sábado, 14 de dezembro de 2024

Educação num estado deplorável


O problema do país e das regiões em particular é muito grave no que concerne à literacia, numeracia e resolução adaptativa de problemas. Segundo um estudo da OCDE, à pergunta "Têm os adultos as competências necessárias para prosperar num mundo em mudança?", concluiu que Portugal tem uma "necessidade urgente de os sistemas de educação e formação intensificarem os seus esforços". Portugal está muito distante da média europeia. No topo, a Finlândia, Japão, Suécia e Noruega. De acordo com os resultados apurados, Andreia Sanches (Público) de forma assertiva, colocou em título: "O triste retrato do nosso atraso".



Ora bem, para mim que acompanho, há muitos anos, esta situação e sobre a qual tenho publicado, não constitui qualquer novidade. Nunca se tratou de uma percepção, mas de uma factualidade em função do cruzamento de muitos dados. Quem persiste no passado, não pode esperar, no futuro, outros resultados que não os desse passado.  O drama é que ninguém com responsabilidade política quer enfrentar a situação. Por razões diversas, genericamente, nem os que se encontram no topo da hierarquia política, tampouco os dirigentes sindicais e até mesmo os professores. De resto, a sociedade não tem uma leitura sobre a gravidade da situação e daí ser reivindicativa. A Educação passa-lhe ao lado.

Tenhamos presente: cerca de metade dos docentes reporta ter-se sentido nervoso (50,4%), triste (48,4%), irritado ou de mau humor (49,2%), com frequência semanal ou superior; um quarto dos alunos continua a sentir sintomas de depressão e ansiedade. E há um estudo recente, de Raquel Varela, que nos diz que 70% dos professores se encontram em exaustão emocional (Burnout), um em cada cinco toma medicação a mais e 84% deseja aposentar-se fartos que estão desta escola. No que concerne aos alunos, apenas 14% das raparigas e 11% dos rapazes dizem gostar da escola. São números convergentes e aterradores que demonstram sinais evidentes que esta escola não interessa nem aos professores, muito menos aos alunos. A obrigação de lá estar suplanta o gosto pelo conhecimento e a felicidade de lá ir. E assim, "em cada dez portugueses com idades compreendidas entre os 16 e os 65 anos, quatro só são capazes de fazer leituras simples de textos curtos ou de realizar operações matemáticas básicas". Este, entre outros, constitui o espelho do desastre! E, perante isto, pergunto, os responsáveis continuam a assobiar para o lado?

Espantoso é que, perante este quadro, o governo proponha "mais formação inicial aos professores, com conteúdos sobre literacia emocional, diversidade e inclusão". Isto é, não tenta procurar a causa e nela actuar, mas tão-só aplicar um ilusório paliativo quando é de morte anunciada do sistema que estamos a falar. Margarida Gaspar de Matos, no Público, fez eco da posição dos professores: "Eles próprios dizem que têm muita informação e que têm muitas acções de formação, mas depois não conseguem transformar esse conhecimento. Ficam atolados pelas circunstâncias, sem conseguirem angariar forças para serem transformadores e fica tudo como estava. Depois ficam abatidos, desmotivados, frustrados. E isto já tem 30 anos". Trinta? pergunto eu. Há mais de cinquenta que vivencio, leio investigadores, analistas e autores que assumem a necessidade de uma mudança de paradigma. Porém, têm sido, sucessivamente, ignorados e até mesmo silenciados. Se ontem tivessem sido dados os primeiros passos no sentido de uma escola de aprendizagem significativa e consistente, hoje, certamente, teríamos uma escola feliz e, na dianteira, a "puxar" pela sociedade.

Andam pelas margens, entretidos se os alunos têm ou não professores em todas as disciplinas curriculares; entretidos com as exaustivas matérias constantes nos extensos programas curriculares; entretidos com as rotinas do débito de matéria e na "classificação", não com uma avaliação de interesse bilateral (primeiro para os alunos, depois para os professores); entretidos com o perfil dos alunos à saída da escolaridade, mas não com o perfil à entrada; entretidos com a segmentação das disciplinas, sobretudo no Básico, ignorando que "as redes neuronais funcionam por associação de ideias, não com temas estanques"; entretidos com os velhos conceitos de turma e de aula, quando esses constructos já não fazem sentido; entretidos com efémeros projectos disto e daquilo; entretidos com exames e provas de aferição, sempre na lógica da "classificação"; entretidos com a burocracia, em alguns casos, até, visando o controlo das direcções de escola que se eternizam; entretidos com uma meritocracia balofa e de propaganda, através de sucessivos espectáculos de atribuição de prémios de mérito e, pasme-se, perante isto, passam ao lado do que é mais importante: a escola, o aluno e o professor no Século XXI. Esquecem-se, propositadamente, de uma clara definição do que deve ser uma escola com futuro respeitadora da autonomia organizacional e pedagógica. 


Ora, é óbvio que esta escola repetitiva, hierárquica, que não se preocupa com o conhecimento consistente e portador de futuro, é a escola que cinquenta anos depois, dizem os estudos, conduziu à triste situação de, apenas, 4% dos adultos revelarem todas as capacidades de ler e interpretar textos longos e densos. Portugal está na cauda dos 31 países analisados.

Um quadro deplorável quanto este, de consequências negativas na economia e no bem-estar das famílias, a continuar assim, face às dinâmicas que o mundo nos confronta, facilmente se imagina o que acontecerá nos próximos dez, vinte anos face à contínua aceleração do conhecimento. 

Só encontro uma solução: urgentemente, abrir o sistema ao debate que envolva investigadores, autores, professores, pais, alunos, empresários, associativismo em geral, agentes culturais, enfim, todos os que directa ou indirectamente façam parte da comunidade educativa. Sem tutelas, claro! Um movimento que nasça de baixo e não da cúpula cristalizada para baixo. Não caminhar nesse sentido expressa ignorância, ausência de humildade e sobretudo o medo de perder o controlo e os seus perversos interesses que advêm de uma sociedade intencionalmente nivelada por baixo.

A escola, melhor dizendo, a sociedade tem de ser passada a pente fino, - "a escola é socialmente produzida, logo socialmente transformável", sublinhou a Doutora Ana Benamente - porque as suas traves-mestras continuam próximas das lógicas da Sociedade Industrial. E como disse Drucker, "se queremos algo novo, temos de deixar de fazer algo velho". Portanto, o foco deve ser a pessoa e a vida! Parafraseando o título da obra de Claudius Ceccon, há que trazer a "escola da vida para a vida da escola". De resto, só entendo o processo educativo, a partir de nós, com rigor, exigência, sentido crítico, disciplina conquistada pela compreensão, muito estudo, cultura de participação, sentido de pertença, sentido de escuta e de aprendizagem com os alunos e muita capacidade de abertura para nos colocarmos distantes de fanatismos pedagógicos ocos. A prática pedagógica tem de ser LIBERTADORA. Não depende de tutelas anquilosadas. Leva alguns anos, pois leva, mas esse é o caminho.

Ilustração: Google Imagens.