguais, por aí fora. Logo, compara-se e alinha-se em um "ranking" o que é incomparável. Trago, novamente, à colação o Doutor Gentili: "(...) Esto no es nada menos que una evaluación de los sistemas educativos nacionales a la luz de estos principios y estas competencias que nunca se ponen en duda y que establece un horizonte, un modelo educativo colonial, dominante y para nada universal ni científico" (...) las pruebas PISA son "un verdadero desastre", se imponen por la fuerza que ejerce la organización poderosa que las realiza en los medios de comunicación (...)".

Ora bem, apesar disto, lá veio o secretário da Educação da Região da Madeira falar dos méritos do sistema, das posições, embora modestas, no quadro das regiões do país, porém sem qualquer preocupação de análise ao que se esconde para além do PISA. Como se os números falassem por si. E não falam! Deveria ter explicado, entre múltiplos aspectos, o seu entendimento entre o grau de pobreza na Região e os resultados; qual a relação entre a gravidade do abandono e do insucesso e os resultados; finalmente, como é que são seleccionados os alunos que fazem os testes PISA, se a amostra é, rigorosamente, aleatória, ou se são por escolha de alguém.  

O secretário evidencia, no seu discurso, "o caminho do sucesso" mas fica a pergunta, qual caminho?  Alguém o conhece? Haverá algum caminho ou esse caminho é o da repetição de processos completamente desadequados em função do Mundo que estamos a viver e daquele que facilmente se adivinha ali ao virar da esquina?
As declarações de Pablo Gentili, ex-secretário executivo do "Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO)" são evidentes: "las pruebas PISA son el concurso de belleza de la pedagogia". A propósito, transcrevo o que escrevi há três anos: "(...) Há, por um lado, diversas realidades históricas, económicas, sociais e culturais, que não permitem, com rigor, comparar o que é incomparável, e, por outro, sabe-se que não é seguro o carácter aleatório de escolha dos alunos que se submetem aos testes. Factos que distorcem e colocam em causa o resultado final. Bastam estes dois aspectos para que se fique de pé atrás na análise dos resultados. Muito mais importante seria conhecer a estrutura dos diversos sistemas educativos, se eles estão ou não adequados ao tempo que vivemos, à própria investigação, se transportam ou não um princípio hierárquico contrário à verdadeira autonomia dos estabelecimentos de aprendizagem, o grau de formação dos docentes e a sua disponibilidade para aceitar novos paradigmas pedagógicos, mais ainda, qual a relação entre o sistema educativo (a jusante) e as preocupações de natureza social (a montante). São estes aspectos que determinam se os sistemas são ou não portadores de futuro (...)".   
"(...) (PISA), repito, passando ao lado das realidades históricas, económicas, sociais e culturais, trazem no seu bojo uma intenção subliminar conducente à visão do Mundo que a teia deseja operacionalizar. OCDE é uma sigla que significa "Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económico". Certo? Portanto, não sejamos inocentes e não façamos de um qualquer "ranking" a radiografia do País ou Região para esgrimir ou enaltecer, partidariamente, posicionamentos que, tarde ou cedo, rebentarão nas próprias mãos". Uma região com altas taxas de repetência, com 30% de pobres, com sérias dificuldades na qualificação profissional, com baixos salários, com altíssimas necessidades de Acção Social Educativa, do básico ao universitário, "com lacunas graves na mentalidade e usufruto dos bens culturais, é lógico que não pode ser uma região cujas crianças, globalmente, sejam felizes e com apetência pelo conhecimento". Mais. Uma região "com uma estrutura do Sistema Educativo assente no Século XIX não pode ter aspirações ao desempenho de países que ultrapassaram o analfabetismo há mais de um século e cujas economias nada têm a ver com a situação portuguesa. É comparar o incomparável. Esqueçamos, pois, os "ranking's ou olhemos para eles de forma distante e fria. Mais avisado será estudar as traves-mestras da estrutura em que assenta o sistema educativo. Porque mais escola e mais horas de Português, de Matemática ou de Ciências, não significam melhor escola e melhor futuro. PISA, por tudo isto, não prova nada. E para que fique claro, sou pelo rigor e pela exigência, só que através de um paradigma organizacional e pedagógico completamente diferente de tudo quanto enformaram os Séculos XIX e XX.
Senhor secretário, integrei, com o decorrer dos anos, duas sínteses que observei dos Mestres com quem muito aprendi e privei: primeiro, só é legítima uma opinião séria e fundamentada quando se faz, também, um esforço sério e fundamentado de estudo das variáveis de um determinado tema; segundo, complementarmente, à partida, todos têm razão, desde que a justifiquem de forma consistente e inequívoca a sua análise. É básico. 
Ilustração: Google Imagens.

NOTA
A ler, complementarmente, um texto contraditório sobre as políticas da OCDE

* Pablo Gentili. Nascido na Argentina. Doutor em Educação pela Universidade de Buenos Aires. Professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Pesquisador do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Autor de A falsificação do consenso: simulacro e imposição na reforma educacional do neoliberalismo (Vozes, 1998) e organizador de Pedagogia da exclusão: crítica ao neoliberalismo em educação (Vozes, 2004).

sábado, 7 de dezembro de 2019

"Não, porque Não"


Um clássico que se mantém entre as expressões dos pais...


O "Não porque não!" de hoje e o "Não porque não!" de há uma geração têm pouco a ver. É claro que, do ponto de vista da forma, são iguais. Mas em relação aquilo que querem dizer são muito diferentes.
Há uma geração, a educação era, seguramente, mais austera. Sem dúvida, mais autoritária. Mais distante. Menos comprometida com os exemplos que os pais davam, todos os dias. E muito pouco implicada a ter, da parte duma criança, uma concordância tácita em relação aos nãos dos pais. Daí que o "Não porque não!" servia para que os pais jamais se dessem ao trabalho de explicar um “Não!”. E com isso seriam, muitas vezes, prepotentes.
Hoje, a educação é, incomparavelmente, mais democrática. Mais acolhedora. Mais desejosa de criar uma autoridade igual para todos só que uns a exercem e os outros a sufragam. Daí que o "Não porque não!" surge, muitas, depois de se terem explicado muitos "nãos", talvez vezes demais. Sendo assim, o "Não porque não!" quer dizer que os pais chegam a um limite em que, com um "Não" mais impetuoso, esperam que uma criança os compreenda. Mais do que os tema.
Há uma geração, o "Não porque não!" representava, sobretudo, uma afirmação autoritária dos pais. Mesmo quando os seus exemplos e aquilo que eles exigiam não coincidissem em nada.
Hoje, o "Não porque não!" quer dizer quase completamente o contrário. Estamos tão convictos dos nossos exemplos e tão certos da justiça das nossas exigências que entendemos não ter de explicar um não. Porque o que somos explica aquilo que exigimos.
Há uma geração atrás o "Não porque não!" gerava medo - muito medo - e a insegurança de, ao desafiá-lo, virem represálias furiosas da parte dos pais.
Hoje, o "Não porque não!" gera receio. E espaço para perguntar "Porquê?" ou para reclamar que "Não é justo!". Mesmo quando se reconhece justeza no acto de exigir.
É claro que nenhuma criança do mundo gosta de ser contrariada. E que, ontem como hoje, o "Não porque não!" nunca mereceu reacções entusiásticas por parte dum filho. Mas enquanto o “Não porque não!” era tudo aquilo que separava os pais dos filhos, o "Não porque não!" de hoje aproxima-os. Sobretudo quando põe algumas regras nalguma "anarquia" que o excesso de explicações ajuda a criar.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

O Impacto da Revolução Tecnológica na Educação


Por
Arlindo Oliveira
PÚBLICO
2 de Dezembro de 2019


A profundidade do conhecimento não perdeu importância, mas tornou-se mais relevante ter a capacidade de procurar informação adicional e específica sobre determinados temas do que memorizar dados específicos, métodos ou algoritmos


O impacto da chamada quarta revolução industrial no emprego tem sido amplamente debatido e discutido, dando origem a centenas de estudos e artigos de opinião com as mais variadas conclusões. Porém estes estudos exibem bastantes divergências no que respeita ao previsível impacto da tecnologia no número de empregos que virão a estar disponíveis num futuro a médio prazo, eles são geralmente convergentes num aspecto em particular: a importância de preparar os jovens e os adultos para um futuro onde tecnologias como o digital, a robótica, a inteligência artificial, a biotecnologia, os materiais e as nanotecnologias terão um papel importante.
O moderno sistema educativo, baseado no ensino massificado, onde turmas de alunos com idades semelhantes adquirem um conjunto de competências muito semelhantes definidas por currículos padronizados evoluiu nos últimos dois séculos e é por vezes designado de “modelo fabril”, por analogia às linhas de produção em série que caracterizaram a revolução industrial. Embora o mérito desta analogia tenha sido alvo de bastante discussão, não deixa de ser verdade que o actual modelo, baseado na ideia de uniformidade (“one size fits all”) se tem vindo a revelar progressivamente mais desajustado das necessidades dos estudantes e da sociedade, enfrentando pressões com diversas origens.
Por um lado, existe cada vez mais informação disponível na Internet, que permite aos estudantes terem acesso a aulas, seminários, textos e exercícios sobre as mais diversas matérias, o que torna as aulas puramente expositivas menos atractivas. Há 40 anos, um aluno de engenharia interessado em aprender, por exemplo, cálculo diferencial e integral ou mecânica clássica apenas tinha como opções sentar-se em aulas na universidade ou aprender directamente a partir do estudo individual de livros de texto. Hoje, existem centenas de recursos publicamente acessíveis. Acresce que estas novas metodologias, baseadas em sessões de aprendizagem curtas, interactivas e apelativas, são muito mais adequadas aos jovens de hoje, cuja capacidade de concentração em aulas expositivas mais longas é, em regra, inferior à das anteriores gerações, por força da constante e permanente exposição aos novos media.

Por outro lado, a importância da memorização ou do domínio aprofundado de temas muito específicos, em determinadas áreas técnicas e científicas, caiu com a permanente disponibilidade de recursos especializados, acessíveis à distância de um telemóvel, de um computador ou de um programa que execute um determinado conjunto de cálculos. Um especialista poderá sempre aceder a informação adicional sobre uma doença ou usar um programa para calcular o dimensionamento de uma estrutura, para dar apenas dois exemplos. A profundidade do conhecimento não perdeu importância, mas tornou-se mais relevante ter a capacidade de procurar informação adicional e específica sobre determinados temas do que memorizar dados específicos, métodos ou algoritmos.

Finalmente, existe uma crescente percepção da importância da interdisciplinaridade. Cada vez mais as organizações valorizam profissionais que aliam os conhecimentos da sua especialidade (seja ela engenharia, economia, medicina ou outra área técnica) com competência de trabalho em equipa, conhecimentos de outras áreas e capacidade de comunicação. Muitos dos desafios das organizações exigem abordagens interdisciplinares, porque a adopção com sucesso de novas tecnologias requer abordagens sociais, económicas e psicológicas adequadas.

O sistema educativo, em geral, e o sistema de ensino superior, em particular, tem sido relativamente lento a reagir a estes ventos de mudança. A Academia é muito conservadora e resiste, tenazmente, a alterações no modelo de ensino. Na esmagadora maioria dos casos, a formação numa universidade portuguesa de hoje é muito semelhante à formação de há quatro décadas, embora existam relevantes e meritórias excepções. 

Não só os currículos dos cursos são semelhantes ao que eram, muitos deles rígidos e permitindo aos alunos poucas alternativas, como as aulas são, em si mesmas, muito semelhantes às que eram leccionadas quando eu andei na universidade, no princípio dos anos 80. Existem excepções, naturalmente, e o curso de estudos gerais da Universidade de Lisboa, que dá aos alunos grande flexibilidade na definição do seu currículo, é uma dessas excepções, aliás muito bem documentada num livro da autoria de António Feijó e Miguel Tamen publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Num relatório da OCDE, sobre o ensino superior português, elaborado a pedido do governo e tornado público em 2018​, pode ler-se que “Os programas têm tipicamente estruturas rígidas e são orientados para profissões específicas, permitindo aos alunos uma flexibilidade muito limitada na combinação de disciplinas. Adicionalmente, métodos centrados em aulas tradicionais, com um elevado número de horas de contacto são a norma.” A legislação criada com o Decreto-Lei n.º 65/2018, que extingue os mestrados integrados (cursos monolíticos de cinco anos), com excepção de uma minoria imposta por (muito originais) directivas europeias, veio permitir a diversas áreas, mas especialmente às engenharias, reformular os seus cursos para estarem mais de acordo com as modernas tendências e necessidades.
O Instituto Superior Técnico encarou o desafio criado pela obrigação de transformar os mestrados integrados em cursos de primeiro ciclo (três anos) e segundo ciclo (dois anos) como uma oportunidade para modernizar o ensino da engenharia. No caso do Técnico, a alteração nos currículos incluirá mais interactividade do ensino e uma maior flexibilização dos cursos, permitindo aos alunos uma muito maior liberdade na escolha de opções e áreas de especialização fora da sua área central de conhecimento, como inovação, gestão ou comunicação. Os estudantes terão também, pela primeira vez, a possibilidade de escolher disciplinas de outras faculdades da Universidade de Lisboa, tais como Economia, Direito, Medicina ou Literatura.
Abordagens análogas estão a ser seguidas por outras escolas de engenharia portuguesas, entre as quais a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, as faculdades de ciência e tecnologia da Universidade de Coimbra e da Universidade Nova, a Escola de Engenharia do Minho e a Universidade de Aveiro, que integram, com o Técnico, o Consórcio das Escolas de Engenharia, criado no passado mês de Julho para coordenar e potenciar a capacidade educativa de Portugal nesta área.

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Conversa entre avô e neto



Avô, diz-me lá o que pensas sobre isto: eu sei que não defendes que os professores façam testes, mas eles existem, ok? Sim. Defendo a avaliação mas não nestes moldes, porque aprender, como tantas vezes te digo, é muito mais do que repetir, decorar e debitar em uma folha de papel para logo esquecer. Mas diz lá, adiantei. Sabes, avô, não entendo como é que nos pedem a "interpretação de um texto", com várias perguntas, quando o que está em causa é a "compreensão ou o significado de alguma coisa". E a minha compreensão pode ser distinta da dos professores. Retorqui: o que me estás a dizer é que dentro de parâmetros aceitáveis, a tua leitura do texto possa não ser idêntica àquela que o professor espera ler como resposta. Quase nem me deixou acabar: não, não se trata de inventar, nem de face a alhos eu responder bugalhos. Pois, percebo, o que me queres dizer é que a compreensão exige a predisposição para o outro aceitar e respeitar a diversidade de opiniões. E eu não sendo dessa área de estudo, julgo que a compreensão se situa na análise (decodificação) ao que está escrito, portanto, a análise pode ser diversa, enquanto que a interpretação remete-nos para a conclusão. Avô, é como estar frente a uma pintura cuja compreensão fica muitas vezes na capacidade e olhar de cada um. Por isso, julgo que não devo dar as respostas que o professor entende como certas. Pois, meu querido, isso é muito complicado. O avô gosta muito de ler um Professor brasileiro, já falecido, Rubem Alves, que um dia disse: "para o burocrata o que interessa é o que vem no relatório, não as crianças". E os professores são hoje mais burocratas que professores. A escola não está organizada para fazer pensar e permitir a compreensão dos fenómenos, mas para dar respostas certas na idade das perguntas. E tu acabaste de me fazer uma pergunta. O Cardeal Tolentino Mendonça, sabes quem é, escreveu que "estamos muito preocupados com as respostas, quando o que nos salva são as perguntas". Estás no caminho certo. Aprendi contigo, porque nunca me tinha passado isso pela cabeça!   

domingo, 24 de novembro de 2019

A simplificação da Escola, precisa-se!


Por SOFIA CANHA 
Dnotícias
24 NOV 2019 

Os conselhos executivos e direções escolares estão envoltos em papéis

Sofia Canha

A Escola é constituída por dois principais grupos de atores: Alunos e Professores, tendo por guião de atuação os programas definidos e por base o currículo formal e o informal. Todas as estruturas à volta devem servir para facilitar as aprendizagens, começando na administração escolar e acabando nos encarregados de educação.
O que se verifica não é isso. Por motivos enraizados numa cultura burocrática, como a portuguesa, é difícil contrair o paradigma vigente. Pior, numa era tecnológica, em vez de se simplificar os processos e práticas administrativas, cada vez mais se complexificam e vão desviando o principal enfoque da Escola. Em comparação (se é comparável) uma escola com 800 alunos, terá 10 a 12 assistentes técnicos, na Madeira; uma escola na Holanda com o mesmo número de alunos tem apenas um. E acreditem que os assistentes técnicos, cá, não brincam, têm muito trabalho administrativo.
As aprendizagens deixaram de ser a principal preocupação dos agentes escolares. Agora são os resultados e a avaliação que mais interessam.
Os encarregados de educação tiveram de acompanhar a nova terminologia escolar e aprender a interpretar um sem número de tabelas de avaliação, em cada disciplina e os diferentes parâmetros avaliativos.

Os professores, por sua vez, têm de preencher mil e uma tabelas de avaliação contínua para expressar os resultados dos conteúdos programáticos, das atitudes e valores e das competências, elaboram programas e projetos para tudo e mais alguma coisa, relatórios, reuniões, etc, em vez de se ocuparem na preparação dos conteúdos e sua abordagem pedagógica e respetiva avaliação contínua e sumativa dos alunos.

Os conselhos executivos e direções escolares estão envoltos em papéis, legislação e processos, também mais preocupados com a gestão do estabelecimento e a avaliação, que os professores apresentam resultantes da sua atividade cada vez mais condicionada. Entretanto, deixam de ter disponibilidade para o mais importante: os alunos. Pois, mas os bons resultados, independentemente das condições para exercerem as suas funções, têm sempre de aparecer e exige-se que sejam cada vez melhores. Estabelecem-se metas de resultado irrealistas independentemente do sucesso ou insucesso dos processos.
Os alunos ficam, com tudo isto, secundarizados. E desculpem, mas reconhecer o mérito de 5% dos alunos, em cerimónias públicas não são argumento para contrariar a realidade.
Temos então Alunos e Professores no meio deste turbilhão administrativo e os encarregados de educação ficam de fora a olhar e com pouca margem para mudar o estado de coisas.
Simplifiquem a Escola, por favor. Deem condições aos alunos e professores para aprender e ensinar. Voltemos ao essencial; não ao currículo mínimo, mas sim a uma Escola simples e rica em diversidade, centrada nas aprendizagens. Podemos diversificar, sem complicar.

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Quando faltam espelhos...

FACTO

“Só é possível estarmos hoje aqui e termos estudantes a assumir este papel, porque estamos numa sociedade e numa escola onde a democracia impera (...)" - Secretário Regional da Educação, no acto de posse de uma Associação de Estudantes. Fonte: DIÁRIO.

COMENTÁRIO

"(...) Onde a democracia impera (...)". Acredito que sim, naquela escola e, provavelmente, não em muitas outras. Como é evidente, o secretário regional da Educação sabe que a democracia não se esgota nos actos eleitorais. E sabe também que existem muitas formas de a condicionar. E que existem, também, muitos apetites político-partidários. Recordo um político que uma vez disse, já neste tempo "democrático", que não descansava sem ter uma célula partidária por turma! Portanto, sobre "democracia" e jogos de poder, penso eu, estamos conversados. 
A questão agora é outra. Sou totalmente contra os poderes "duracell". Sejam eles quais forem. Aqueles poderes que se eternizam por todo o lado, inclusive, nas direcções dos estabelecimentos de aprendizagem. Fazem três, quatro, cinco, seis, sete mandatos e por aí fora e não deixam de ser alegadamente "democráticos". Mas a pergunta é esta: à semelhança de outros espaços de intervenção cívica, não deveria existir limitação do número de mandatos nas direcções das escolas?
Na minha opinião, sim, devia. Até o Presidente da República está limitado a dois mandatos. Por uma razão simples: pela não acomodação, pela não subserviência (existe tanta), pela autonomia dos estabelecimentos, pela criatividade e pela inovação. 
Não deixa de ser interessante a declaração do secretário, pois em uma escola (Curral das Freiras) cuja direcção foi democraticamente eleita (80% dos votos, s.e), mas com cujo resultado eleitoral o secretário parece não ter gostado, vinte e quadro horas depois o acto eleitoral não contou, a escola perdeu a sua autonomia, foi integrada em uma outra e ao presidente eleito, Professor Joaquim José Sousa, escarafuncharam e descobriram ninharias administrativas (uma delas ter enviado por e.mail os horários dos docentes, quando deveria ter remetido por carta!), levou com um processo disciplinar de onde resultou seis meses sem vencimento. Mas que democracia esta, pergunta-se, ou será que falar de democracia implica estar sempre submisso ao chefe?
Finalmente, que tal o secretário levar à Assembleia Legislativa uma proposta de Decreto Legislativo Regional para que a democracia funcione melhor nas escolas?
Ilustração: Google Imagens.

terça-feira, 19 de novembro de 2019

Que tipo de educação queremos?

Chumbos: desistir é que é fácil


Por 
Daniel Oliveira, 
in Expresso Diário, 18/11/2019

É quando fala de educação que a direita portuguesa mais sublinha a sua natureza reacionária. Funciona quase exclusivamente com base no preconceito e no senso-comum, recusando qualquer dado que lhe seja oferecido pelos estudiosos.


Criou mesmo uma carapaça – a que chama “eduquês” –, que a autoriza a não reconhecer qualquer autoridade científica que ponha em causa as suas certezas. Como sabemos, isto faz escola noutras áreas. Claro que não estou a dizer que os pedagogos e cientistas da educação carregam consigo a verdade. Estamos a falar de uma ciência social que se cruza com muitas convicções políticas e filosóficas.
Como dizia José Pacheco, fundador da Escola da Ponte, um projeto de escola é um projeto de sociedade. Mesmo – ou sobretudo – daqueles que a apresentam como politicamente neutra. Mas há coisas que ultrapassam isto. É o caso das retenções, que popularmente são chamadas “chumbos” – a deputada Cecília Meireles até com a utilização do termo rigoroso parece embirrar. Se faz questão em usar o calão, faço-lhe o favor.
O debate renasceu quando o Governo propôs, no seu programa, “criar um plano de não retenção no ensino básico, trabalhando de forma intensiva com os alunos que revelam mais dificuldades”. Qualquer pessoa de boa-fé percebe que ninguém quer acabar com os chumbos por decreto, apenas reforça que eles não são a forma “normal” de lidar com as dificuldades de aprendizagem.

Vamos aos factos sobre o nosso verdadeiro facilitismo. Somos o terceiro país da OCDE com mais retenções. 35% dos alunos até aos 15 anos reprovaram pelo menos uma vez, o que é uma brutalidade. Na OCDE anda por volta dos 13%. Em 15 anos de testes de PISA, os alunos portugueses subiram de forma extraordinária nos resultados em literacia científica, leitura e matemática. Estão melhores, portanto. E isso deve-se ao trabalho feito pela escola. O que não evoluiu o suficiente? As retenções, que estão nos antípodas dos países que estão à nossa frente. Apesar de se ter conseguido reduzir o número de retenções, pelo menos no ensino básico, nos últimos quatro anos. O que é sinal de um esforço coletivo.

Passar de ano sem saber o que se tinha de saber no ano anterior, pelo menos enquanto a escola continuar a funcionar no modelo que tem cerca de 200 anos e se mantém quase inalterado, é um erro. Porque são necessárias bases para avançar. Há quem use outros modelos, nunca ensinando tudo igual e ao mesmo tempo a alunos que são muito diferentes, mas deixemos isso para outra conversa. Fiquemos por isto: um aluno que não sabe somar não estará preparado para contas mais complexas, um aluno que lê mal não está preparado para compreender textos literários. Estamos todos de acordo. Perante um aluno que não está a acompanhar o ritmo de aprendizagem, há duas possibilidades: a fácil e a difícil.
A fácil é deixar andar as coisas e, no fim do ano, avaliar se o aluno aprendeu e mandá-lo repetir tudo outra vez, da mesma forma, até ele decidir perceber. Usando um termo técnico, chamaria “idiota” a esta estratégia. Porque ela parte do princípio que o aluno não aprendeu porque não quis. E que se for castigado, ouvindo tudo o que já ouviu e passando a estudar com outros miúdos mais novos do que ele, acabará por aprender. Para quem tanto pede que se use o senso-comum, não seria mau socorrer-se dele agora. Compreendo porque há muita gente que se conforma com esta solução e tem resistido a tutorias e várias alternativas de intervir aos primeiros sinais de dificuldade, com bons resultados em muitas escolas. A escola em que o chumbo é a resposta é facilitista. Basta um mero ato administrativo e o problema fica resolvido. Ou fica para outros resolverem.

Basta olhar para a distribuição regional e social dos chumbos para perceber que a escola ainda não conseguiu contrariar a origem dos alunos. Partindo do princípio que os alunos mais pobres e do interior não são mais preguiçosos ou menos inteligentes, foi ela, no seu conjunto, que falhou, avaliando o que recebeu — e não o que fez com o que recebeu.

Ser exigente com os alunos sem ser exigente com a escola não é ter cultura de exigência alguma. Por isso, o caminho difícil obriga os educadores a estarem atentos e a definirem, antes do ato administrativo de chumbar um aluno, uma estratégia para que isso não aconteça. Percebendo que as coisas não estão a correr como deviam, não se continua em frente como se nada fosse. O objetivo é passar o aluno porque o objetivo é que ele aprenda antes de ficar para trás. Para que ele continue ao ritmo normal, estudando com crianças e jovens da sua idade e que conhece. O que passa por a escola se concentrar mais nele, mudando estratégias que não estão a resultar. Esta é a escola exigente. Exigente com o aluno, porque o obriga a tentar fazer as coisas de forma diferente. Exigente consigo mesma, porque não substitui o ato de ensinar pelo mero ato burocrático de avaliar.
Dirão que a escola que temos não está preparada para esse esforço com resultados verdadeiramente eficazes. Ou até que alguns professores não o conseguem fazer. Então é só esse o debate. Assim como não nos passa pela cabeça dizer que se deve deixar morrer doentes porque os hospitais não têm meios. Se isso acontece, concentramo-nos nos meios que temos de dar aos hospitais para cumprirem a sua função, não propomos que se desista dos doentes.
Claro que todas as estratégias podem falhar. E é por isso que ninguém propõe acabar com as retenções (termo correto, porque descritivo), mas torná-las difíceis, para que a escola não a substitua pela sua verdadeira função. No fim, se nada funcionar, ela até pode ser eficaz. Por isso é uma última possibilidade. Excecional, por natureza. Mas para não ser um expediente, tem mesmo de ser a última. E o Estado deve dizê-lo e dar meios para que o seja.
O excesso de retenções ainda é causa e consequência de um falhanço. Consequência, porque nos diz que a escola não se esforçou o suficiente para as evitar. A incapacidade de aprender o que foi definido para miúdos de uma determinada idade com capacidades cognitivas medianas ou até baixas é responsabilidade da comunidade escolar, no seu conjunto. Causa, porque fazer um aluno repetir um ano, voltando a aprender tudo de novo com crianças mais novas, é péssimo para a qualidade do seu percurso de aprendizagem.

Um estudo do Banco de Portugal, realizado por Manuel Coutinho Pereira e Hugo Reis, confirma que o chumbo na fase inicial do trajeto educativo (até ao 6º ano) tem um efeito negativo, e não positivo, no percurso académico a longo prazo. Em geral, sobretudo nos primeiros anos, o aluno não segue mais sólido para a frente, segue em piores condições: “a retenção numa fase inicial da vida escolar - prática particularmente prevalecente em Portugal - parece ser prejudicial para o desempenho educativo no longo prazo. Desta forma, poderá́ haver vantagem em substituir, em parte, esta prática por programas alternativos de apoio.”

Reter um aluno deve ser considerado um gesto extremo, quando todas as outras estratégias falharam. Os números absurdos de retenções mostram que ainda não é o caso. Mostram, como diz a professora Lucília Salgado, que a opção pela retenção é massiva, porque está muito acima da maioria dos países com que nos comparamos, seletiva, porque atinge muito mais os alunos que vêm de famílias com menores qualificações, e precoce, porque começa logo nos primeiros anos, e é cumulativo, porque quem chumba tende a voltar a chumbar.
Infelizmente, quando se assiste a debates parlamentares sobre este tema, a demagogia é tal que se percebe que, para muitos deputados, é só mais uma oportunidade para sacar uns votos. Num tema onde não seria difícil construir consensos que nos continuassem a fazer evoluir. Sim, a evoluir. Porque a parte mais estúpida de todos estes debates é a forma como se negam as evidências estatísticas e da experiência: a escola é melhor hoje, as novas gerações estão mais bem preparadas. Mesmo que seja muito tentador falar dos bons velhos temos de exigência, esse reconfortante mito nacional. E o caminho é o que tem sido feito, não é um recuo para a máquina de chumbar que vigorava no tempo em que fui estudante.

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

A cultura do chumbo é a cultura do facilitismo


RTP 3 - Notícias, edição de anteontem. O jornalista abordou a questão dos "chumbos zero" no Ensino Básico. A partir das posições assumidas no Parlamento por Rui Rio (PSD) e Cecília Meireles (CDS), relativamente às preocupações enunciadas no "Programa de Governo da República", acabou por questionar as "passagens administrativas", isto é, de alunos que não atingindo um nível satisfatório acabam por transitar de ano. O espaço de informação teve dois momentos sobre o mesmo assunto: primeiro, através da presença dos jornalistas comentadores, Luísa Meireles e Manuel Carvalho; depois, com João Teixeira Lopes (BE) e José Matos Correia (PSD). Curiosamente, todos convergentes na necessidade de travar os "chumbos" e de garantir uma assistência e acompanhamento precoce aos alunos que experimentam dificuldades.

Eu diria que os Deputados Rui Rio e Cecília Meireles ou não leram o programa de governo, ou seguem uma lógica de bota-abaixo político ou, ainda, não estão, minimamente, informados sobre uma escola para o tempo que estamos a viver. Bastaria que lessem o relatório do Conselho Nacional de Educação (2015), assumido pelo Doutor David Justino (PSD), curiosamente "assessor" do Deputado Rui Rio, onde é enaltecida "a manifesta ineficiência desta medida (retenção) para a melhoria do desempenho escolar" (...) e onde é defendida "uma mudança da cultura de retenção, para um investimento em programas contextualizados de combate ao insucesso e de melhoria das condições de ensino e aprendizagem".

Ora, a "cultura do chumbo" está enraizada e essa, do meu ponto de vista, corresponde à cultura do facilitismo na organização escolar. Não sabe, chumba, ponto final. Investir na criança e no jovem, desde o pré-escolar, dá muito trabalho, se dá! A "cultura do chumbo" é, por ausência de investimento correcto, deprimente no quadro, até, das desigualdades sociais. E há políticos que insistem na tecla errada, porque, repito, não estudam ou porque, demagogicamente, preferem seguir as convicções mais populares, muito distantes de um conhecimento cientificamente sustentado.

Entretanto, ontem, segui o "Eixo do Mal" (SIC) onde o mesmo tema esteve em debate. O jornalista Daniel Oliveira foi muito assertivo: "somos o País da OCDE com mais chumbos. 35% dos alunos até aos 15 anos chumbam, pelo menos, uma vez, quando a média da OCDE é de 13%". Para sustentar a sua posição, trouxe à colação a Professora Lucília Salgado que escreveu que os chumbos em Portugal "são massivos, selectivos, precoces e cumulativos". Ora, a ideia de uma hipotética "passagem administrativa" não tem sentido, porque esta não se decreta, quando em causa está, e bem, um investimento na criança e no jovem para que adquiram os conhecimentos considerados fundamentais. Obviamente que este caminho implica, necessariamente, a prazo, um criterioso e compaginado trabalho a montante da escola, nas famílias, uma reorganização do funcionamento da sociedade (horários de trabalho, entre muitos outros), número de alunos por estabelecimento de aprendizagem, substancial mudança ao nível dos currículos, dos programas, da organização da escola e da sua autonomia, uma profunda revisão dos conceitos de aula e de turma e, ainda, no quadro do paradigma pedagógico. Tenhamos presente que, hoje, não se forma, formata-se!
A este propósito li uma oportuníssima reflexão do Padre José Luís Rodrigues, que aqui deixo, porque, a partir dela podemos chegar, facilmente, a um novo conceito de estabelecimento de aprendizagem (não de ensino):

"Ninguém com bom senso nega que todos nós precisamos de espaços que nos iluminem, que nos instruam para as novidades e para todas as mudanças que vão ocorrendo na vida e no mundo. Porém, todas as vezes que oiço vozes insistir tanto em formação, concluo logo que se está a falar mais de formatação do que formação.

Toda a educação, formação e ou a singela transmissão de informação só se revela útil se preparar pessoas para a vida concreta. O que importa mesmo é que tenhamos bons cidadãos, comprometidos na luta pela justiça, cientes de que a transformação do mundo só se fará com uma séria militância pelos valores universais da igualdade, liberdade e fraternidade. E precisam as pessoas que lhe ofereçamos razões para terem esperança. Quase nada se fala nisto.

Toda a educação, catequese, preparação, formação... Entre outras coisas importantes preparara as pessoas para vida, se não tem como horizonte a diversificada e a multidisciplinariedade da existência nunca passará da inútil formatação. Tudo será mais rico quando se ensina para a autonomia, para a diversidade e para a abertura quotidiana à riqueza da novidade que a vida hoje nos oferece a toda a hora. Zero é o que interessa termos pessoas certinhas no cumprimento de ritualismos, mas pobres ou vazias quanto ao pensamento e abúlicas quanto ao dever de se expressarem perante o pulsar quotidiano da vida concreta.
Melhor para todos nós homens e mulheres livremente pensantes, mesmo que sejam poucos, do que multidões de gente que não pensa, mas faz os rituais todos certinhos." JLR

Nota
Texto publicado no blogue
www.gnose.eu

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Por uma escola aberta ao mundo



Vezes sem conta dou comigo a pensar se, tal como outros, não estarei a pregar no deserto. Por isso, consola-me escutar tantos que estudam, investigam e transmitem posicionamentos para um novo mundo que está aí ao virar da esquina. Lamento, por isso, não sei se por teimosia se por ignorância, o pensamento de políticos que preferem as rotinas do passado a traçar as linhas portadoras de futuro.

terça-feira, 12 de novembro de 2019

A Educação é a arma mais poderosa para mudar o mundo


Não é desvalorizando o professor, mantendo-o em rédea curta, descaradamente através da burocratização, gerando o medo e a incerteza, que se formam pessoas para a vida. Este vídeo foi-me remetido pela professora Tânia Fernandes. Vale a pena segui-lo.

sábado, 9 de novembro de 2019

POR UMA EDUCAÇÃO VIVIDA E CONTEXTUALIZADA



A verdadeira sala de aula é aquela que contextualiza a aprendizagem com a vida, vivência e convivência. Tudo é possível aprender. Olhar, ver, sentir, descobrir e cruzar transversalmente o conhecimento deverá constituir a prioridade da Educação. Decorar apenas para debitar com a ideia fixada na avaliação, NÃO. A Educação tem de ser vista pelo lado da cultura.
Ilustração: Ontem, registei estes quatro momentos. Na foto, em baixo à esquerda, um jovem divulga a informação que recolheu, com a professora sentada na primeira fila.

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

E a Autonomia?




FACTO

"República deve assumir custos da Saúde e da Educação" - Título de uma peça jornalística do DN-Madeira sintetizando o programa do governo regional PSD/CDS.

COMENTÁRIO

Apenas algumas perguntas: estes dois sistemas não estão regionalizados? Quem paga, por norma, MANDA, daí o que restará da "Autonomia"? E se assim é (ou for) para quê dois secretários? Fará sentido continuar a alimentar, politicamente, guerras sem sentido, quando existem outras formas de atenuar os encargos dos dois sistemas? Passará pela cabeça de alguém que "eles pagam e nós mandamos"?
Para reflectir!

segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Ocultar o grito dos/as professores/as


Por Laíz Vieira
Cartas do Leitor
DNotícias
04 Nov. 2019 


Mais de 70% dos professores e professoras sofre de exaustão emocional, uma das três características de ‘Burnout’, revelou Raquel Varela num estudo recente feito em Portugal.


Muitos de nós na nossa comunidade, ainda não sabem ou não querem saber, em que condições humilhantes a maioria dos/as professores/as tenta trabalhar nas escolas. Tentam trabalhar, com alunos/as de famílias problemáticas, sem motivação para aprender/evoluir, sem respeito pelos colegas ou pelos mais velhos, sem atitudes cívicas de convivialidade ou gentileza, onde o que impera são as satisfações imediatas ou de alienação, como usar o telemóvel...
Principalmente os que tem por volta de trinta ou mais anos de serviço, estão no limite das suas descrenças e capacidades. Faltas ao trabalho ou baixas médicas são sintomas que ninguém quer assumir como um pedido de socorro.

Não nos ouvimos uns aos outros. Alguns Órgãos de Gestão não ouvem nem protegem os seus docentes e funcionários. O importante é fazer obedecer e subjugar. Não há verdadeira equidade, participação e consequência democrática nas posições que só alguns tomam.

Não há efetivamente consequências, penalizações para quem desrespeita, agride ou insulta. Nem nas escolas nem na esfera da vida doméstica ou pública. Os/as alunos/as tem mais poder que os adultos!
Aos docentes tudo se lhes pede, desde as centenas de grelhas burocráticas (de pouco conteúdo ou consequência didática) a encontrar estratégias e receitas milagrosas para jovens desacompanhados pelos progenitores, sem estímulos culturais, emocionalmente imaturos, mimados e demasiado protegidos das dificuldades diárias da Vida.
Flexibilidade curricular, inclusão, desenvolvimento de competências para o perfil do aluno à saida da escolaridade?!.. Novas nomenclaturas e modismos para problemas e demagogias ou falácias antigas! Saiu-se de uma ditadura para entrar em outra, floreada de palavras cor-de-rosa.
A escolaridade é obrigatória por decreto, mas o saber, a evolução e o conhecimento não é uma exigência enraizada para os seus, nas famílias portuguesas! Só interessa os caminhos e soluções ‘aparentemente’ mais fáceis, o lucro e a ostentação. O valor da determinação, da coragem, do carácter, da auto-responsabilização e exigência não existe.

Também é verdade, que os/as alunos/as passam muito tempo na escola, com muita carga lectiva e tem pouco tempo para o lazer, para passear e socializar. Fecham-se dentro das casas e pouco se relacionam com a Natureza, com as circunstâncias sociais ou leis e dificuldades naturais da existência.

É preciso dar um BASTA a estas circunstâncias que de educativas e evolutivas têm muito pouco! É urgente e vital que os/as professores/as ou educadores/as possam ir para o seu lugar de trabalho com alegria e leveza fazer realmente o que lhes compete que é ajudar os jovens a evoluir, a se emanciparem e não irem com o sentimento depressivo de pesar e impotência. É grave, permitir que alguns jovens estejam na escola só de ‘corpo presente’, a passar por vários anos lectivos sem desenvolver competências, atitudes e conhecimentos que a Vida (a grande Mestra) de certeza lhes vai exigir.
Os jovens que agora estão na escola, são filhos daqueles que num passado recente, também estiveram na escola, mas não fizeram a maturação e evolução pretendida! Afinal quando se faz a mudança, quando deixam de se repetir ciclos antigos?!
O Estado Português gasta anualmente mais de 6.000 euros por cada aluno/a que frequenta o ensino público. Há mais de 8000 jovens em acolhimento residencial em Portugal, ou seja jovens retirados de famílias negligentes e tantos outros milhares assinalados pelas impotentes Comissões de Protecção de Crianças e Jovens.
E para finalizar para quando, a aprovação de uma Lei Regional, para o limite de mandatos, (no máximo dois) para os que estão (há demasiado tempo) nos Órgãos de Gestão das Escolas?!
Ilustração: Google Imagens.

sábado, 2 de novembro de 2019

É pena a Região Autónoma da Madeira estar paralisada!


"Há escolas que já conseguiram acabar com os chumbos". Alteraram as orientações pedagógicas, reorganizaram os currículos, turmas e calendários escolares. - Fonte: Semanário Expresso, edição 2453, 01.11.2019. Afinal, a "autonomia" anda pelo espaço continental, enquanto na Região Autónoma da Madeira preferem centralizar e perseguir com os resultados negativos que são públicos e notórios. O que fizeram à escola do Curral das Freiras e ao seu director é o exemplo mais evidente.


O objectivo centrou-se no "chumbo zero", o ministério abriu o caminho, as escolas reorganizaram-se e conseguiram. Através do "Projecto-Piloto de Inovação Pedagógica", no Agrupamento de Escolas do Freixo, em Ponto de Lima, há dois anos que nenhum aluno chumba no Ensino Básico. "Em Cristelo, Paredes, num agrupamento inserido num meio com sérias carências - 85% são apoiados pela acção social escolar - passou-se de taxas de insucesso de dois dígitos para zero no primeiro e segundo ciclos (...)". 

A liberdade curricular dada pelo ministério, "foi aproveitada para fazer uma revolução nos horários e na forma de trabalhar com os alunos" (...) "os alunos nem sempre estão na mesma turma, há semanas que não têm disciplinas, e há horas que articulam matérias, competências e atitudes (...).

"Criaram-se quatro áreas transversais que são trabalhadas por todos os anos de ensino ao longo de oito semanas, pela ordem que os alunos quiserem (...)". Na última semana de cada área "o horário escolar desaparece e o tempo é dedicado à apresentação de trabalhos, visitas e debates".
Dizem os responsáveis que "os alunos partem muito mais motivados e aprendem de forma significativa" (...) o paradigma "exige que sejam criativos, que pensem melhor, que falem mais e que resolvam problemas".
Uma curiosidade: "o director de turma deu lugar ao director do aluno". Segundo um estudo realizado junto dos mais de 4000 alunos do agrupamento, 70% dos alunos consideraram que as mudanças ajudaram a "aprender mais" e "mais facilmente".

Estou convicto que estes são, apenas, os primeiros passos de um processo. Tempos virão que, sobretudo no ensino básico, a partir de uma concepção genérica, os currículos, os programas e os paradigmas pedagógicos serão, totalmente, da responsabilidade de cada escola no quadro da sua autonomia. Simplesmente porque não existem duas escolas iguais, dois públicos iguais, dois grupos de professores exactamente iguais, pais e encarregados de educação iguais e enquadramentos sociais iguais. 

É na diversidade que podemos encontrar o sucesso e é respeitando um princípio de uma escola para cada um e não de uma escola para todos, que não devem existir estabelecimentos de ensino, mas estabelecimentos de aprendizagem, que tempos virão que a velha concepção de escola será derrubada.
Lamento que a Região da Madeira que grita pela Autonomia, continue aferrolhada em uma centralizadora e burocrática torre de marfim. Abram os olhos!
Ilustração: Google Imagens.

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Professores dizem que alunos passam "tempo excessivo" na escola, mas pais acham "adequado"


30.10.2019 

Os professores consideram que os alunos passam tempo “excessivo” na escola, enquanto os encarregados de educação o acham “adequado”, segundo um estudo nacional em que pais e docentes revelam ter opiniões divergentes sobre a Escola.


“A Escola que os pais e os professores falam não é a mesma. Têm visões muito diferentes”, revelou à agência Lusa o psicólogo Eduardo Sá, mentor do projeto Escola Amiga da Criança, que solicitou um estudo à Universidade Católica do Porto sobre a “Missão da Escola”. O tempo que os alunos passam nos estabelecimentos de ensino é, precisamente, um dos temas que mais separa pais e professores: 71% dos docentes considera “excessivo” contra 62% dos encarregados de educação que diz ser “adequado”.
Os números baseiam-se nas respostas de cerca de 6.400 docentes e encarregados de educação de todo o país e diferentes níveis de ensino que, entre julho e setembro deste ano, responderam ao inquérito da Católica criado com o objetivo de analisar e conhecer a perceção sobre a Missão da Escola.
Curiosamente, a importância dos trabalhos para casa (TPC) une os dois grupos de inquiridos, que os consideram uma forma de apoio ao estudo e um bom complemento à aprendizagem.

O psicólogo Eduardo Sá lembrou que atualmente a grande maioria das crianças e jovens começam as aulas por volta das oito da manhã e só terminam as tarefas escolares às 20:00. É que quando chegam a casa ainda têm de fazer os trabalhos.

Quase 90% dos alunos têm TPC - 96% dos professores diz que manda trabalhos de casa “muitas vezes ou sempre” - e a maioria dos estudantes do secundário (cerca de 60%) ainda tem explicações depois das aulas, revela o estudo.
“Qual é a mais-valia dos TPC, principalmente quando têm de ser feitos entre o final do dia e a hora do jantar, levando as famílias a um ataque de nervos?”, questionou o psicólogo.

COMENTÁRIO

Atenção pais e encarregados de educação: "Mais escola não significa melhor escola". Não faz qualquer sentido um adulto reivindicar 35 horas de trabalho por semana e submeter as crianças, por vezes, a mais de 50 horas entre actividade formal e informal. Quanto aos tpc, sobretudo no ensino básico, se a escola não resolve o problema da aprendizagem nas horas que dispõe, é porque alguma coisa está errado no processo de aprendizagem. 

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Outubro, mês de combate do bullying


Por Sónia Rodrigues
Educare
24-10-2019

20 de Outubro foi o Dia Mundial de Combate ao Bullying. Este fenómeno social, que pode ocorrer em qualquer parte do mundo, é mais frequente entre crianças e jovens no contexto escolar. O educare.pt foi conhecer os Projetos No Bully e Stop Bullying que atuam nas comunidades escolares.

Considera-se bullying todos os comportamentos agressivos, contínuos e intencionais com o claro objetivo de provocar mal-estar e controlo sobre outros e que normalmente envolve um desequilíbrio de forças e poder entre o agressor e vítima.
Para além do bullying físico, podemos considerar bullying verbal quando as palavras e os gestos são usados para ridicularizar e humilhar o outro; bullying relacional que implica exclusão, circulação de rumores ou até mesmo usar a vítima como bode expiatório e o cyberbullying muito comum e recorrente através das redes sociais e sms.

Inês Freire de Andrade conhece bem duas realidades. A realidade da vítima e a realidade de quem tenta acabar com este fenómeno. Alvo de exclusão numa primeira fase, foi no 9º ano que as coisas tomaram outros contornos e o bullying exercido sobre ela passou a ser mais verbal e relacional. ‘Foi uma enorme frustração perceber que havia pouca informação sobre como lidar com estas situações e que também não havia adultos disponíveis para perceber como intervir’, relata Inês.

Tendo sempre a própria experiência como base, Inês Freire de Andrade fundou, em 2016, juntamente com o marido e a mãe, a No Bully Portugal, uma associação sem fins lucrativos, que trabalha com escolas e os seus agentes, dotando-os com as ferramentas necessárias para prevenir, resolver e parar o bullying entre alunos.
‘Tentamos perceber qual era a metodologia que tinha mais resultados e quisemos saber mais sobre o projeto internacional No Bully, uma organização internacional, criada em 2003 nos Estados Unidos, com uma filosofia muito própria no combate ao bullying e com uma taxa de sucesso na ordem dos 90 por cento’ explica uma das fundadoras da No Bully Portugal.
Com recurso a valores que passam pela empatia, respeito, proatividade e inclusão, o sistema No Bully está preparado para capacitar todos os agentes escolares a lidarem com as situações de forma positiva e eficaz. A abordagem não prevê castigo, repreensão ou chamadas de atenção porque o método defende que se deve criar empatia junto dos praticantes de bullying e dos observadores, apostando num reforço positivo. Qualquer que seja a abordagem, despoletada pela escola ou até mesmo pela associação, é defendida a parceria a longo prazo e não a abordagem pontual, uma vez que acabam por ter um efeito pouco duradouro. O programa No Bully está projetado para um ano de intervenção, um ano letivo, que poderá ter regime de continuidade se for essa a vontade da escola. Durante este período considerado mínimo para um programa de sucesso, são feitas formações a todos os intervenientes da comunidade escolar, para que o envolvimento seja uma mais-valia no processo de identificação e anulação do bullying.
Apesar de não haver dados concretos ou atualizados, Luísa Marques, coordenadora de Educação para os Direitos Humanos da Amnistia Internacional Portugal considera que ‘o bullying é um fenómeno que continua muito presente, sobretudo nas escolas’.
Entre Setembro de 2014 e 2016, esta organização arrancou com o projeto Stop Bullying, desenvolvendo-o em seis escolas de norte a sul do país. Mas a escolha não foi aleatória. Implementado em simultâneo na Polónia, Irlanda e Itália, realidade comum e identificada nos quatro países envolvidos, as seis escolas selecionadas já tinham feito parte de um outro projeto que dava pelo nome de Escolas Amigas dos Direitos Humanos, com valores semelhantes à abordagem pretendida. ‘Se tivermos em conta os dados de 2013 disponibilizados pela Associação de Apoio à Vítima, o bullying era uma prática comum: 88% dos entrevistados conheciam vítimas de bullying, tendo 5% sido vítimas. E 55% dos casos aconteciam nas escolas e eram levados a cabo pelos pares. Perante estes dados considerámos que um projeto desta natureza poderia fazer a diferença na abordagem às situações de bullying’ justifica Luísa Marques.

Com o objetivo de reduzir o número de ocorrências de bullying e discriminação através da integração dos direitos humanos na vida da escola, com recurso á capacitação da comunidade escolar, o projeto Stop Bullying serviu para sensibilizar e informar, facilitando a criação de um ambiente seguro nas escolas com destaque para as práticas anti-bullying e anti-discriminação levando os jovens a adotar medidas preventivas dentro e fora das escolas.

‘Em Portugal, apurámos, através de um inquérito levado a cabo nestas escolas, que as principais motivações para o bullying eram a aparência física e a deficiência. Também concluímos que existia uma tendência para a normalização do bullying. Aceita-se o bullying como uma coisa normal, algo porque todos passámos e enfrentámos e que nos tornou mais fortes’ adianta a coordenadora de Educação para os Direitos Humanos da Amnistia Internacional Portugal. A perceção errada desta realidade também acaba por condicionar a avaliação da situação, mas permite trabalhar no desenvolvimento de ações de sensibilização mais direcionadas e específicas. Cerca de 48% dos 2400 alunos inquiridos não deram importância às situações de bullying de que foram alvo e maioritariamente também não recorreram a ajuda de adultos para travar o problema. Foi ainda identificado por este grupo de alunos fragilidades nos auxiliares por considerarem que estes não estavam preparados para intervir nestas situações.
No final do projeto Stop Bullying, os 2400 alunos, 142 professores e 94 assistentes operacionais envolvidos demonstraram maior conhecimento sobre bullying e formas de o prevenir, combater e lidar.
Também 75% dos professores notaram uma mudança nos comportamentos dos alunos considerando que se tornaram mais conscientes, mais preocupados com os outros e com ambiente escolar, além de conhecerem recursos para combater o bullying.
‘A nível global, os jovens e professores entrevistados no processo de avaliação notaram uma mudança substancial na atmosfera escolar, que se tornou mais amigável e onde houve um declínio na violência e incidentes de bullying. Os incidentes de bullying passaram a ser relatados com mais frequência e tratados sem atrasos. Além disso, foi reportado que as relações entre professores e alunos melhoraram’ reitera Luísa Marques.

Mas o combate ao bullying não se esgota aqui. Apesar de não haver propriamente um padrão definido, é necessária atenção redobrada para alguns sinais de alerta. O receio ou eventual recusa para frequentar a escola, quebra no rendimento escolar, lesões físicas ou até mesmo afastamento em relação a colegas e pais pode sugerir uma situação de risco iminente.

Com realidades tão diferentes e diversificadas, é importante que cada escola encontre e defina os seus próprios mecanismos de prevenção e combate ao bullying. Mas estas medidas só fazem sentido quando o mecanismo envolve todos os intervenientes da comunidade escolar nas várias fases do processo. ‘Obter as perspetivas dos diferentes elementos da comunidade educativa - de alunos, professores, assistentes operacionais, técnicos, direção da escola e pais – e do problema é importante para se conseguirem trabalhar soluções que sejam mais eficazes. Desta forma, as soluções são apropriadas por todos, cabendo a cada um uma parte da responsabilidade no combate a um fenómeno que é complexo e exige uma intervenção articulada’ defende esta coordenadora.
O projeto Stop Bullying deu origem a um manual onde reúne informação acerca do fenómeno mas é também um recurso educativo que disponibiliza uma série de ações participativas e refletivas sobre o tema.

terça-feira, 22 de outubro de 2019

"O elogio da ignorância"


FACTO

"Nós somos mais felizes quando tomamos as opções de vida mais acertadas e para as tomarmos devemos estar bem informados e o melhor capacitados possível (...)" - Secretário Regional da Educação. Fonte: Dnotícias.

COMENTÁRIO

Esta declaração, em abstracto, assino-a por baixo sem pestanejar! Sem pestanejar não é bem assim, porque tantos, em um determinado contexto, fizeram opções de vida tidas por mais acertadas e acabaram infelizes. 
Embora tenha qualquer coisa de lapalissiano, aquela declaração pode aplicar-se a toda a nossa vida, vivência e convivência. Circunscrevo-me à frase no seu sentido literal, e aí, o problema está, de facto, na tomada de decisão relativamente às opções, se partirem da conjugação de bons estudos com o cruzamento de toda a informação disponível. Ora, quem assume aquela posição pública, parece-me óbvio, tem de ser consequente, inclusive, nas funções que desempenha. E é aqui que, infelizmente, existe um insanável desconcerto.
Ora bem, aquilo que, neste caso, caracteriza o sistema educativo, denuncia, à luz dos dados estatísticos e de outras naturezas, que o autor da declaração, politicamente, sublinho, não só não anda bem informado como capacitado para desempenhar, com efeitos multiplicadores, as funções que assumiu. Logo, não é feliz.
Isto de juntar palavras que soam bem, tem muito que se lhe diga. Mor das vezes torna-se necessário que nos revejamos nelas, no que apregoamos e no que fazemos, para que o retorno do espelho não nos desfigure. 
Isto para dizer o quê? Que o sistema educativo é muito complexo, a montante e a jusante, e não se compagina com presenças fúteis para propagandear o corriqueiro. Ainda hoje estive a ler um magnífico texto do Senhor Cardeal Tolentino Mendonça, onde, a páginas tantas, sugere que cada um de nós faça o "elogio da ignorância", como ponte para a "sabedoria". 
Ilustração: Google Imagens.

domingo, 20 de outubro de 2019

Para os Professores... perguntas e respostas



Vale a pena escutar o Cardeal Tolentino Mendonça (2017). Em um tempo que, sofregamente, se pedem respostas, o Cardeal Tolentino sugere a necessidade das perguntas. "Deixar-se habitar pela pergunta". Que terá tudo o que ele diz com a escola que ainda temos? Procuremos as respostas.

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Vale a pena reler...


Deveria ser caso de polícia, os miúdos que todos os dias são os últimos a sair do jardim de infância!


De que reclamam as crianças? Eduardo Sá reuniu as queixas em livro e fala da atribulada vida das famílias (2018).
Pais, filhos, o mito de que dizer “não” traumatiza, o tempo e a falta dele - e como muitas vezes isso não passa de uma desculpa. O psicólogo Eduardo Sá tem um novo livro com as reclamações das crianças, que acredita que têm um sentido de justiça mais apurado do que os mais velhos possam pensar. Pretexto para uma conversa sobre o que as inquieta e o que trama os pais. E sobre como conciliar vida familiar e trabalho - na semana em que o governo lançou propostas nesta área - exige um esforço mais sério do Estado mas também o compromisso de cada um.

Acaba de publicar o “Livro de Reclamações das Crianças”. Por que sentiu necessidade de lhes dar voz desta maneira?

Temos uma ideia um bocadinho rudimentar das crianças. Quando trabalhamos com elas todos os dias, percebemos que são de uma sensibilidade e de uma inteligência fora do vulgar. Se as aquecemos um bocadinho de forma a que se sintam seguras para desabafar - e elas nunca o fazem de outro modo - chegamos a ficar quase arrepiados com o nível de pormenor que elas têm em relação ao comportamento dos adultos.

Pode dar um exemplo?

Perceberem que alguns adultos não são tão crescidos assim. A maneira como elas, quando sufragam o exercício de justiça dos pais, são sérias.

Não pendem para o lado delas?

Não. Têm uma honestidade que nos deveria interpelar da cabeça aos pés, isto mesmo quando têm o cuidado de ser delicadas connosco. Uma coisa são os nossos filhos quando são demagógicos e nos querem meter no bolso. Outra coisa é quando temos uma conversa séria e são capazes de assumir o que se passa com elas e pôr o dedo na ferida em relação aos nossos comportamentos. E dizer, até, que só não o fazem mais vezes porque têm noção de que, com isso, melindram e magoam os pais.

Têm essas noções a partir de que idade?

Temos reclamações de crianças com cinco anos que acho que qualquer pai ou mãe não esperaria que elas tivessem. Por exemplo porque é que a minha mãe, quando ralha comigo, me fecha no quarto e fica do lado de fora. Aquela ideia de que nós, os pais, quando entramos numa birra, também fazemos birra, amuamos - e até nós precisávamos, às vezes, de ser repreendidos em relação à forma como nos zangamos. As crianças têm noção de que não somos tão humildes como devíamos ser. A ideia do livro foi no fundo pegarmos em algumas reclamações e responder.

Como num livro de reclamações a sério?

Sim. Responder às reclamações como às vezes não respondem às nossas, falando-lhes através dos pais. Em Portugal, em virtude de uma história social e política que não se pode esconder, por vezes confundimos rezingar e reclamar. Reclamar é uma coisa séria, não é uma coisa agressiva. A expectativa é que a pessoa com quem reclamamos possa ser capaz de nos escutar. Dizer não a alguém é dizer aquilo que sentimos, com a convicção de que a outra pessoa é capaz de nos conhecer e de gostar de nós ao ponto de aceitar os nossos nãos. É dizer sim à relação onde estamos a dizer que não. Um não são tantos sins que, às vezes, é quase escandaloso o modo como algumas pessoas aprendem a dizer não. Insultamo-nos quando dizemos ‘nim’, que é aquilo que os adultos passam a vida a fazer uns aos outros.

Mas, no caso das crianças, aceitar todos os nãos delas não pode fazer com que os pais percam um pouco o controlo?

Não é suposto acontecer isso. As crianças têm a ideia de que a mãe e o pai são a lei - reconhecem esse exercício de autoridade a quem tem sabedoria, bondade e sentido de justiça em relação a elas. Por vezes penso que os pais só podem ter crescido em escolas e famílias onde prevalecia o autoritarismo porque confundem muito a autoridade com o autoritarismo. Têm a mania que dizer que não a uma criança a traumatiza. É mentira. Dizer que não a uma criança ajuda-a a crescer, é um fator de crescimento. Os pais pensam o contrário, que os pais fixes são aqueles que dizem sim a quase tudo e que dialogam, explicam e justificam... Depois ficam ali num emaranhado que eles próprios criam e, a certa altura, em vez de haver regras e bom senso, parece haver uma espécie de democracia do proletariado lá em casa em que os mais pequenos mandam nos pais como se isso os protegesse. E não protege.

Portanto terem direito a livro de reclamações não as coloque nesse lugar.

Não, é simplesmente fazer na família aquilo, à escala de um Estado, é razoável: os cidadãos perceberem que respeitamos tanto mais as instituições quando temos, com toda a lealdade, a capacidade de as pôr em dúvida quando erram e não correspondem àquilo que esperamos. Reclamar é um exercício de esperança. 

Para algumas pessoas será mais um exercício de raiva.

Sim, mas não podemos pensar que, lá porque há pessoas que parece que se vingam no livro de reclamações, reclamar é sempre uma forma de agredirmos terceiros. Não é e não é isso que se passa entre as pessoas que se amam. Acho, por exemplo, que os casais saudáveis deviam ter uma discussão pelo menos uma vez por semana.

Um tabu ainda.

Casais que não discutem são casais doentes. Duas pessoas são dois mundos tão diferentes que reclamar é dizer ao outro “calma, que há aqui um caderno de encargos que temos entre nós enquanto casal e não desistimos de o cumprir”. Quando ouvimos amigos nossos dizer “porque é que eu já não digo nada? Porque não vale a pena…” - estas pessoas, por mais que formalmente estejam casadas, já estão mais que divorciadas. As crianças, por outro lado, não se cansam de reclamar. 

Indo ao exemplo que deu de fechar no quarto: O pai fecha no quarto, a mãe acha que ainda dava para conversar mais um bocado, mas depois percebe que fechar no quarto simplesmente é mais eficaz.

Eu tenho medo das mães. Têm um coração imenso, ameaçam, falam. As mães são as campeãs da ameaça, esganiçam-se. É um património da humanidade esse esganiçar das mães. E depois quando se zangam são uma delícia. Zangam-se num tom algodão doce que não é bem uma zanga. Quando nos zangamos pressupõe-se que, naquele momento, os nossos filhos têm de ter um bocadinho de medo de nós. Não é que eles deixem de saber o quão bondosos somos, mas é porque aquele medo lhes define um perímetro em relação ao que podem fazer.

O segredo está em ser convincente?

Sim. Claro que à escala do coração de mãe ou de pai, justificar, negociar e explicar é bondade. À escala da compreensão de uma criança é insegurança. As coisas têm de ser mais preto e branco.

Diz na capa do seu livro que em cada zanga mora um abraço.

Se formos capazes de a aproveitar.

Mas quer dizer que é uma forma de afeto?

Tenho o maior apreço pelo Sr. Presidente da República mas fico com algumas dúvidas quando, a pretexto da sua intervenção, se vai colando aquela ideia de ser o “presidente dos afetos”. Tenho medo que, quando se fala de afetos, só se fale de emoções boas e afetos simpáticos. Somos animais tão sofisticados que distinguimos bem e mal e distinguimos afetos bons e maus. E os afetos maus também nos ligam uns aos outros se tiverem um sentido para nós. Evidentemente que não conheço nenhum pai ou mãe que diga “agora vou divertir-me um bocadinho magoando o meu filho”. Mas quando dizem um não tendo a noção de que, com isso, podem magoar um bocadinho a criança, fazem-no com a convicção de que conseguem um bem maior, que é definir ali um conjunto de coordenadas que vão ser boas para eles e os vão proteger vida fora. Mesmo que haja determinados nãos que magoem os nossos filhos, isso não é dramático. Magoá-los um bocadinho não significa maltratá-los. E é nesse sentido que a zanga é também uma forma de afeto, é uma forma de amor. 

Mas ouvimos por vezes esse desabafo: chego a casa e passo a vida a repreendê-los. É preciso retirar essa culpabilidade aos pais?

Sim, mas essa culpabilidade é também um fator de crescimento nos pais. Aquele momento seguinte a zangarmo-nos, quando nos pomos em causa e nos perguntamos se fiz bem ou mal, é o que nos leva a aprender a ser pais. Porque é que os avós fazem menos asneiras? Porque vão um volume de asneiras tão à frente dos pais que aprenderam em consequência disso. Temos uma ideia de que todos nascemos preparados para ser pais mas o facto é que aprendemos à medida que o fazemos. Costumo dizer que os primeiros filhos são crianças um bocadinho em perigo.

Diz que só a partir do segundo é que se começa a ser pai.

Sim, porque no primeiro filho mistura-se tudo: os pais que tivemos, os pais que desejávamos ter tido, os pais que nos imaginamos a ser capazes de ser, os filhos que nos imaginamos a ser capazes de construir. Um primeiro filho é de tal forma um entreposto de histórias que não tem muito espaço para ele ser ele próprio. Num segundo filho já estamos tão livres disto que sintonizamos mais facilmente com ele, enquanto o primeiro filho tem coisas que às vezes não são tão ele mas pequenos espelhos de nós.

O que é que lidera as reclamações das crianças?

Em síntese, a maneira como os pais não são tão justos ou tão atentos como deviam. Em segundo lugar vêm os protestos em relação à escola.

E queixam-se da falta de tempo dos pais ou são os pais que tendem a ver isso como o grande problema?

Somos todos ótimos a enganarmo-nos com a verdade. Quando olhamos para a história, nunca houve tantos pais com tanto tempo para os filhos, o que é exatamente o contrário do que passamos a vida a dizer. Temos micro-ondas, máquina de lavar e Segurança Social, que mal ou bem vai funcionando.

Mas ao mesmo tempo há mais informação, mais exigências ao papel de pai. Ideias como fazer a “rotação dos brinquedos”…

Os pais são magníficos quando são pais de bebés. Então as mães passam as barreiras de tudo o que se possa imaginar: os bebés nunca choram da mesma maneira e as mães não precisam de mais nada naquele momento para saber o que é. Nós agora no Babylab [Laboratório de Psicologia do Bebé da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra] vamos fazer um estudo sobre 15 tipos de choro e a mãe em tempo real adivinha. Isto é o sexto sentido, uma capacidade notável que todos temos.

Mais as mulheres do que os homens?

Costumamos dizer que as mulheres vêm equipadas com sexto sentido e que é uma espécie de equipamento de opção dos homens, não é um equipamento de série. Não é verdade: a intuição é o topo de gama do sistema nervoso e somos notáveis nisso. O que acontece é que depois os pais passam a vida a empanturrar-se com informação e começam a desqualificar a intuição deles, que é muito mais sábia do que grande parte da informação que circula por aí.

Tantas páginas e blogues dedicados à parentalidade roubaram-vos algum protagonismo, não?

Pelo contrário, deram mais importância a quem fala de forma técnica e fundamentada. Por mais que respeite essas opiniões, as vezes são pouco sensatas, pouco experimentadas, demasiado empíricas.

Das ideias que costuma ler, quais é que lhe fazem mais confusão?

Desde logo essa ideia de que o não traumatiza uma criança, que é um atentado ao bom senso. Um traumatismo de um ponto de vista psíquico é uma nódoa difícil, muitas vezes são aquelas experiências de quase morte que ficam coladas a nós e se manifestam nas circunstâncias mais improváveis. É muito mais traumático não dizer que não aos filhos do que dizer que não. Há muitos slogans deste género que se repetem e que acabam por estragar os pais. 

Como vê ideias que têm surgido até no debate em torno do consentimento como pedir autorização ao filho para mudar a fralda?

Devia ser proibido. Quando os pais precisam de autorização para fazer de pais significa que a função fundamental que desempenham na vida dos filhos está contaminada. É tudo o que os filhos não esperam dos pais.

O governo lançou esta semana um conjunto de medidas para conciliar melhor a vida pessoal, familiar e profissional. É o caminho certo?

Há muitas coisas sérias que o governo já devia ter feito, desde logo assumir que uma consulta de obstetrícia não é uma questão exclusiva da mãe e que devia ser motivo para que o pai pudesse ter direito a acompanhar a mãe e o bebé sempre que há uma consulta sem ter de meter um dia. Se o governo quer ter medidas sérias em relação aos pais, então meta os jardins de infância tendencialmente gratuitos. Como é que se dá importância aos pais e aos filhos e os jardins de infância custam mais do que qualquer universidade privada? Ou porque é que as deduções no IRS são como são? Quem faz as deduções do IRS pensa que todos devíamos educar os nossos filhos na loja dos 300. A certa altura acho mesmo que quem planeia as políticas da família anda a gozar connosco.

Havendo mais apoios, continuará a ser uma utopia conciliar melhor a vida pessoal e profissional?

Não é uma utopia. Se remontarmos ao pós-guerra e virmos a grande mudança que houve nos países nórdicos, percebemos que as utopias são perfeitamente realizáveis. Agora, tem de ser uma opção de fundo e uma opção seriíssima, de todos. Quando temos um filho pequenino que vai pela primeira vez para o jardim de infância eles fazem viroses quase semana sim e semana não. A fatura hoje cai invariavelmente sobre as mães, que têm de faltar e são oneradas por isso. Querem medidas sérias? Continuamos com a ideia de que uma política da família é qualquer coisa que cheira a direita, quando era altura de assumirmos que é um imperativo de regime, cada vez mais urgente. Custa dinheiro? Claro. Mas custa menos do que os estádios de futebol na altura do Euro. O que custa mais hoje, a médio prazo terá um retorno tão significativo que devia ser encarado de uma forma mais séria.

Não há também uma mudança a fazer sociedade?

Sim, passa por todos. Nos países escandinavos, quando é suposto sair às quatro, e sai às quatro e um quarto, no dia a seguir tem o seu chefe a perguntar o que aconteceu. Das duas uma, ou não está a desempenhar a sua tarefa como deve ou os compromissos que lhe deram são pouco razoáveis para o tempo que tem. Em Portugal parte-se do pressuposto de que o que está bem é nós não termos horários de entrada e nós ainda agradecemos. E depois, quando saímos a horas porque é suposto irmos buscar os nossos filhos, ficamos mal vistos. Vestirmos a camisola é uma forma dourada de sermos explorados. E mais, entre chegarmos e começarmos a trabalhar, perdermos meia hora porque vamos entretanto vamos tomar café. Isto é muito uma questão de gestão e de escolhas sérias.

Porque não as fazemos?

Costumo dizer que devia ser proibido os jardins de infância estarem abertos depois das cinco. A determinada altura há muitos pais…

Que usam isso como desculpa?

Claro que sim. E todos temos de fazer escolhas. Quando não há alternativa vamos buscá-los. Há muitos miúdos a ficar nas escolas. Devia ser caso de polícia, as comissões de proteção de menores deviam ter cada vez mais isto em atenção: há muitos pais que se esquecem dos filhos. Não é o pai ou a mãe enganarem-se em quem tinha de ir buscar os filhos, isso acontece a todos. São crianças que um dia atrás do outro são sempre as últimas a sair do jardim de infância e, muitas vezes, ainda se tem de telefonar para os pais para as irem buscar. Há jardins de infância que funcionam 24 horas por dia em Lisboa. Isto é um jardim de infância ou é um centro de acolhimento travestido de jardim de infância? A determinada altura, temos de ter uma ideia do que queremos para as crianças.

Cabe aos pais esse exercício?

Também. Passamos a vida a encher a boca a falar das crianças e quando chega a hora da verdade, que é o que fazemos com a infância dos nossos filhos, fazemos uma espécie de banco de horas de tempo de infância que eles não usam e nunca vão usar. Era altura de os pais perceberem que têm de fazer escolhas, escolhas que ainda os penalizam muito - e aí entra o Estado. Há estudos que dizem que, tomando em consideração uma família da classe média, tendo em conta os gastos e as horas que não trabalhamos para sermos pais, em que andamos de um lado para o outro para os transportarmos, pode custar até 75 euros por dia. 

Parece-lhe que os decisores políticos estão afastados da vida real?

Têm de estar. Mesmo agora, é impensável que quando se diz que a educação é gratuita os manuais escolares custem o que custam e não é solução esta ideia de os livros serem reutilizáveis, porque isto é continuarem a tratar-nos como se não vivessem neste mundo. Vamos começar a apagar todos os livros? Como se as crianças não tivessem direito a ter livros novos, para sublinhar da forma como entendem, dobrar o cantinho da página. Está tudo mal. Ou, como aconteceu recentemente, perceber-se que as crianças desfavorecidas que têm direito a uma bolsa de mérito este ano só vão receber metade. É neste país que quer dar importância à família que isto acontece. 

No trabalho que fez para o seu livro, alguma das crianças se queixou de ser forçada a dar beijinhos? Foi uma das discussões polémicas dos últimos meses envolvendo crianças.

Não. Essa polémica partiu de uma construção no mínimo bizarra e que não é do interesse das crianças.

Mas não é atendível o argumento de que esta obrigação pode ser uma pequena pedagogia que cresce e que pode explicar por que temos números tão elevados de violência?

Isso é demagogia. Partir do pressuposto de que, por ser nossa convicção que os nossos filhos devem sinalizar com um beijo as pessoas que respeitamos, isso levará a violência, é do mais esquizofrénico que existe. E a dimensão que teve a polémica mostra como hoje as pessoas estão tão cheias de redes sociais que já nem pensam, reagem.

Mas encontra explicações na educação que se dá em Portugal para os níveis elevados de violência doméstica, de violência no namoro?

As crianças não brincam. Passo a vida a ouvir mães que se organizam em piquete para irem para os recreios das crianças para elas terem brincadeiras saudáveis. Quando as crianças estão fechadas 90 minutos e têm recreios de cinco, a primeira coisa que fazem é querer correr. Precisam de espaço, de andar à bulha e não permitimos nada disso, que usem o corpo, que sejam vivas. Quando aprendemos a dimensão da agressividade não somos violentos. Passamos a vida a querer educar as crianças como se fossem de porcelana. Vivem debaixo de um stress permanente porque são mais inteligentes se tiverem 5 a tudo, mesmo que estejam a repetir sem pensar. Entramos num exercício demagógico a dizer que respeitamos as crianças e, com isso, definimos cada vezes menos regras com o tal medo de dizer “não”, o que também as ajudaria a aprender a reagir à dor. Montamos este embrulho todo, elas não aprendem a viver umas com as outras e quando são adultos violentos pensamos que o problema começa nos beijinhos.

Por outro lado, deve ver casos de violência preocupantes na juventude, casos de bullying.

Às vezes fico mais assustado com o lado dos pais. Há miúdos que estiveram debaixo de uma atmosfera de bullying não é uma semana, são meses a fios, anos a fio. Por mais que eu perceba a perplexidade dos pais, não consigo perceber porque é que não fazem o que têm de fazer. 

Não se queixam?

Queixam, mas há um lado batoteiro das escolas. Quando os pais chegam e dizem: “Olhe, há uma situação de bullying de que o meu filho está a ser vítima e não podemos permitir isto”, a maneira como as escolas invariavelmente chutam para canto e arranjam processos é inacreditável.

Escolas públicas e privadas?

Todas. Então se as crianças que protagonizam o bullying têm lá um apelido com pedigree qualquer, é garantido que as medidas são nenhumas. Ao criarmos tudo isto e não sermos a lei para os nossos filhos, estamos a fazer tudo para que as pessoas sejam violentas.

Tendo em conta os casos que chegam ao consultório, o que lhe parece ser mais problemático na relação entre pais e filhos nos dias de hoje?

Os problemas de autoridade dos pais em relação aos filhos, a forma quase assustada com que agem. Fico sem jeito quando uma mãe me pergunta: “Como é que eu me zango com o meu filho? O que é que eu posso fazer”? 

Perguntam-lhe se vale uma palmada?

Claro que vale. Acho aliás um discurso de uma hipocrisia sem fim quando confundimos uma palmada com mau trato físico. Eles sabem que, ao desafiar-nos, estão a magoar-nos. A certa altura têm de perceber quando é que há ali uma parede que não dá para passar. Quando damos uma palmada simbólica no rabo não é para os magoar. A legenda é: “Eu recorro a tudo o que estiver ao meu alcance na convicção de que se eu te der uma dor pequenina, tu vais perceber que não podes dar uma dor ainda maior ao pai ou à mãe.”

Uma palmada no rabo funcionará quando eles são pequeninos. Mas e uma estalada?

Obviamente isso já não entra no domínio do bom senso. Uma palmada é simbólica. As estaladas não são simbólicas. E mesmo a palmada aceitamos de pessoas a quem reconhecemos justiça, os nossos pais, avós e chega.

Foi pai de novo depois dos 50.

Tenho dois filhos pequenos, a minha filha mais nova tem onze meses.

É uma sensação diferente?

É sempre diferente. Para mim ser pai é a coisa mais impactante que existe.

Mesmo ao sexto filho?

É cada vez mais impactante. Somos mais experientes e temos uma noção tão mais clara de tudo o que é mágico e frágil.

Mas tem pachorra para as fraldas?

Sim, porque à boleia disso vem tudo o resto. A maneira como eles nos olham, a maneira como aprendem a gatinhar e andar, quando eles dizem “não gosto do pai” para percebermos as entrelinhas.

Diz-se que os miúdos estão mais espertos. Tendo filhos adultos e agora dois pequenos, sente essa diferença?

Não. Ora aí está mais um slogan desses falsos. As crianças são todas invulgarmente inteligentes a não ser que os pais as estraguem. A diferença hoje é que estragamos menos os filhos.

Porquê?

Damos-lhe uma atenção mais educada. Às vezes estimulamo-las de mais na ânsia de que cresçam. E os pais, apesar de tudo e de ser difícil, têm condições que antigamente não tinham. Hoje somos os melhores pais que a humanidade já conheceu. E por isso, havendo problemas, as crianças hoje são menos deprimidas e agitadas do que eram.

Nunca estiveram tão medicadas.

Sim, mas isso porque em Portugal se convencionou que as crianças devem estar o tempo que estão nas escolas e ninguém se preocupou em medir as consequências. Sempre tudo com cada vez mais exigência: se um filho tem um 3 é débil, não têm de brincar duas horas por dia mas sim de ir para todas as atividades. Criamos as condições para estarem agitados e quando eles realmente ficam agitados, pensamos que deve ser uma epidemia atípica. Era importante que a Direção Geral da Saúde viesse explicar porque é que este milhão e pouco de crianças que existem entre os quatro anos e a adolescência consome vários milhões de doses de anfetaminas. 

Chegam-lhe casos de miúdos apáticos à conta da medicação?

Sim. Vejo miúdos medicados desde bebés. Não digo com metanfetaminas, mas é preciso ter noção de que estamos a medicalizar as crianças de uma forma preocupante. Quando as crianças têm dificuldades no sono cada vez mais dão-se gotinhas para dormir, depois são gotinhas para o apetite. É engraçado porque é um mundo cada vez mais amigo do biológico quando se trata da alimentação mas, em relação aos nossos filhos é um mundo cada vez mais amigo do sintético.

A escrita foi sempre um interesse paralelo à clínica. Pensa algum dia deixar o consultório para se dedicar só a isso?

Gostava de ter feito isso quando tinha 16 anos mas a minha irmã mais velha desencorajou-me e agradeço-lhe por isso. Escrever é uma forma de ir arrumando a informação e o que aprendo todos os dias. Tenho o privilégio de trabalhar com o lado mais bonito das pessoas.

Pensaria que seria o lado mais sombrio.

Pelo contrário, as pessoas despem-se por dentro e partilham o que escondem dos outros. Contam as histórias que não contam a mais ninguém. É um privilégio, independentemente das idades.

É mais fácil trabalhar com jovens?

É diferente, mas fico absolutamente comovido quando chega alguém na casa dos 90 anos a pedir ajuda para se reconciliar com a vida ou alguém com 70 anos descobrir o amor da sua vida e lutar por ele. Ainda há muito a ideia de que as pessoas quando ficam mais velhas deixam de ser pessoas. Noutro dia uma avó contava que a neta pequenina virou-se para ela e disse: ”Não, a avó não é mais velha, é mais antiga”. Esta delicadeza dos miúdos lembra-nos que as pessoas podem ser muito bonitas por dentro. Às vezes desperdiçam-se muito, namoram pouco, falam pouco, sempre com esta ideia de que o telefone resolve tudo. Precisamos mais de dizer olhos nos olhos gosto de ti, não está a correr bem, admiro-te. Há muitas pessoas cujos pais morrem e que nunca ouviram deles uma coisa destas: “Tenho uma admiração por ti por isto ou aquilo”. E vice-versa. Era muito importante percebermos que não podemos fazer como os adolescentes, que dizem com algum embaraço: “Não vale a pena dizer isso aos meus pais porque eles sabem”. É porque eles sabem que precisamos de dizer mais vezes.