quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

FALAM DE SALAS DO FUTURO QUANDO O FUTURO COMEÇOU HÁ MUITO!


A secretaria da Educação continua a brincar com assuntos que são muito sérios. Hoje, "inauguraram", melhor dizendo, fizeram um número político, com aquilo que designam como "sala de aula do futuro" - Fonte DN. A foto mostra umas cadeiras desalinhadas, agora com rodinhas, um quadro interactivo e, lá ao fundo, à esquerda, pressuponho, a cadeira de "comando" do professor. Bom, eu não vou aqui, desenvolver o que deve ser um espaço (não estou a falar de sala) propício à aprendizagem. Vou, apenas, colocar uma questão tão comezinha, mas muito séria: para que servirá? 


Em 29 de Junho de 2009 escrevi, relembro, um artigo onde trouxe à colação Tony Bates (ex-vice-presidente executivo da Microsoft): "O bom ensino supera uma escolha tecnológica pobre, mas a tecnologia nunca salvará o mau ensino". Adiantei: "(...) não basta criar novos estabelecimentos de ensino, tampouco multiplicar as salas de informática ou substituir o quadro preto e o giz por quadros interactivos e multicolores". De nada valerá utilizar a tecnologia como substituição dos antigos acetatos copiados do manual. O que quero dizer com isto é que, ainda por cima, um espaço de aprendizagem não resolve rigorosamente nada, vale zero face ao número de salas existentes. Mesmo sem espaços coloridos e "mesa, cadeira com rodinhas", o problema é saber-se, prioritariamente, se alguém conhece ou se existe e, neste caso, qual o documento que sustenta um novo paradigma de aprendizagem. Por outras palavras, qual o PENSAMENTO PEDAGÓGICO desta equipa que governa a Educação? É que, segundo o que foi divulgado, a sala em questão assenta no pressuposto que um novo paradigma só é possível quando elas existirem, visando a consecução das várias "etapas do processo de estudo de um determinado conteúdo: pesquisa, aprofundamento do conhecimento sobre os dados recolhidos, apresentação e partilha de dados e conclusões, bem como de criação e desenvolvimento". Ora, isto, grosso modo, não é verdade.

É possível generalizar e dar asas a um novo paradigma de aprendizagem, em toda a Região, mesmo sem alta tecnologia nos espaços de aprendizagem. Se é desejável que ela exista, obviamente que sim, mas pode-se ganhar tempo, muito tempo, se outra for a mentalidade neste processo, sobre o que transmitir e como chegar ao verdadeiro conhecimento. Esperar pela generalização dos espaços de "aprendizagem do futuro" constitui um grosseiro erro político e pedagógico. 

E pergunto, a título de exemplo: os novos estabelecimentos de aprendizagem do Porto Santo e da Ribeira Brava, quer do ponto de vista arquitectónico, quer sob o prisma do que pretendem que lá aconteça (espaços de aprendizagem), tiveram em consideração uma aprendizagem que NÃO seja para o futuro, mas para o presente? É claro que não. Vão continuar a aguardar pelas tais "salas do futuro"? Provavelmente que sim.
Aliás, no decorrer da inauguração, o presidente do governo disse que esta sala visa "ministrar aos nossos alunos o ensino de vanguarda, aberto ao futuro, às novas tecnologias, que vêm garantir que estamos em condições para enfrentar os grandes desafios do mundo". O objectivo, disse, é replicar a "Sala do Futuro" a, pelo menos, "mais três ou quatro", escolas. E sendo assim, digo eu, esperem sentadas as restantes escolas e os filhos dos actuais alunos. Um logro do tamanho da Região! 
Ora, isto significa que ao falarem de "ambientes inovadores de aprendizagem" (o que pretendem não tem nada de inovador), tal implicaria a necessidade de uma profunda (re)construção do sistema educativo, a concomitante descentralização, permitindo que as escolas se organizem por iniciativa própria, gerando as suas dinâmicas e que, desde logo, percebam a necessidade de acabar com a "tralha", alguns chamam "entulho", que os "benditos" programas apresentam; implicaria travar tantos "projectos" que enfeitam, mas não adiantam nem atrasam; implicaria reduzir a infernal burocracia ao MÍNIMO (tanto despacho, tanta circular, tanta portaria e tantos são os inquéritos e documentos a preencher); deixar que os alunos e professores passem a utilizar os equipamentos tecnológicos pessoais que trazem nas suas pastas; implicaria dizer, definitivamente, não aos manuais e acabar com a actual obsessão pela avaliação que se tornou em um caso doentio; implicaria centrar no aluno a aprendizagem, o que significa que o professor terá de optar por falar menos; implicaria reconfigurar a rede escolar, acabando com escolas com exagerado número de alunos (uma tem 2.500); colocar um ponto final nessa triste e medíocre meritocracia. Descentraliiiiiizem! Antes de tentarem "formar professores" através da sala agora "inaugurada", por favor leiam, visitem e aprendam com as muitas escolas que já funcionam um pouco por todo o país, onde existe tecnologia qb, que não usam manuais, algumas nem testes fazem, onde não há trabalhos para casa, nem sirenes para entrar e sair. E, não obstante isso, os alunos aprendem com gosto, com rigor e SABEM do que falam.
Afinal, para que serve a Autonomia Política e Administrativa? Se, ontem, as rédeas estavam algures em Lisboa, não faz sentido que, agora, estejam na Avenida Arriaga. Apenas mudou o centro de algumas decisões, embora seja evidente a existência de um cordão umbilical ligado à central de comando! Cortem o cordão e vivam uma nova etapa. É possível e não é a Constituição da República que a impede.
Ah, percebo a preocupação, devem partir do princípio que os professores não são capazes, sozinhos, de o fazer. Saibam que há bons e maus docentes como há bons e maus governantes. E que é mais fácil tornar um mau docente em um bom professor, do que transformar um mau governante em um bom governante. Da minha experiência resulta que a maioria sabe o que quer mas não pode, porque não lhes deixam fazer. Têm de pedir autorização ao "paizinho" por tudo e por nada. Roubaram-lhes os meios ao longo dos tempos e, claro, as escolas habituaram-se à (tóxico)dependência (dependência que é tóxica, porque é mais do mesmo), a uma linha hierárquica que, utilizando uma expressão popular, "lambe para cima e escouceia para baixo", portanto, acabam por dizer amén a tudo. O que são as reuniões do Conselho Pedagógico, as reuniões de Departamento e as reuniões de Grupo de Disciplina, senão uma exaustiva repetição de decisões que chegam do "vértice estratégico"?
Em síntese, por aquele caminho não chegam a parte alguma. Estão no cruzamento, incapazes de tomar um caminho possível. E o curioso disto é que a maioria dos alunos conhece o sentido e sabe mais de tecnologia que todo o governo junto.
Ilustração: Google Imagens + DN

NOTA
Este texto centra-se, para já, no Ensino Básico. Mas tenham em atenção que o Secundário vai mudar, terá de mudar. Basta ler a opinião publicada, no Público, pelo Professor Catedrático Domingos Fernandes.

Publicado no blogue
www.gnose.eu

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

QUEM É O CAMPEÃO?


ARTIGO DE MANUEL SÉRGIO
ESPAÇO UNIVERSIDADE 
25-02-2019 

Por muita gente que se rebelava, a cada instante, pelas misérias, designadamente políticas, do efémero quotidiano, os séculos XIX e XX projetam-se-nos em vivíssimos quadros de uma luta contra a religião – uma luta ferozmente anticlerical. Recordo os “mestres da suspeita”, no século XIX (e até o nosso Guerra Junqueiro) e, no século XX, estudam-na, como se estudam os quadros de pintores célebres, no sossego de um museu. Porém, este adormecimento da História movimenta-se e anima-se, de súbito, quando passou a ser “proibido proibir”, quando qualquer assomo de normatividade passou a entender-se como sinónimo de séria repressão. Enfim, o indivíduo vê-se coagido a transformar-se na sua própria norma. E, com algumas horas de jogging e uma “futebolada” semanal, o indivíduo “fica com uma saúde de ferro”, assim o garantem a rádio, a televisão, os jornais e até um ou outro entendido que sabe de tudo, menos de si mesmo. 

E, com uma incontestável pujança, dado que a lei suprema que nos governa é a mudança, a secularização apoderou-se da nossa vida pessoal, social e política. A secularização, quero eu dizer: a imanência sem transcendência, a razão sem a fé, o homem sem Deus. E, sem transcendência, sem fé, sem Deus, a “Náusea” de Sartre é o sentido de uma vida sem sentido. Alfredo Teixeira, professor da Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa e um ensaísta de originais e eruditos trabalhos de investigação, no âmbito da teologia (e também um temperamento artístico de inconfundíveis feições) escreve, no seu livro Não sabemos já donde a luz mana (Edições Paulinas, 2004): “A religião na Europa moderna tem sido vista sob o signo da secularização, o que, como é sabido, se traduziu, com matizes regionais diversificados, numa diminuição da capacidade dessas igrejas influenciarem a sociedade e num aprofundamento da separação entre Igrejas e Estado (laicidade). O fenómeno tornou-se tão vasto, que afetou a própria fisionomia das igrejas; mais, elas próprias descobriram que o cristianismo trazia em si a semente dessa secularização” (p. 17).
Não sei se Heidegger, com o seu Sein und Zeit (traduzindo: Ser e Tempo) não quis também dizer que a noção de Ser mudava, de acordo com o tempo, com as idades. E assim a religião-superstrutura ser “capaz de sobreviver ao ocaso da religião infra-estrutura. A idade da religião como estrutura encontrou o seu termo, mas seria ingénuo pensar que o mesmo se poderia afirmar da religião como cultura” (Alfredo Teixeira, op. cit., p. 157). De facto, a religião como cultura é uma forma de consciência social, que se afirma sobre uma determinada base sócio-económica (este é um ponto nodal do legado de Marx). Neste momento, ocorre-me a frase de Gianni Vattimo, em tradução castelhana (Ediciones Península, Barcelona, 2002), do seu livro Le aventure della differenza: “La metafísica es historia de la diferencia, tanto porque es regida y hecha posible por la diferencia, como porque sólo en el horizonte de la metafísica de la diferencia permanece vigente y se da. Desde este punto de vista, olvido de la diferencia no es tanto perder de vista el hecho de la diferencia, sino olvidar la diferencia como hecho” (p. 120). Em Marx, tudo tem o seu radical fundante na economia e reside na economia a garantia da continuidade de tudo o que é humano. Enfim, porque o processo histórico é infinita e contínua diferença, o facto de a religião ser mais cultura do que estrutura e a própria virtude ser mais razão do que fé. E, assim, a religião não morre, mas deixa de ter suporte divino: já foi o proletariado; hoje, em época profundamente individualista, o culto hiperbólico do espetáculo desportivo, expresso pelos grandes fazedores de golos da atualidade, os Messis e os Ronaldos. Walter Hugo Mãe, nas “Correntes d’Escritas” do ano em curso, emocionou-se ao afirmar: “A alegria de ouvir as grandes vozes é privilégio que nos moverá sempre”. O adepto do futebol não sabe quem é o Luandino Vieira, o Pepetela, o Rubem Fonseca, a Lídia Jorge, o Miguel Real, o José Eduardo Franco e outros escritores de igual qualidade, mas sabe quem é o Bruno Fernandes, o João Félix, o Rui Patrício, o PIzzi, o Rafa e outros futebolistas que fazem obras-primas com uma bola de futebol. E que no tempo do “crepúsculo do dever” (Gilles LIpovetsky) são célebres pelas suas “performances” predominantemente físicas e, pelas quais, ninguém lhes recusa legítimo aplauso e gratidão. No entanto, o ser humano não é o “homem-máquina”…
A propósito do Bruno Fernandes, do João Félix, do Rui Patrício, do Pizzi, do Raffa (que acima citei e outros nomes poderia lembrar), todos eles são a “prova provada” de que o essencial, numa equipa de futebol, não é a tática, mas o homem-jogador: é o seu talento, ou o seu génio (e não tanto a tática) que resolvem os jogos de futebol. Há meia-dúzia de dias, recebi, em minha casa, um telefonema do António Simões, que eu sempre apreciei, como exímio jogador de futebol (ombreando, em habilidade, em arte, com o Albano e o Vasques dos “cinco violinos”, o João Alves e o Chalana do Benfica, o António Oliveira do F.C.Porto e do Sporting e o José Maria Pedroto do F.C.Porto) – que eu sempre apreciei como extraordinário jogador de futebol e que hoje aprecio também, pela coragem, pela dignidade, pela lucidez, como encara a vida e portanto o próprio desporto. Disse-me ele, procurando ser imparcial e sereno: “Quero imitar uma pessoa que não esqueço, porque muito admiro, o Sr. José Maria Pedroto, quando ele, pelo telefone lhe disse, segundo penso, há mais de 40 anos: Professor, preciso de falar consigo”. E acentuou: “Também eu preciso de falar consigo. Acabei de ler três livros da sua autoria e tenho perguntas a fazer-lhe. Há uma que já não faço, é que passei a entender agora porque afirma, há tantos anos, que o paradigma que fundamenta a prática desportiva é uma ciência humana”. E continuou, com a sua habitual visão harmoniosa e cimeira: “Só quem nunca jogou futebol pode discordar da sua tese”. Neste passo, atalhei: “Mas eu também nunca joguei futebol”. E ele: “Eu sei. Mas também é verdade que procurou aprender com treinadores que foram jogadores de excelente nível, a começar no Pedroto, no Fernando Vaz e no Artur Jorge”. O António Simões, o “irmão branco” do Eusébio, sempre subtil e profundo, no exame e observação do mundo, um homem a quem a mesquinhez de espírito indigna e sufoca…

Quem é um campeão?... Um sobredotado e um supertreinado, com a força emocional e a psicológica suficientes às altas performances e à dramatização do espetáculo e ao, como diriam os franceses, “dépassement de soi”, ou a transcendência, como poderia dizer-se em português. O campeão, que atinge e conquista o esplendor supremo do espetáculo desportivo, é ainda um homem preparado para obedecer e sofrer. Isabelle Queval adianta, no seu livro S’accomplir ou se dépasser – essai sur le sport contemporain (Gallimard, Paris, 2004) que “o desporto de alto nível é um laboratório de melhoramento do humano, o espetáculo permanente dum evolucionismo simplificado, em que as “performances” não existem senão para ser ultrapassadas, em que as curvas estatísticas sobem sem descanso, em que a proeza de hoje supõe a proeza do dia seguinte – sempre em movimento, sempre em busca de novos recordes. 

A fascinação pelo progresso incessante anima o desporto de alto nível” (p. 205). Nietzsche sublinha que o corpo, o grande esquecido da filosofia e da cultura ocidentais, tem agora lugar de destaque, na vida de todos os dias dos europeus. Mas um corpo que, na expressão inesquecível de Teilhard de Chardin, “destila espírito”. O ADN já não pode considerar-se produto do acaso, pois que, nele, há a informação suficiente, que permite a ulterior evolução. E, se o corpo “destila espírito”, como diria depois M. Merleau-Ponty, “eu sou meu corpo”. E nem sempre o treino desportivo respeita o corpo que eu sou! Aliás, o desporto hodierno, já o digo há muitos anos, “reproduz e multiplica as taras da sociedade capitalista”. O “citius, altius, fortius” do olimpismo supõe, atualmente, tecnociência e tecnologia e medicina e cirurgia e apurada dietética e uma disciplina férrea e… a redução do ser a mercadoria! Nunca o efémero foi tão valorizado, como hoje. E é o efémero que demasiadas vezes se realça na vida de um campeão. Quem o vê, no quadro de um projeto humanista renovado? Quem é o campeão?
Quem é o campeão? Vejamos o mundo donde ele nasce: um mundo de verdades e meias-verdades, de adoração a Deus e da “morte de Deus”, do mais adiantado tecnocientismo e do mais bárbaro arcaísmo, em que os valores económicos não são da mesma ordem dos estéticos, éticos, ou espirituais, mas são eles os que parecem satisfazer plenamente o mercado e a concorrência. E, porque a sociedade é um grande mercado onde tudo flutua de acordo com os princípios da Bolsa, ele é a figura primeira da civilização do deus-lucro. A grande batalha, a grande guerra do século XXI será a batalha, a guerra entre o comércio, de um lado, e a cultura e o desporto, do outro. E uma questão se levanta, cortante: qual o futuro da cultura e do desporto, se for o comércio a defini-los e a guiá-los? Demais, ao contrário do que Marx pensava, nem sempre a economia é a infraestrutura. A Europa do carvão e do aço não foi suficiente para construir a Europa. Sou em crer que, desde a Idade Média, há uma cultura europeia, que se fundamenta na filosofia grega, no direito romano, na mensagem judaico-cristã e no espírito crítico do iluminismo. A encíclica “Rerum Novarum” de Leão XIII e a “Quadragesimo Anno” de Pio XI (que chegou a convidar um sociólogo jesuíta norte-americano a preparar-lhe uma encíclica de condenação aberta das ditaduras nazi e comunista); e as “Mater et Magistra” e “Pacem in Terris”, de João XXIII, o Papa do “Aggiornamento della Chiesa”; e todo o pontificado do Papa Francisco, que é cristão, nas palavras e nas obras – assim o registam e o comprovam. Por isso, o campeão desportivo não deve entender e viver a transcendência como uma prática, sem reporte a uma filosofia, a uma política, a uma religião. O campeão, habituado a transcender os outros, deve fazer da transcendência um “modo de vida”, que não seja tão-só um desenvolvimento quantitativo de marcas e recordes mas, sobre o mais, um desenvolvimento qualitativo, visando um humanismo integral… dos outros e de si mesmo! A mundialização do desporto não pode realizar-se apenas nos estádios e nos ginásios e nos pavilhões gimnodesportivos. O desportista, mormente o campeão do desporto, tem de concorrer ao nascimento de uma nova humanidade. Relembro a conhecida frase do pintor Klee: “a arte não reproduz o visível, torna visível”. Parafraseando: o desporto não reproduz o visível, tem de tornar visível um homem novo!

Manuel Sérgio 
Professor Catedrático da Faculdade de Motricidade Humana e Provedor para a Ética no Desporto
Artigo publicado no jornal A Bola

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Para a reconfiguração dos exames e do sistema de acesso ao ensino superior


Os exames, para muitas pessoas, podem ser uma boa estratégia para melhorar a qualidade da educação porque permitem verificar se determinados conteúdos previstos no currículo são ensinados e aprendidos pelos alunos; “pedir contas” aos professores e às escolas acerca dos resultados obtidos; certificar as aprendizagens e competências evidenciadas; e selecionar os alunos para determinados fins. Nesta perspetiva, os exames influenciam e determinam o que se ensina e como se ensina e o que se aprende e como se aprende.

Para muitos autores, os exames possuem vantagens tais como moderar as avaliações internas; induzir práticas inovadoras de ensino e de avaliação; dar a conhecer aos professores, aos alunos e às famílias o que é importante ensinar e aprender; e motivar os professores para a eventual necessidade de reverem os seus processos de trabalho.
Dir-se-ia que os exames podem ser utilizados com intenções e propósitos louváveis. Porém, os seus efeitos nefastos e indesejáveis estão largamente comprovados. O principal é o chamado “empobrecimento” do currículo, decorrente do facto de o ensino se concentrar no que “sai nos exames” ignorando tudo o mais (e.g., competências relacionadas com conteúdos específicos, aprendizagens de natureza social e emocional). Todas as disciplinas que não são objeto de exame perdem a sua relevância na formação dos alunos.
Por outro lado, os exames induzem práticas tais como: apostar mais nos alunos que se pensa poderem ter melhores resultados do que naqueles que, supostamente, não terão essa possibilidade; treinar respostas para certas questões; ensinar técnicas para rejeitar certas opções nas perguntas de escolha múltipla; e pressionar os alunos com mais dificuldades para desistirem. Temos assim um conjunto de efeitos indesejáveis que questionam frontalmente a natureza e a profundidade das aprendizagens assim supostamente desenvolvidas. A investigação tem evidenciado que os exames, por natureza, não contribuem para aprender melhor, com mais profundidade e compreensão. As avaliações internas, da responsabilidade dos professores, são as que podem melhorar substancialmente as aprendizagens de todos os alunos. Nestas condições, surgem desafios relativamente à forma, conteúdos e propósitos dos exames e também às suas relações com as avaliações internas, porque os seus efeitos nefastos superam, comprovadamente, os seus efeitos positivos.
Questiono-me se a atual configuração dos exames em Portugal, que está em vigor há cerca de 24 anos, ainda fará real sentido. Basta pensarmos nas profundas transformações que se verificaram no ensino secundário (e.g., alargamento da escolaridade obrigatória até ao 12.º ano e perfil do aluno que a completa, expansão do ensino profissional, autonomia e flexibilidade curricular). Por outro lado, as instituições do ensino superior têm vivido desafios sem precedentes de natureza pedagógica decorrentes do processo de Bolonha. As preocupações com o ensino, a avaliação e as aprendizagens e com a qualidade da formação nada têm a ver com as que se preconizavam há 24 anos atrás.
Há algo que me parece evidente: os exames, nesta configuração, não avaliam o que são as competências consideradas mais relevantes e mais valorizadas para frequentar um curso superior. O atual sistema de acesso ao ensino superior é mau para o ensino secundário, impedindo-o de assumir plenamente a sua identidade, a sua natureza e os seus propósitos educativos e formativos. Mas também é mau para o ensino superior porque, para além de se desconhecer a validade preditiva dos exames, que muitos consideram baixa, a sua validade de conteúdo para os fins em vista é, presentemente, mais do que questionável. Além do mais, não tem em conta a imperiosa necessidade do ensino superior se abrir a novos públicos.
Julgo que chegou o tempo para pensar e criar um sistema de acesso ao ensino superior que permita melhorar substancialmente como se aprende e o que se aprende no sistema educativo português.

Domingos Fernandes
Professor Catedrático da Universidade de Lisboa; ex-secretário de Estado da Administração Educativa no XIV Governo Constitucional
Fonte: Público

sábado, 23 de fevereiro de 2019

MUITO INQUIETANTE: METADE DOS ADOLESCENTES PESQUISAM CONTEÚDOS PERIGOSOS


Acabo de chegar à página 18 do Expresso. Li um trabalho, deveras inquietante, baseado em um estudo da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Alguns números: em uma amostra de 2000 alunos, 46% adolescentes e pré-adolescentes admitiram terem visto imagens de violência contra pessoas e animais; 45% sobre processos de automutilação; 43% sobre mensagens de ódio e violência, baseadas na raça, religião e nacionalidade; um em cada três sobre droga e 29% acederam a páginas sobre formas de cometer o suicídio. 

Relativamente ao género constataram que os acessos são mais frequentes em raparigas do que em rapazes. Apesar de serem pré-adolescentes e adolescentes, curiosamente, o acesso a conteúdos sexuais diminuiu. Globalmente, concluíram, que os conteúdos inadequados estão a crescer exponencialmente. Todos estes dados estão em linha com o aumento dos casos que chegam aos pedopsiquiatras.
Muito inquietante. Está tudo online, desde como chegar à magreza extrema à violência gratuita. Pais e professores são determinantes na reconfiguração destas condutas. 
O problema é que temos escolas a tempo inteiro e pais a meio tempo; temos programas e conteúdos para decorar e esquecer e ausência de formação global do ser humano, o que implicaria substituir a "tralha e o entulho" dos programas para debitar em testes, por acções de contraponto à porcaria disponibilizada pela tecnologia.
Falta, enfim, pelo menos à nossa escala, reorganizar toda a sociedade, a montante da escola e na escola. Falta debate sério sobre estas questões, capaz de colocar um travão à crescente mentalidade de que tudo é livre e tudo é possível. 
Ilustração: Google Imagens.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

As escolas boas e as escolas más


Há escolas boas e escolas más? Lá haver, há! Como há bons e maus governos, ministérios, hospitais, tribunais, oficinas, e sei lá mais o quê… Porém a questão não é essa. O problema está no critério da medida. Ou seja, no rigor dos indicadores objetivos que me levam a classificar os comportamentos, as atitudes e os desempenhos. Sem um critério universalmente válido e, por isso mesmo aceite, o resultado da medida não passa de uma apreciação subjectiva e, como tal, sujeita à divergência.


Vem isto a propósito de mais uma publicação de um suposto ranking das escolas portuguesas que, apressada e incorretamente, uma boa parte da comunicação social tem vindo a designar por “lista das melhores e das piores escolas”.
Concretamente o que se mediu nestas escolas? Respondemos: mediram-se resultados de aproveitamento escolar (académico) e, nunca, resultados de aproveitamento educativo. E mediram-se todos os resultados escolares? Não! Mediram-se os resultados nas provas que os alunos do ensino secundário efectuaram nos exames nacionais.
O que quer isto dizer? Vejamos um exemplo. A escola A tem alunos de classe média alta. São jovens com todas as condições de estudo, com excelente apoio e ambiente familiar. Os professores sentem que esses alunos aprendem a bom ritmo, e que com muita facilidade correspondem aos objetivos que lhes são solicitados. É uma das escolas que, habitualmente, obtém um bom posto no ranking nacional.
A escola B está situada num bairro muito problemático. As famílias são disfuncionais, há desemprego, muita miséria e o recurso a negócios menos claros. Os alunos não têm qualquer acompanhamento familiar, são nulas as condições de trabalho em casa, alguns têm mesmo carência de alimentos e de vestuário. Mesmo assim, os professores empenharam-se na motivação desses alunos para a frequência da escola, através de múltiplas atividades educativas de caráter interdisciplinar e, muitas delas, desenvolvidas extracurricularmente. Essa escola obteve um resultado educativo notável. Reduziu, significativamente, o abandono escolar, o absentismo às aulas, o insucesso académico e realizaram-se mesmo programas de apoio comunitário. Quanto aos resultados escolares nos exames nacionais… Bem, houve grandes progressos, mas não os suficientes para impedirem que a escola B ficasse no fim da lista do ranking nacional.
A escola A é boa e a escola B é má?
A diferença é que a escola A desenvolveu um esforço no sentido das aprendizagens do currículo formal e, aí, obteve resultados académicos muito satisfatórios. Já quanto à escola B, esta centrou as suas energias no alcance de objetivos educativos por parte dos seus alunos, apostou na transmissão de valores e na educação para a cidadania e, aí, obteve resultados considerados excelentes. Em que ficamos?
Quando olhamos para o ranking das escolas e, sobretudo, quando comparamos os resultados académicos dos alunos das escolas públicas, com os resultados académicos dos alunos das escolas privadas, temos que ter em atenção quais foram os indicadores de medida. Um indicador de medida vale o que vale. O metro padrão não pode medir um litro de leite, assim como se pode morrer afogado num rio que, em média, tenha apenas quarenta centímetros de profundidade…
Perverte-se a avaliação das escolas no momento em que se privilegiam apenas indicadores de medida e de progressão inerentes aos atos de aprendizagem do currículo formal. O que tem estado em causa para se alcançar uma valoração das escolas, tem sido o recurso à divulgação de rankings cuja elaboração se baseia apenas nos resultados académicos dos alunos. Para estes rankings pouco importam os resultados educativos globais da instituição escolar.
Há e sempre houve boas e más escolas. Há e sempre houve bons e maus exemplos de práticas educativas. Mas temos que saber relativizar os resultados em função dos indicadores de medida.
Termos em todas as nossa instituições escolares excelentes profissionais da educação que gostariam de ver reconhecido o seu esforço. Os professores estão habituados a fazer muito e bem. Mas não podem fazer tudo. Melhor diríamos: face às condições de trabalho em muitas das escolas portuguesas, é injusto e desmotivador que se lhes peça que façam mais.

João Ruivo
Fonte: Aceso via Facebook do autor do texto
Blogue: ver Incluso

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

EDUCAÇÃO - Há posições que não batem certo!


FACTO

Obviamente que não quero fazer juízos precipitados sobre a competência e o rigor das instituições que avaliam, neste caso, as taxas de abandono precoce e formação da Região da Madeira. Tenho por todas elas o maior respeito pela seriedade no tratamento dos dados. Porém, nos últimos dias, assisti a posições que não batem certo. Existe qualquer coisa de estranho. Sobre aquele matéria, o DIÁRIO é muito claro: "A metodologia do Instituto Nacional de Estatística (INE) não permite validar dados para a Região". Dias depois, a Direcção Regional de Estatística assume que "a taxa de abandono precoce de educação e formação de 2018 (expressa em média móvel de 3 anos - outro aspecto a esclarecer) fixou-se em 17,8%, registando uma redução de 3,4 pontos percentuais (p.p) face ao ano precedente". Baseado nisto, surgiram declarações do secretário, que visaram os "políticos que, por ignorância ou demagogia, insistem em referir como um dos problemas do nosso sistema educativo (...) a taxa de abandono precoce de educação e formação".

COMENTÁRIO
E PERGUNTAS


Sendo o Instituto Nacional de Estatística uma instituição Nacional, parece-me que faz todo o sentido que o protocolo de aferição seja NACIONAL. Sempre foi assim. No mínimo, é esquisito que "a metodologia do INE não permita validar dados para a Região". O que pode significar ou indiciar que existem dados e interpretações dos dados conforme os fregueses! 
Depois, "não bate a bota com a perdigota", quando, no início de Junho de 2018, foi publicado no DIÁRIO e transcrito no meu blogue que: "65% da população da Madeira, com 15 ou mais anos, tem apenas até o 9º ano de escolaridade. O valor está acima da taxa nacional que, no ano passado, ficou pelos 61%. A Madeira continua a estar pior do que a média nacional, naquela que é a taxa de abandono precoce de educação e formação (jovens dos 18 aos 24 anos que estão fora do sistema de ensino e sem o secundário): 23% na Região e 14% no País". Fonte - DN-Madeira/Pordata/Jornalista Ana Luísa.
A infografia apresentada pela secretaria mostra, agora, que a taxa é de 17,8%. Isto é, de 23% passou, em um ápice, para 17,8%. Parabéns ao secretário pelo MILAGRE! Cá fora estão os "ignorantes, demagogos" e os que manipulam dados.
De qualquer forma, pergunto, não será este um assunto a ser totalmente esclarecido?

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Nunca o abandono escolar foi tão baixo


De 12,6% em 2017, Portugal conseguiu reduzir para 11,8% a taxa de abandono precoce da educação e formação, um valor nunca antes alcançado.
6 de Fevereiro de 2019
Público



Portugal reduziu, em 2018, a taxa de abandono precoce da educação e formação para um mínimo histórico. Os números foram divulgados esta quarta-feira pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), colocando o abandono escolar nos 11,8%, o valor mais baixo de sempre. Em 2017, Portugal apresentava uma taxa de 12,6%
A taxa de abandono precoce de educação e formação mede a proporção da população dos 18 aos 24 anos que completou um nível e escolaridade correspondente, no máximo, ao 3º ciclo do ensino básico e que não recebeu nenhum tipo de educação na semana de referência ou nas três semanas anteriores.
O Ministério da Educação congratula-se, em comunicado, com a descida, "uma vez que o abandono escolar constitui uma das grandes vulnerabilidades do sistema educativo português, com impactos profundos também ao nível do crescimento económico e da igualdade de oportunidades".
O Governo garante que a redução deste indicador foi definida como "um dos principais objectivos para a actual legislatura" e que "estes resultados devem-se, em primeira instância, a todos os que trabalham diariamente nas escolas, comprometidos com o desígnio de construção de uma escola inclusiva, que garante acesso à educação e ao sucesso educativo".

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

CONVIVIALIDADE... uma treta!


FACTO

"As associações representativas da comunidade luso-venezuelana denunciam a existência de casos de xenofobia na Madeira, inclusive nas escolas. Tanto a Venecom como a Venexus mostram preocupação com os episódios com que são confrontadas. A secretaria da Educação desconhece as queixas".  Fonte: Jornal da Madeira, edição de hoje.


COMENTÁRIO

Pessoalmente, não estranho que assim aconteça. Lamento, mas as causas são muitas. O grave da situação é a secretaria da Educação assumir que desconhece as queixas. Não interessa conhecer, melhor dizendo. Como não interessa tantas outras situações, apesar de tudo o que mexe nas escolas ser logo do conhecimento da secretaria. 
Esta questão tem tanta maior relevância quanto foi a tão apregoada "Carta da Convivialidade Escolar" que, leio no sítio da Internet visava "proporcionar um ambiente escolar seguro, inclusivo, respeitador e propício às aprendizagens" (...) e "analisar a incidência e a natureza dos vários comportamentos antissociais que ocorrem em contexto escolar (...)". Então, com tanta propaganda em redor dessa "magna" carta e tendo o secretário a tutela das comunidades, são necessárias as associações divulgarem episódios que contrariam os princípios que a escola apregoa? 
Pois é, o problema vem de casa, está por fazer o trabalho a montante da escola e, no estabelecimento de aprendizagem, ao contrário de tanta tralha que os programas tentam impingir, melhor seria educar para os princípios e valores determinantes na conduta social. Concluo, então,que a "carta da convivialidade" é mais uma treta!

NOTAS

1. Acabo de ler, no JM de anteontem: "Um aluno da Escola Básica e Secundária de Santa Cruz terá protagonizado episódios de violência e destruição e terá ameaçado, este ano letivo, matar colegas, professores e funcionários." A notícia adianta que se trata de um aluno "problemático". Será que a secretaria também não sabe! 
2. Na edição de hoje do DN-Madeira, uma mãe queixa-se de "agressões à filha na escola do Porto Moniz". Será que a secretaria, que tudo controla, também não sabe!