quarta-feira, 31 de julho de 2019

Um ensino à medida do mercado de trabalho do futuro: de que estamos à espera?


Miguel Amaro
OSERVADOR
30/7/2019


Há que repensar o financiamento da educação, não apenas do ensino formal, mas também dos programas necessários para requalificar mais de metade da população adulta para o futuro mercado de trabalho.


Políticas inovadoras são urgentes se queremos preparar os jovens de hoje para o mercado de trabalho de amanhã. Os contornos do novo mercado trabalho que a 4ª Revolução Industrial trará consigo — fruto da automatização e robotização — já não são apenas mera especulação. Estão rapidamente a tornar-se uma realidade vivida por milhões de trabalhadores e empresas em todo o mundo. Para conseguirmos potenciar estes resultados positivos e um próspero e eficiente mercado de trabalho para todos, necessitamos de uma liderança ousada e de um espírito empreendedor de empresas e governos, bem como uma mentalidade ágil de ensino ao longo da vida dos trabalhadores.

Uma análise deste ano do Fórum Económico Mundial conclui que o aumento da procura de 133 milhões de novas funções compensará a extinção de 75 milhões de profissões. No entanto, esses ganhos líquidos não são uma conclusão inevitável. Esta evolução envolve uma transição difícil para milhões de trabalhadores e uma necessidade de investimento proativo no desenvolvimento de trabalhadores ágeis e talentos qualificados globalmente.

Para evitar um cenário indesejado de perda — mudanças tecnológicas acompanhadas de escassez de talentos, desemprego em massa e desigualdade crescente — é fundamental que as empresas assumam um papel ativo no apoio ao mercado de trabalho existente por meio de “reciclagem” e qualificação, que os indivíduos adotem uma abordagem pró-ativa em relação ao ensino ao longo da vida e que os governos criem um ambiente propício, rápido e criativo para ajudar nesses esforços. A adoção de novas tecnologias impulsiona o crescimento de novas áreas de negócios, a criação de novos empregos e o aumento de empregos existentes, desde que se aproveite plenamente os talentos de uma mercado de trabalho motivado e ágil, dotado de capacidades futuras para aproveitar novas oportunidades por meio de reciclagem contínua. Portugal tem tido excelentes exemplos, como a parceria da Farfetch com entidades de formação, a última anunciada em Abril deste ano com a Modatex, a parceria da Talkdesk com a Universidade de Coimbra para a criação da Academia de Data Science e a aposta da Outsystems na formação e transformação digital como fez recentemente num programa nos Açores com a formadora ITUp. Por outro lado, as lacunas das capacidades dos trabalhadores e das empresas que não evoluírem poderão dificultar significativamente a adoção de novas tecnologias e, consequentemente, o crescimento dos negócios.

Para os governos, em primeiro lugar, há uma necessidade urgente de abordar o impacto das novas tecnologias nos mercados de trabalho. De acordo com o estudo do Fórum Económico Mundial de 2018, nada menos que 54% de todos os trabalhadores necessitarão de reavaliação e renovação de competências. Como consequência, precisaremos de políticas educacionais aprimoradas que visam elevar rapidamente os níveis de educação e qualificação de indivíduos de todas as idades, particularmente no que diz respeito à ciência, tecnologia, engenharia e matemática e também às capacidades não-cognitivas, permitindo que as pessoas aproveitem as suas capacidades exclusivamente humanas. Os pontos de intervenção relevantes incluem os currículos escolares, a formação e a promoção do papel dos professores e a reinvenção da formação profissional, alargando o seu apelo para além das ocupações tradicionais de baixa e média qualificação. 

Em segundo lugar, melhorias na educação e provisão de novas capacidades devem ser equilibradas com esforços no lado da procura. Os governos podem ajudar a estimular a criação de empregos por meio de investimentos públicos adicionais, bem como alavancar investimentos privados por meio de financiamento combinado ou garantias governamentais. Em terceiro lugar, será prioritário repensar o financiamento da educação, não apenas do ensino superior formal, mas também dos programas que precisaremos para requalificar mais de metade da população adulta para o futuro mercado de trabalho. Em Portugal, a dívida dos estudantes universitários já ultrapassa os 30 milhões de euros e existe pouco acesso a financiamento para programas não formais de ensino como bootcamps e certificações. Contudo, nos Estados Unidos da América, o caso é ainda mais alarmante. A dívida de estudantes universitários — encurralados pelo patamar histórico de mais de 1,3 mil milhões de euros em dívidas — é já de 7,5% do PIB americano. Os estudantes que fizeram empréstimos para frequentar uma universidade não conseguem pagar o que devem, reclamam dos juros altos e levam a discussão para o centro da corrida pela Casa Branca em 2020.
Para as empresas, em primeiro lugar, com a competição por talentos qualificados, há uma oportunidade para apoiar a melhoria da qualificação da sua força de trabalho atual em direção a novos (e tecnologicamente reorganizados) papéis de maior qualificação para garantir que sua força de trabalho atinja todo o seu potencial. Em segundo lugar, a necessidade de assegurar um conjunto suficiente de talentos devidamente qualificados cria uma oportunidade para as empresas se reposicionarem como organizações ágeis e inovadores e para receberem apoio para os seus esforços de requalificação e aperfeiçoamento de uma vasta gama de partes interessadas.
Para os trabalhadores, há uma necessidade inquestionável de assumir a responsabilidade pessoal pelo próprio ensino ao longo da vida e desenvolvimento profissional. Também é igualmente claro que muitos indivíduos precisarão de ser apoiados por períodos de transição de empregos e melhoria de qualificação por parte de governos e empregadores. Por consequência, o conceito de ensino ao longo da vida está a ser uma área rica de experimentação, com vários governos e indústrias a procurarem a fórmula certa para encorajar as pessoas a se submeterem voluntariamente à atualização periódica das suas capacidades. Uma das soluções que está a ganhar popularidade é a promoção de acordos de partilha de rendimento (“Income Share Agreements – ISAs”) para cursos universitários, bootcamps tecnológicos e outros programas de qualificação de forma a reduzir o risco e o impacto económico negativo a longo prazo da dívida de empréstimos universitários. O foco da nova startup www.studentfinance.com é exactamente este. Esta startup permitirá a qualquer estudante ou profissional em Portugal, e na Europa, de se (re)qualificar com a possibilidade de atrasar o pagamento do programa até começar a trabalhar pagando nessa altura uma percentagem residual dos seus rendimentos durante um período fixo. Ou seja, uma Seedrs(crowdfunding) para pessoas. Estes acordos de partilha de rendimento irão potenciar a qualificação dos trabalhadores que muitas vezes são dissuadidos pelo custo dos programas e pelo risco de não encontrarem trabalho após terminarem os cursos.

O Futuro constrói-se no presente. Portanto, se queremos construir uma economia sólida, e não apenas baseada num tecido volátil de turismo, há que fazer da revolução da educação das novas gerações e da requalificação do actual mercado de trabalho uma prioridade. Mesmo que isso não dê votos. Mesmo que isso não traga louros no período de uma legislatura. Só assim será possível assegurar que os empregos de amanhã sejam remunerados de maneira justa e forneçam um mecanismo realista para crescimento, desenvolvimento e realização dos jovens de hoje.

NOTA
Miguel Amaro tem 30 anos e é investidor e empreendedor tecnológico. É co-fundador da Uniplaces.com (o principal portal de alojamento universitário a nível mundial), Partner da Shilling Capital (um dos veículos mais activos de business angels em Portugal) e está a lançar a StudentFinance.com (uma empresa de financiamentos – fintech – na área da educação). Miguel é também um dos membros fundadores da EO Portugal (Entrepreneurs’ Organization) em Portugal e membro da Global Shaper Community no Fórum Económico Mundial. Foi também reconhecido pela Forbes como “30 under 30” em 2017. Anteriormente, concluiu a Licenciatura em Finanças, Contabilidade e Gestão na Universidade de Nottingham no Reino Unido seguido do Mestrado em Gestão e Empreendedorismo Global na Babson College nos EUA.

domingo, 28 de julho de 2019

Posições completamente antagónicas



FACTO

"(...) Ninguém consegue prever para onde vamos com a IA (...) É um campo que avança a grande velocidade (...) vai tornar os diagnósticos médicos mais acertados; seremos melhor astrónomos, melhores físicos (...)" - Terrence Sejnowski /Revista Visão / 25 a 31 de Julho.

"(...) A antecipação das colocações (dos professores) permitirá um início de ano tranquilo (...) As políticas implementadas por este governo (...) confirmam que este é o rumo certo para a educação e formação das crianças e jovens da Região" - secretário regional da Educação.

COMENTÁRIO

Duas posições completamente antagónicas, a primeira do Neurobiologista Computacional do Instituto Salk, em San Diego, Califórnia; a segunda, do secretário regional da Educação. Daí a pergunta: Para o mundo que está aí ao virar da esquina, o sistema educativo pelo qual se rege o político regional, poderá, alguma vez, possibilitar que "nos tornemos mais inteligentes (...) e qualquer pessoa ser cada vez melhor"? Simplesmente porque o todo pode e deve ser maior que a soma das partes.
O secretário ao invés de se constituir um visionário, de mostrar para onde pretende que o sistema caminhe, contenta-se com as ninharias administrativas (notícia seria se os professores não estivessem colocados) e com as lógicas funcionais do passado. Os que agora são jovens atravessarão todo o Século XXI e muitos dobrarão o século seguinte, mas o político regional parece fazer um esforço por manter-se segundo as traves-mestras de um sistema assente nos pressupostos do Século XIX. Esquisito? Não, não me parece!
Li a entrevista de Terrence Sejnowski, docemente assustadora, mas envolta na realidade. E embora os patamares sejam distintos, o futuro não se constrói com a "tranquilidade" do secretário, assente em uma política de mais do mesmo, pelo que inteligente seria acabar com a imensa tralha programática castradora, constante da actual estrutura curricular, interligando e potenciando todo o conhecimento portador de futuro. O resto é treta. É uma balofa "tranquilidade". O sistema não precisa de "tranquilidade", mas de um sobressalto!
Ilustração: Google Imagens.

segunda-feira, 22 de julho de 2019

"O delírio" de querer manter o "poder a qualquer preço"


Tem dia quase certo na semana para a secretaria regional da Educação tentar dizer que está viva. A imagem que acaba por transmitir é a de um acto de sobrevivência política. Os assuntos que estão na ordem do dia são, intencionalmente, secundarizados e brincam com números estatísticos, que têm muito que se lhe diga, sublinho, para tentar transmitir que o sistema está bem e recomenda-se! Não está e não se recomenda em uma região Autónoma. Mas os outros, os outros, os da oposição política e os que analisam o sistema, esses fazem "declarações sem nexo" "mentem" e caluniam". Os investigadores, os professores universitários, os professores em geral, os autores de livros e de artigos em revistas de pendor científico, coitados, têm posições "delirantes". Só um e apenas um sabe do que fala. Concluo, a que obriga a sobrevivência política!

Sistema Educativo
Não basta, todas as semanas, sem contraditório, político ou não, abastecer a comunicação social com trololós de circunstância. O sistema educativo é muito mais complexo do que um qualquer paleio balofo. O sistema contempla a arquitectura dos edifícios, os professores, os administrativos, os funcionários de acção educativa, o número de alunos por estabelecimento e por turma, os pais e encarregados de educação, os currículos amigáveis ou não, os extensos programas, repetitivos e desesperantes, o processo pedagógico, as razões da indisciplina, os projectos de escola e de vida, os tpc, a cultura, a autonomia administrativa e gestionária, a centralização vs descentralização, o financiamento, a bloqueante burocracia, a liberdade de organização diferenciada dos estabelecimentos, a acção social educativa vs pobreza, as fusões(!), o analfabetismo funcional, a inspecção transformada em "big brother" e quase vocacionada para a perseguição a docentes, as direcções tipo "duracel" que, castradas, encolhem os ombros à inovação, ou as que tentam são excluídas, as políticas de família a montante, o subtil condicionamento dos sindicatos, com veladas ameaças aos destacamentos, a importância das ligações a todos os outros sistemas que gravitam na sociedade, dando e recebendo, tudo isto e muito, muito mais conduz a uma outra conclusão: é que os tais considerados "indicadores positivos" não "animarão o próximo ano lectivo". E porque assim é recuo a Junho de 2018 e ao DN-Madeira, através da Jornalista Ana Luísa Correia, que publicou dados da Pordata:

"(...) 65% da população da Madeira, com 15 ou mais anos, tem apenas até o 9º ano de escolaridade. (...) A Madeira continua a estar pior do que a média nacional, naquela que é a taxa de abandono precoce de educação e formação (jovens dos 18 aos 24 anos que estão fora do sistema de ensino e sem o secundário): 23% na Região e 14% no País"

Alguém acreditará que em um lapso de um ano, a Região, com uma ou outra fragilidade assumida, valha-nos isso, passou do inferno para o céu? Infelizmente, não, e o sistema não sobrevive à manipulação de dados estatísticos. 
O desastre incomoda-me, porque é o futuro que é colocado em causa. E incomoda-me porque o sistema político vive de mensagens que me fazem lembrar um antigo "patrão" da Coca-Cola ao se dirigir aos seus colaboradores: "nunca se esqueçam que estão a vender fumo". De facto, também há políticos com uma enorme habilidade para vender fumo!
Há um livro clássico "Como mentir com a Estatística", escrito por Darrell Huff, onde o autor sublinha: "(...) A linguagem secreta da estatística, tão atraente no quadro de uma cultura baseada em factos, é usada para causar sensacionalismo, para amplificar, para confundir e para simplificar o mais possível. Os métodos e termos estatísticos são necessários para comunicar um grande volume de dados sobre tendências socioeconómicas, condições de mercados, pesquisas de opinião e recenseamentos. Todavia, sem autores que usem as palavras com honestidade e sentido e sem leitores que saibam o que elas querem dizer, o resultado só poderá ser um completo disparate semântico (...) Como se fossem uns pozinhos de perlimpimpim, as estatísticas fazem muitos factos importantes parecerem aquilo que, de facto, não são (...)". 
O problema reside aqui, na ânsia de querer apresentar resultados de uma Legislatura que, de estrutural, nada adiantou, e, por isso, jogam-se uns números para mascarar a inoperância e a claríssima ausência de um projecto político portador de futuro. Foram mais quatro anos a orientar-se pelas estrelas quando existem tantos instrumentos de navegação ao dispor. Perguntem aos professores  se esta escola lhes dá prazer; perguntem aos alunos se esta escola lhes concede o prazer do conhecimento. Perguntem, vão lá, questionem, tentem descobrir se existe o sentimento traduzido pelo Físico português Alexandre Quintanilha: "eu vivo porque sou curioso". Averiguem se é verdade que só 11% dos rapazes e 14% das raparigas de 15 anos dizem gostar muito da escola", por extensão, se a escola "cativa ou é uma seca"; estudem se é ou não aceitável que do 1º ao 9º ano existam cerca de 900 metas curriculares; analisem se "os alunos contam e se têm voz nas aulas"; se o sistema segue ou não a lógica de uma linha de montagem; se os planos curriculares assentam nos interesses e talentos dos alunos; se as escolas são ou não "para inúmeras crianças e adolescentes, verdadeiras catedrais do tédio" - Ilídia Cabral, docente da Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Portuguesa. Perguntem e estudem e aí, se existir inteligência e vontade política, talvez, enquanto leitor, desperte o meu interesse em seguir duas páginas que não sejam de estatística carnavalesca.
Com toda a razão, escreveu o Psicólogo Eduardo Sá: hoje "(...) um adolescente de sucesso é um "tecnocrata de mochila" aos 15 e um "ídolo" antes dos 30. É uma ideia gananciosa e vaidosa de sucesso que não devíamos reclamar para os adolescentes". É esta a mentalidade que existe e que a secretaria da Educação, insustentadamente, persegue. Daí a meritocracia e daí a luta por "cincos" e "vintes"! Daí um sistema de avaliação que, primeiro, radiografa ao pormenor o aluno, decompõe-no às postas, atribuindo-lhe percentagens para tudo e, só depois, se restar tempo, consegue olhar para o conhecimento: "o que resta depois de esquecido tudo o que aprendeu na escola" - Einstein. Deste Físico deixo, ainda, a assertiva frase: "a imaginação é mais importante que o conhecimento". Saberá o secretário o que isto significa no decorrer da formação?
Ilustração: Google Imagens.

NOTA
Publicado no blogue
www.gnose.eu

sexta-feira, 19 de julho de 2019

REPOSIÇÃO DA VERDADE, 18 ANOS DEPOIS!


Nota
Em todo este processo a Secretaria Regional da Educação não escapa ilesa. Independentemente da sua responsabilidade, o que para mim é chocante é o facto deste governo continuar com a sua partidarite (aguda), perseguindo professores, instaurando processos disciplinares, envolvendo-se na vida interna dos estabelecimentos de aprendizagem bloqueando a sua autonomia. Este é apenas um caso, mas outros estão a caminho. O do Curral das Freiras, por exemplo.

Texto publicado no JM:

"Os autores de uma ação judicial interposta por cinco professores da Escola Secundária Francisco Franco à Secretaria Regional da Educação ressaltam em comunicado que viram, a 4 de julho de 2019, o seu processo administrativo concluído. Uma notícia que faz hoje manchete no JM. "Desejamos que este caso sirva de estímulo a todos quantos lutam pelos seus direitos", vincam os docentes.
“Os quase dezoito anos decorridos justificam que os seus autores queiram divulgar largamente a decisão do tribunal”, começam por explicar em nota de imprensa.
O comunicado divulgado às redações é aqui citado na íntegra:
“Decorridos quase 18 anos sobre os factos, o Tribunal Central Administrativo Sul emitiu um acórdão, datado de 4 de julho de 2019, condenando a SRE a indemnizar os autores da ação judicial, José Luís Viveiros, Maria de Fátima Abreu, Margarida Menezes, José António Garcês Dias e Dulce Teixeira, professores do quadro da Escola Secundária Francisco Franco, no âmbito do recurso de contencioso relativo à homologação dos resultados do concurso para a direção executiva”, começam por referir.
“Com a garantia da aceitação do teor do acórdão, a tutela assume, finalmente, a responsabilidade do erro depois de confirmada pelos tribunais a nossa posição sobre os factos ocorridos, reforçada pelas sucessivas vitórias nas diferentes instâncias e processos, primeiramente constatando a viciação do concurso e a violação “de forma grosseira” das “mais elementares regras da isenção, imparcialidade e da transparência” (acórdão de 10 de abril de 2008) e, agora, reconhecendo os danos causados”, prosseguem.
Os mesmos docentes criticam ainda a ação da Comissão de Avaliação das Candidaturas: “No entanto, não podemos apenas apontar responsabilidades à tutela pois, embora “culpada objetiva” pela prática do ato ilícito, não é a principal responsável pela criação do facto. Os primeiros responsáveis são os três elementos da Comissão de Avaliação das Candidaturas (CAC) que ao longo do processo cometeram diversas irregularidades e arbitrariedades: mudança da data da reunião destinada a fixar os critérios de avaliação, definição destes, depois de entregues as listas concorrentes e os respetivos documentos de candidatura, e alteração desses mesmos critérios mais tarde, já no decurso do processo avaliativo, ajustando-os de forma habilidosa à medida de uma das listas. Igualmente responsável é o Conselho da Comunidade Educativa, então órgão de direção da escola (do qual faziam parte os referidos elementos da CAC), que deu cobertura a estas irregularidades e arbitrariedades”, lê-se.
Referem ainda que a “indemnização agora fixada pelo tribunal resulta apenas de causa legítima de inexecução, dada a impossibilidade de serem ressarcidos os autores pelos prejuízos de natureza profissional, pessoal, moral e psicológica, não quantificáveis”.
“Aliás, o valor da indemnização foi sempre secundário: o que nos moveu foi a VERDADE e, neste caso, procurámos fazer valer a obrigação da observância das regras disciplinadoras dos procedimentos administrativos. O erário público poderia deixar de ser beliscado uma vez mais se a VERDADE tivesse estado presente neste processo”, vincam.
“Desejamos que este caso sirva de estímulo a todos quantos lutam pelos seus direitos (sociais, laborais, administrativos) e que se traduza em mais e melhor controlo das ações praticadas pelas pessoas e pelas estruturas responsáveis que, por vezes, condicionam tais ações”, acrescentam.
Agradecem, por último, aos que os acompanharam e apoiaram ao longo de todo o processo, fazendo referência neste ponto aos advogados Simplício Mendonça e João Lizardo que prestaram todo o apoio jurídico, e não só, bem como todos os amigos."
Ilustração: Capa JM e foto DN-Madeira

quinta-feira, 18 de julho de 2019

Por detrás dos Exames Nacionais



FACTO

"Carta do leitor" publicada na edição de hoje do DN-Madeira:

"Muito objetivamente: como se explica o desfasamento entre os resultados escolares – um longo percurso – e os resultados de um exame realizado em poucas horas? Certamente, não me compete a mim explicar; cabe-me, contudo, questionar enquanto mãe preocupada e indignada, onde residem as falhas? Pois, só podemos melhorar se identificarmos os erros. Não terão os alunos (aqueles que se aplicam o ano todo) estudado o suficiente? Não estarão os professores a ensinar de forma correta e adequada ao Programa exigido pelo Ministério da Educação? Não estarão as escolas direcionadas para um ensino de qualidade, correção e justeza? Que descalabro nacional foi este? E porquê somente em determinadas disciplinas? Urge uma análise séria, transparente e profunda! Alguém que a faça, por favor! (...)" - Filomena Costa.

COMENTÁRIO

Esta carta, por múltiplas razões, não só é oportuna como formula questões que deveriam ser objecto de profunda reflexão. Sobre esta matéria já aqui defendi a minha posição e, embora corra o risco de ser repetitivo, regresso ao assunto com algumas breves notas susceptivas de provocarem o debate. Sublinha a leitora: "(...) só podemos melhorar se identificarmos os erros". Aqui está o cerne da questão. O problema é que ninguém quer identificar os erros. Os políticos andam entretidos com as margens do problema e não com o âmago. Discutem, por exemplo, se o ano escolar deverá ter três trimestres ou dois "semestres", aspecto de somenos importância, mas não discutem as verdadeiras questões da autonomia gestionária, as questões da diversidade, os currículos, os programas e os paradigmas pedagógicos. O sistema está refém de uma mentalidade confusa e incongruente, que tem vindo a passar por gerações sucessivas, incapaz de, corajosa e paulatinamente, procurar novos caminhos. Os próprios pais e encarregados de educação, genericamente, sobrevalorizam este tipo de escola, claramente desfazada do tempo que estamos a viver, até porque nunca lhes ofereceram uma alternativa. Ninguém se mostra interessado em mexer no núcleo, onde quase tudo está por fazer, talvez no pressuposto infantil que se alicerça no receio de trocar o conhecido pelo desconhecido. Dá muito trabalho! E sendo assim, jogam com balofas meritocracias e com um "campeonato de vintes" enquanto espectáculo mediático. Fico por aqui nas considerações sobre as quais tantas vezes me tenho posicionado, mas deixo uma pergunta baseada em um cálculo simples e elaborado em números que apenas pretendem ilustrar a caricata situação dos exames:

Entre o 5º e o 11º medeiam 7 anos. Admitamos uma média de nove disciplinas por ano. Cada disciplina dispõe, em média, de três avaliações formais por período, o que significa nove por ano. Multiplique-se nove avaliações por nove disciplinas e obtemos o valor de oitenta e uma avaliações por ano. Em sete anos um aluno, neste sistema, é avaliado, em média, repito, 567 vezes pelos professores, afora outras avaliações, muitas, até, de natureza subjectiva. Grosso modo, é avaliado entre 500 e 600 vezes. Pergunto: em uma escola séria, honesta, de rigor e qualidade serão necessários exames?

Acrescem, ainda, as provas de 4º ano e os anos sujeitos a aferição do sistema. Para quê? Se desejam aferir o sistema, basta que, aleatoriamente, escolham, por ano, um determinado número de alunos e apliquem um teste. Se bem delineado, os resultados, com margens de erro pouco significativas, poderão ser extrapolados para a população geral.
Quanto ao 12º ano, ainda é necessário um exame de acesso. Mas convicto estou que, mais cedo que tarde, o formato será outro. 
Muito poderia discorrer sobre este posicionamento. Não se trata de quadros de facilismo, pelo contrário, não abdico de um sistema organizacionalmente pensado no conhecimento. E tudo é possível aprender! É, por isso, que me encontro nos antípodas deste sistema que não conduz ao saber, que não respeita vocações e projectos de vida e que se entretém em debitar matéria para avaliar e logo de seguida esquecer.
Ilustração: Google Imagens.

terça-feira, 16 de julho de 2019

A Cesta de Ovos


Por
DN-MADEIRA
16 JUL 2019 

Era uma daquelas cestas tradicionais, em vime natural, com uma pega para ser levada pela mão, da mesma forma como, já na altura, as senhoras usavam as malas de alça curta. Embora os manuais escolares viessem de Lisboa, aquela cesta, impressa a cores no livro da 1ª Classe, parecia o desenho fiel das que o meu avô fazia, no sítio da Ribeira Funda, em São Jorge, com as suas hábeis e firmes mãos (e pés, porque os usava, sempre, para manter os vimes em posição). Por baixo da cesta, numa letra redondinha e perfeita, como só os livros de instrução primária reproduziam, eu lia: ‘os ovos’. E dentro da cesta, acumulados em boa altura, justificava-se a legenda com as típicas formas brancas, estas imaculadas, ao contrário das do galinheiro lá de casa, que sempre denunciavam o orifício de onde provinham. 

As longas férias de verão já se arrumavam no baú das memórias, mas, naquele momento, os cheiros que a escola e o outono misturavam não me eram estranhos. Apesar de, com 7 anos feitos, estar perante o livro do primeiro ano de escola, aquele era o dia para iniciar a 2ª Classe. E coitado de quem não tem berço, coitado de quem não tem padrinhos (até os tinha, os de batismo, mas estavam na Venezuela, ou ainda na África do Sul).
A sala da 2ª Classe, no primeiro andar, estava demasiado cheia. Mas ainda havia folga na da 1ª Classe, no rés do chão. Ambos os professores conversaram e decidiram. A dedo, escolheram um grupo de alunos, de entre os novos da 2ª Classe, eu incluído. Descemos as escadas, e voltamos a entrar na sala de onde havíamos saído, com aprovação, no ano letivo anterior. O forte cheiro a tabaco denunciava a proximidade do professor, e recordava o tempo anterior às férias grandes. Abriu o livro, também familiar, e, apontando com o dedo, pediu que lesse. ‘Os ovos’, li. E a sentença veio imediata. ‘Viste pelo desenho’, disse, ‘ficas mais um ano na 1ª Classe’.
Nenhum de nós, os escolhidos a dedo, se safou naquela prova.

Uma criança pode não ter argumentos perante a autoridade de um adulto, mas tem sentimentos. E a injustiça pode ser sentida profundamente, como eu senti naquele momento. Tão profundamente que, hoje, continua bem gravada na minha memória. Foi o único ano que “perdi”, e embora não saiba o que efetivamente me foi roubado, pois desconheço o que teria sido o meu percurso escolar alternativo, sei que ganhei uma profunda intolerância perante as injustiças. 

Porque uma criança também pensa, mesmo quando nada diz, questionava-me o porquê de não me ter sido dada a ler uma palavra sem desenhos. Pensei até que, se tivesse lido pelo desenho, o mais provável seria mencionar a cesta e não apenas os ovos. Pensamentos que ficaram comigo, porque, naquela altura, as crianças também eram amordaçadas.
Anos depois, no fim da primária, apesar de bom aluno, o professor queria reter-me mais um ano, porque ‘eu era muito novo para mudar de escola’, dizia. Salvou-me a minha mãe, que dessa vez foi firme. A mesma sorte não teve o meu colega da carteira da frente, também bom aluno e de famílias sem grandes recursos, como eu, mas ainda mais franzino... E assim se produziam novos emigrantes. Assim se mantinha o status quo social. Naturalmente que os filhos de famílias mais ricas, como os desses mesmos professores, nunca ficavam retidos pela idade, ou por outro argumento irracional, e ilegal, qualquer.
Hoje as injustiças continuam. É no acesso ao emprego. É no acesso aos cuidados de saúde. É no acesso à educação. A competência importa pouco, continua a valer mais a influência económica, social e política. A cunha, essa instituição secular, e o preconceito, uma nódoa que se entranha na alma de todo um povo, continuam a minar o terreno que pisamos. E o pior é quando se arvoram novos tempos que se constroem em cima dos mesmos alicerces e das mesmas paredes-mestras. Estejamos atentos.

domingo, 14 de julho de 2019

O que uma escola portuguesa faz com as novas tecnologias


A escola tem rede sem fios, ligação segura por login aberta a todos os utilizadores. Cada aluno, do 1.º ao 4.º ano, tem um dispositivo pessoal que é usado em projetos, atividades e várias tarefas. Cada sala de aula do pré-escolar tem um computador e um quadro interativo. Cada aula tem um caderno digital e as lições e os conteúdos são enviados para o bloco de notas da turma. Professores e alunos criam os seus próprios recursos - textos, vídeos, músicas, jogos, apresentações, ideias, mapas mentais - que estão disponíveis em qualquer lugar, a qualquer hora.

As novas tecnologias de informação e comunicação (TIC) fazem parte do quotidiano de crianças e jovens e já estão nas escolas. O seu papel na Educação tem sido reconhecido e é, aliás, destacado nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável como uma ferramenta que deve ser aproveitada para fortalecer os sistemas educacionais, disseminar o conhecimento, fornecer acesso à informação, promover qualidade e aprendizagem da maneira mais eficiente. No entanto, há evidências que demonstram que sistemas educativos e estabelecimentos de ensino raramente estão preparados para aproveitar as virtudes das TIC, das novas plataformas que estão em todo o lado. 
Esta realidade, a relevância do mundo digital, e a vontade de estimular ambientes inclusivos de aprendizagem, merecem atenção da UNESCO, organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. O caso do Colégio Monte Flor, em Carnaxide, é analisado e mostrado com uma referência pela UNESCO, que está atenta a práticas e modelos bem-sucedidos nas escolas, bem como na partilha desses exemplos.
O Colégio Monte Flor é uma escola privada do 1.º Ciclo, fundada em 1973, que defende uma aprendizagem individualizada, em que cada criança deve ser valorizada pelos seus talentos e aspirações. Neste momento, tem cerca de 200 alunos e 13 professores entre 35 funcionários. Em 2013, percebeu a importância das novas tecnologias. Em 2016, desenvolveu um modelo centrado nos alunos, fez mudanças na avaliação, passou a dar mais importância ao pensamento crítico, à criatividade, à comunicação e colaboração, ou seja, às habilidades sociais. E também a outras competências que se podem manifestar através de projetos realizados nas escolas. 
A abordagem está focada em projetos, combinou-se um currículo centrado no aluno com o programa nacional, e tudo se interliga. Todos os projetos começam com perguntas e questões feitas em conjunto, alunos e professores, para estimular a imaginação e discussão. Todos os meses há uma assembleia para discutir desafios e estratégias para a implementação de projetos. 
Os projetos duram, regra geral, um mês, mas podem ser mais curtos ou mais longos. Começa com uma questão. Por exemplo: Como podemos usar o nosso dinheiro? É feito um mapa numa parede com várias perguntas. O que aprender? O que fazer? Como fazer? Quando? Quem? As atividades são distribuídas e os alunos têm a palavra para dizer se concordam ou não quanto ao que farão no projeto. Se a ideia é, por exemplo, criar um mercado para falar de dinheiro, é preciso fazer etiquetas com preços, cartazes, decorar o espaço, organizar o local, dispor os produtos, pensar e criar publicidade. É então feito um calendário para organizar o trabalho e o projeto é executado. 
“A apresentação do projeto é uma celebração da aprendizagem. Os alunos fazem apresentações, teatro, vídeos, eventos”, lê-se no relatório da UNESCO. Depois é hora de avaliar, o que os alunos mais gostaram, o que menos gostaram, o que poderia ter sido diferente, o que se mudaria. É tempo de partilha no bloco de notas do OneNote, que está acessível a todos os alunos.

Autonomia, respeito, determinação

“A tecnologia não está no centro, mas é crucial para o sucesso do processo de aprendizagem, pois tudo depende disso”, lê-se no documento. A avaliação, os recursos, a comunicação, e o processo criativo, são feitos com dispositivos móveis, com novas tecnologias. E todos, alunos, pais, professores, estão interligados. Neste colégio português, valoriza-se a autonomia, a responsabilidade, a determinação, o respeito, a cooperação, porque há consciência de que o sucesso na vida depende dessas competências desenvolvidas na escola. 

Aprender a qualquer hora e em qualquer lugar. Explorar talentos, desenvolver habilidades, estar preparado para o século XXI. Tudo isso importa, tudo isso contribui para a educação. No início do ano letivo, explica-se a visão da escola e os projetos aos pais e encarregados de educação. O Colégio Monte Flor usa as plataformas digitais no dia-a-dia e sente que, nos últimos dois anos, há um maior comprometimento com a abordagem escolhida, ou seja, a utilização de tecnologia por parte dos alunos que vivem num mundo imerso em meios digitais. “A tecnologia está presente em tudo o que nos rodeia e a aquisição de competências digitais é a chave para o sucesso, não só no futuro, mas também no presente”. 
Por isso, a tecnologia faz parte da aprendizagem, 
do processo de aprender. 

Em 2009, o programa nacional E-Escolas proporcionou o acesso dos alunos a tablets a baixo custo ou, em alguns casos, de forma gratuita. O colégio aproveitou a oportunidade e viu mais além. Os professores receberam formação intensiva para massificar o uso de novas tecnologias na escola que assumiu o Office 365, aderiu à Escola Virtual e ao Weduc. O E-Escolas foi cancelado, mas o colégio continuou o caminho. “A escola tem hoje um modelo bem consolidado em que pais, professores e alunos sabem o que esperar da escola, mas a escola também sabe o que esperar de todas as partes envolvidas”. 
Os alunos podem adquirir conhecimentos em qualquer lugar e o colégio sabe disso. Nesse sentido, as crianças têm oportunidade de explorar o conteúdo de cada currículo através da Escola Virtual, uma plataforma de recursos digitais com matérias das várias disciplinas. Os alunos são encorajados a explorarem sozinhos a ferramenta, mas há um professor responsável por monitorizar e avaliar o progresso de cada um. “Aprender no seu próprio ritmo é a principal ideia no uso desta plataforma, onde os alunos podem explorar vídeos, atividades, documentos sobre todos os tópicos do currículo, podem avaliar os seus conhecimentos, e se alguma coisa não for entendida, a ferramenta sugere exercícios e outros recursos”. 
A tecnologia é importante, mas os alunos são sempre o centro da aprendizagem. “Hoje, mais do que nunca, a escola desafia os seus alunos a sonhar, pensar, discutir e, mais importante, criar”. Esta é uma premissa importante do Colégio Monte Flor. Os meios tecnológicos ajudam a comunicar com os colegas, a procurar informações, comparar dados, confrontar diferentes opiniões. A tecnologia é um poderoso aliado na educação. Faz parte da escola, faz parte da vida dos alunos. 
O percurso está traçado. Estratégias e metas em torno de um modelo de ensino que integra as TIC no processo de ensinar e de aprender. Avaliação e monitorização para acompanhar o trajeto escolar, verificar o que se pode melhorar. Uma escola em constante mudança e que não cruza os braços. Fibra ótica para aumentar a velocidade da internet, políticas e regras para a utilização dos dispositivos móveis. Mas as mudanças na pedagogia não foram alcançadas sem dificuldades. Os pais tiveram de adaptar novas formas de trabalhar com os filhos e a escola manteve-se atenta com explicações e reuniões. “O uso de plataformas digitais para se comunicar com os pais, o uso de vídeos na escola, ou vídeos tutoriais explicando procedimentos e conteúdos, são cruciais para uma melhor compreensão da maneira como o processo de aprendizagem ocorre na escola”. 

Ampla variedade de recursos

A escola tem rede sem fios, ligação segura por login aberta a todos os utilizadores. Cada aluno, do 1.º ao 4.º ano, tem um dispositivo pessoal que é usado em projetos, atividades e várias tarefas. Cada sala de aula do pré-escolar tem um computador e um quadro interativo. Cada aula tem um caderno digital e as lições e os conteúdos são enviados para o bloco de notas da turma. Professores e alunos criam os seus próprios recursos - textos, vídeos, músicas, jogos, apresentações, ideias, mapas mentais - que estão disponíveis em qualquer lugar, a qualquer hora.
Nos últimos três anos, 63 alunos estiveram envolvidos em atividades de codificação com Kodu e Lego Mindstorms e, desde 2015, mais de 150 partiparam no Dia da Internet Segura. Este ano, vários alunos estiveram em várias empresas e instituições, nomeadamente no Ministério da Justiça e na Siemens, a sublinhar quão importante é a alfabetização digital e a segurança no mundo da net. O colégio tem ainda um laboratório de aprendizagem com nove computadores, uma playstation, uma televisão, um projetor de alta definição na parede e um quadro interativo. Esta sala, inspirada no Future Classroom Lab em Bruxelas, é usada frequentemente. 
O corpo docente é estável, a faixa etária anda entre os 23 e os 63 anos. Todos os docentes e educadores são pós-graduados, têm vastos conhecimentos no uso de tecnologias no ensino. Há formações constantes, workshops para trocar ideias e refletir sobre estratégias. Os professores participam em eventos com outros docentes em várias partes do mundo para a partilha de experiências pedagógicas. Todos os professores do colégio são membros da Comunidade de Educadores da Microsoft. Em 2011, um dos professores do colégio foi reconhecido como um dos 18 professores mais inovadores no Fórum Global da Microsoft. Em 2013, o colégio foi considerado, pela Microsoft, com uma das 150 escolas de excelência no uso das TIC em todo o mundo. 
Desde o Natal de 2018, que os alunos preparam e apresentam uma peça num lar de idosos, com uma demonstração de Robótica, organizam jogos de tabuleiro, e apresentam danças interativas para promover a atividade física. “A ideia deste projeto não é complexa. No entanto, o projeto tem um grande impacto social, não só na vida dos idosos, mas também na forma como os alunos veem, sentem, e interagem com eles”. 
Os alunos do Colégio Monte Flor têm vindo a ganhar prémios nas áreas de Ciências, Matemática, Português, Desenho, Desporto. É uma escola inclusiva e acessível a todos. “Ao dar aos alunos a oportunidade de comunicarem e aprenderem a qualquer hora, em qualquer lugar, a escola está a respeitar ritmos diferentes de aprendizagem. Dar às crianças uma ampla variedade de recursos significa que os seus estilos de aprendizagem individual são respeitados, permitindo uma melhor compreensão dos assuntos. Os professores dão oportunidade aos alunos de realizarem os seus próprios projetos”, lê-se no relatório da UNESCO. 
O modelo do uso das novas tecnologias, como uma poderosa ferramenta para a aprendizagem no século XXI, está consolidado. O próximo passo da escola “é tornar o processo de aprendizagem ainda mais flexível, permitindo que os alunos aprendam com mais autonomia e mudem gradualmente aulas, assuntos, lições”. Um objetivo para alcançar até 2020. O caminho feito até agora é positivo. “O feedback que os professores vão tendo de ex-alunos e de pais é que o modelo os prepara para a vida, para a mudança, para o pensamento crítico e para se adaptarem a qualquer situação”. Uma escola portuguesa que é um exemplo para a UNESCO.

Fonte: Educare 

quinta-feira, 11 de julho de 2019

EDUCAÇÃO - UM LOBO EM PELE DE CORDEIRO. CHEGA!


A “carta do leitor”, publicada na edição de hoje do DN-Madeira, enaltece quem a escreveu e mancha o político que, circunstancialmente, chefia a secretaria regional da Educação. Em causa está, de novo, o Professor Joaquim José Sousa, vítima de uma vergonhosa perseguição por parte do titular daquela pasta governamental que o “condenou” a seis meses sem salário. A citada carta deixo-a em baixo para que os leitores a possam ler. 

Parabéns Senhor Engenheiro Paulo Madeira pela manifestação pública de uma situação profissional e socialmente indecorosa. É verdade que não é a primeira vez que tal acontece, porém, tem sido evidente um enervante silêncio de tantos que deveriam se posicionar, exceptuando 499 cidadãos que assinaram uma petição pública (só professores trabalham na Região cerca de 6.500!). 
Até no plano político, as diversas forças, com algumas notas positivas aqui e ali, não têm exercido a necessária pressão no sentido de colocar um ponto final neste claríssimo “bullying”. Queixam-se que ele existe na escola entre alunos, mas o político faz o mesmo; queixam-se de alguma violência entre alunos, para isso criaram a “carta da convivialidade”, mas o político é o primeiro a gerar uma violência gratuita ou assédio moral a um Professor cujo “crime” foi o de sonhar com uma Escola diferente e amiga das crianças.
Pior, o secretário, comprovadamente, não foi nem sério nem honesto na Assembleia Legislativa da Madeira e o seu mal foram batatas! Continua lobo em pele de cordeiro a passear e a anunciar, não diria generalidades, mas autênticas banalidades, quando o sector da Educação exige respostas que saiam de uma comezinha gestão feita sem qualquer rasgo. Será por ciúme do Professor Joaquim ou será por incapacidade visionária? O futuro o dirá, embora esteja convicto que a maldade não passará no Tribunal.

JOAQUIM SOUSA

Conheci o Dr. Joaquim José de Sousa recentemente. Mostrou-se uma pessoa afável, educada e extremamente sabedora dos temas da educação e convicto da importância que a educação e que os profissionais da educação têm na construção duma sociedade melhor.
A pessoa que conheci em nada se assemelha aquela que o Senhor Secretário descreve. Perguntei ao professor Joaquim diretamente o que o secretário tinha contra ele e o mesmo, respondeu-me tranquilamente que não me podia responder porque ele mesmo não sabia.
Garantiu-me que nunca teve qualquer questão pessoal com o mesmo e que lhe fazia muita impressão um ódio tão vincado que levou a que a secretaria tenha feito tudo para o prejudicar a si e à sua família, seja no tipo de acusações que são lugar comum nas restantes escolas, seja na pessoa que conduziu o processo inspetivo, seja na pessoa que respondeu às dúvidas suscitadas (o próprio secretário Jorge Carvalho, seja na pessoa que lhe aplicou a sansão (também o mesmo Jorge Carvalho), que já lhe havia aberto o processo e que com este estratagema lhe retirou o direito de recorrer hierarquicamente.
Falamos sobre situações em escolas que passaram por gabinetes para renovações, 50 professores a mais numa escola com prejuízo para o estado de milhares de euros), ameaças de morte entre membros de uma direção, atestados rasgados, horas extraordinárias pagas nas férias processos em tribunal por desvio de fundos, mas nenhum caso de suspensão de 6 meses por enviar horários por email, anular matrícula de aluno que duplicou a inscrição, alterar os horários dos docentes ou abrir um curso do recorrente com autorização via 1º ciclo.

Não contente com as acusações estapafúrdias o mesmo (Jorge Carvalho) invocou o interesse público para manter o professor Joaquim suspenso, com recurso a mentiras infantis, expressou-me o Prof. Joaquim que teme verdadeiramente que a sua mulher seja colocada no Porto Moniz, a sua filha transferida para a escola da Ponta do Pargo 
e o filho transferido para o infantário do Arco de São Jorge.

Mostrou-me o Prof. documentos trocados entre a sua vice-presidente e o próprio gabinete do secretário com que depois o incriminaram.
Vi o regimento do conselho executivo que responsabiliza três pessoas colegialmente, mas apenas uma está suspensa e as outras duas vão ter o processo disciplinar, entretanto arquivado por prescrição.
Conheci um Homem com uma força tremenda e uma convicção social inabalável.
Sou grato Prof. Joaquim José Sousa, obrigado pelo seu exemplo de coragem e honestidade.

Paulo Madeira
(Engenheiro informático)

segunda-feira, 8 de julho de 2019

A infância acaba aos 6!


Observador
7/7/2019

Se continuarmos por aqui, e se não cultivarmos mais as crianças para o brincar, a infância pode estar “à beira da extinção”.


A partir do momento em que a escola se tem vindo a transformar no “trabalho infantil” do século XXI, temos cada vez mais famílias a fazer com que os seus filhos entrem nela mais tarde – aos 7 – para que tenham direito a mais um ano de infância(!). Ou seja, no século XXI a infância parece terminar aos 6! Se, dantes, a escola se caracterizava como “O” indicador mais inequívoco das crianças com direito à infância, hoje, até porque todas elas vão (felizmente!) à escola, aquilo que distingue as crianças que têm infância daquelas que não a “têm” é o brincar. O tempo e a qualidade do brincar diários que os pais reservam para os filhos.
Como as crianças têm menos tempo de infância, menos irmãos e famílias menos alargadas, menos actividade física, menos recreio, menos convívio e menos relação com o ar livre, receio que tenhamos crianças cada vez mais quietas, mais apáticas e mais caladas. Crianças que não crescem aprendendo com o corpo mas contra o corpo. Crianças que convivem com famílias muito pequenas. Que não brincam tanto como deviam. Que vivem espartilhadas em compromissos escolares e confinadas a espaços reduzidos. Que, muitas vezes, mandam muito mais nos pais do que deviam. Que, por isso, se vão transformando em “novos chefes de família”. E que são tratadas como adultos de tamanho “S”. Restam-lhe os amigos. E os jogos! Até porque (já repararam?) as lojas de brinquedos vão morrendo, aos bocadinhos. Por outras palavras, a solidão no crescimento das crianças começa a ser assustadora. Se continuarmos por aqui, e se não as cultivarmos mais para o brincar, para a palavra, para a fantasia e para as histórias – de forma a minimizarmos a relação (cada vez mais hegemónica) que elas têm com as novas tecnologias – por mais que falemos das crianças como nunca o fizemos, a infância pode estar “à beira da extinção”.
É, portanto, urgente que se deixe de entender o brincar como um actividade de lazer. Ou como uma distracção. Ou quase como um proforme que entendemos conceder às crianças sempre que falamos da infância. Brincar é desconstruir mistérios. É intuir e analisar inúmeras hipóteses. É formular problemas. É discorrer sobre eles e resolvê-los. Brincar é, depois de entrar nelas, “desmanchar” as histórias. E entendê-las naquilo que elas nos querem dizer. E reconstruí-las de forma sempre mais simples, mais esquemática e mais sábia. Brincar é recolher imagens e, ao recombiná-las, cultivar e expandir a imaginação. Brincar não serve para distrair; serve para lavrar a atenção. (Aliás, não há nada que incentive mais a atenção do que o brincar!) Brincar é aprender. Brincar é melhor que fazer trabalhos de casa. Brincar educa para a intuição e para a interpretação. Brincar “puxa pela cabeça”, pelo corpo e pela “alma”. Brincar é “trabalhar”. E é pensar!
Ora, sejamos razoáveis, se continuarmos a estruturar o trabalho dos adultos, unicamente, pelas horas que eles lhe dedicam e nunca pelo realização das tarefas a que se comprometem, fazemos por ignorar que as horas que os adultos trabalham nunca correspondem aquelas em que eles conseguem estar, efectivamente, atentos e concentrados, e a produzir em concomitância com tudo aquilo de que são capazes. Trabalharmos muitas horas parece ser, às vezes, uma forma de expiarmos a culpa pela forma como reconhecemos que nunca conseguimos produzir tanto quanto trabalhamos. Aliás, quando distinguimos um emprego de um trabalho – e somos capazes de estabelecer a distinção entre ambos e a expressão que alguns tornam sua quando afirmam: “Agora que me divirto, já posso deixar de trabalhar” – parecemos assumir que trabalhar é uma actividade monótona, soturna e onde ninguém nos paga para nos divertirmos. Deve ser por isso que consideramos o trabalho como o contrário do brincar. Como se o nosso trabalho e o das crianças fosse sisudo, difícil e, até, penoso. E o brincar leve, descontraído e amigo do prazer. Mas o mais grave é que, com os nossos filhos, reproduzimos estes vícios de forma. E acabamos a considerar que trabalhar é – sempre! – mais importante do que brincar.
É por tudo isto que não podemos deixar que as crianças continuem a perder, como tem vindo a acontecer desde há vinte anos, horas de brincar. É por tudo isto que é urgente que elas brinquem duas horas por dia, todos os dias! É por tudo isso que não podemos continuar a permitir que, na escola, o brincar seja uma actividade sazonal, de Primavera/Verão, e que esteja quase extinta. E é por tudo isso que, em casa, brincar não pode ser, unicamente, uma actividade de fim-de-semana. Da mesma forma como as crianças ganham quando brincam, os pais ganhariam se brincassem. Aliás, é por não saberem brincar que os pais “desconfiam” da sua utilidade! Portanto, deixe-mo-nos de “brincadeiras” e assumamos que é urgente o brincar! Para que o “fim” da infância não coincida com o início da escola. E para que todas as crianças tenham direito ao brincar indispensável sem o qual pode haver crianças sem que haja infância.
Ilustração: Google Imagens.

sexta-feira, 5 de julho de 2019

Pensar “fora da caixa” em educação


Por
DN-Madeira
05 JUL 2019

Temos um país onde 58% dos empresários tem habilitações ao nível da 4ª classe

Na sociedade atual, mercê do desenvolvimento tecnológico, nomeadamente da IA, vários estudos recentes (“Automação e o Futuro do Trabalho em Portugal”) e outros apontam para que até 2030, cerca de 1/5 dos portugueses, ficarão sem o seu trabalho, sendo substituídos por máquinas “inteligentes” de forma automatizada, por software ou robots especializados, que efetuarão trabalhos rotineiros e mesmo trabalhos que exijam algum nível de tomada de decisões. A formação que possuem, “adquirida na escola tradicional” é “estática”, pouco suscetível de adaptação a novas realidades.
1,8 milhões de trabalhadores terão de “reciclar-se” e aprender a trabalhar com estas novas tecnologias ou serão linearmente afastados do mercado de trabalho, originando um “exército de desempregados” com todas as consequências económicas e sociais e consequentes. Como pano de fundo temos um país onde 58% dos empresários tem habilitações ao nível da 4ª classe.
Em contrapartida serão criados de 600.000 a 1.200.000 novos postos de trabalho para os quais serão igualmente exigidas novas qualificações compatíveis com os ritmos de mudança cada vez mais acelerados.
2030 parece-nos uma data remota, porque fica a 11 anos de distância, mas se considerarmos um jovem que hoje frequenta o 5º ano e tem atualmente 11 anos, ele terá 22 anos em 2030, logo estará a “entrar” para o mercado de trabalho, sendo que o tipo de preparação que a escola lhe proporcionar será decisivo para essa integração.

A escola que hoje temos assenta predominantemente em modelos do Séc. XIX, herdeiras das Escolas Paroquiais e da Escolástica. 

As sucessivas alterações e reformas afetam mais a forma do que a substância do nosso sistema de ensino e mesmo a atual “gestão flexível do currículo” e a organização do ano letivo em dois períodos, bem como a introdução de tablets e de robótica, medidas globalmente positivas que, embora tornem a aprendizagem mais “interessante” e permitam ao estudante “compor” um elenco mais de acordo com o seu gosto, diluindo de algum modo o “saber atomístico e enciclopédico” e se pretenda deste modo que os saberes se consubstanciem. Estas medidas avulsas e “piedosas”, não alteram, porém, o facto de que, no paradigma atual, a tónica do binómio ensino-aprendizagem esteja ainda assente no ensino espartilhado em rígidas “fronteiras” disciplinares. Continua a ser frequente ouvir os professores falarem de “dar matéria”.
A fragmentação dos conteúdos em disciplinas de contornos herméticos, os conhecimentos teóricos descontextualizados, a forma de avaliação através de testes e exames que valorizam quase exclusivamente os conteúdos ministrados fazem parte do mesmo paradigma, que produz indivíduos possuidores do domínio duma certa quantidade de matérias e saberes, que mesmo que “bem” adquiridos, serão necessariamente finitos e perecíveis.
Tradicionalmente, o conhecimento adquirido na formação inicial, com mais algumas atualizações, era suficiente para fazer face às necessidades do cidadão ao longo da vida, bem como de uma profissão, porém, há cerca de 20 anos já se considerava que 75% do conhecimento adquirido no ensino superior, estava desatualizado passados 5 anos.

Hoje, para fazer face às necessidades atuais e presumivelmente futuras, o paradigma tem obrigatoriamente que ser alterado. O aluno não poderá mais “sair” do SE, tal como até agora com um conjunto limitado e finito de “saberes” perecíveis, mas, pelo contrário, terá de ser uma criatura pensante e aprendente capaz de se adaptar a contextos de mudança, cada vez mais acelerada ao longo de toda a sua vida. 

Os “saberes” são incontornáveis e estarão sempre “na base”, porém são insuficientes, pois não resolvem problemas, porque, para produzirem efeitos uteis, têm de ser “trabalhados” de forma a produzirem conhecimento e operacionalizados através dos métodos e processos adequados de forma a resolver um problema, suprimir uma necessidade ou consubstanciar uma ideia, ou seja, ultrapassam o domínio dos saberes, para entrarem no domínio das competências.
Os contextos mudam, e, do mesmo modo, os conhecimentos, as tecnologias e as necessidades também. Só criaturas pensantes e aprendentes estarão aptas a fazer face à mudança vertiginosa presente e expectável. Temos de estar conscientes de que estamos a formar pessoas para o exercício futuro de profissões que hoje ainda não existem.
O ensino obrigatório hoje já não prepara os alunos para o exercício duma cidadania efetiva. Os alunos hoje saem da escola sem terem a mínima noção de que impostos irão pagar, do plano nacional de vacinação, da organização administrativa do país, dos seus direitos e deveres enquanto cidadãos, capazes de ler a “chapa” ou a eficiência dum qualquer aparelho elétrico, de fritar um ovo, etc. Saem impreparados para o exercício duma cidadania informada, crítica e plena, civicamente empenhada, saem até sem preparação alguma para o exercício de qualquer profissão minimamente qualificada. Por outro lado, uma educação para a cidadania, será a única forma de evitar que Trumps, Bolsonaros, Edogans e outros que tais sejam eleitos.
A educação terá de ser “um orçamento de base zero”, ou seja, terá de ser repensada desde a raiz, para determinar, sem “pesadas heranças”, quais as competências efetivamente necessárias ao exercício duma cidadania plena, onde se inclui o exercício de uma profissão. Chega de “meias-solas”.
Por limitações de espaço, continua numa próxima oportunidade...
P.S. Este texto foi extraído dum trabalho anterior e mais extenso da minha autoria, que consubstancia uma visão de 40 anos sobre o “papel da escola na sociedade”.

quinta-feira, 4 de julho de 2019

ESTARÃO TODOS ERRADOS?


Para a edição de ontem do DN-Madeira, rubrica RAIO X, escrevi este texto que aqui deixo. O meu agradecimento ao DIÁRIO pelo convite.

Entre muitos, Sócrates, Filósofo, 470 aC/399aC: “a educação tem por objectivo imediato o desenvolvimento da capacidade de pensar”; saltando na História, outro Filósofo, Nietzsche (1844/1900), falou da “moral do rebanho”, de uma educação contrária à ”verdadeira cultura”, submetida aos interesses dominantes; até aos pensadores dos nossos dias, são tantos, por exemplo, o Professor Joaquim Azevedo, “a escola mudou pouco e os adolescentes mudaram muito”. Três posições que se conjugam em uma síntese: pensamento, cultura e mudança. Ora, este sistema não tem como pressuposto fazer pensar, ignora a cultura e mostra-se avesso à mudança. 


O político fechou-se na torre de marfim, burocratizou, preferiu a rotina enciclopédica ao acto de fazer pensar, tornou-se um ignorante altifalante, não fecundou nem se deixou fecundar pelas ciências. Não estudou as correntes filosóficas e as concomitantes características do problema educativo ao longo dos séculos. Por aí perceberia o mundo de hoje e entenderia que uma “escola sempre igual não pode competir com a vida que é sempre diferente” (P. Brito, 1970). Perceberia que há muito passámos de uma sociedade da “manufactura para a da mentefactura” – L. Cardoso, 1997. Tem-lhe interessado a “moral do rebanho”, vocacionando os professores para a reprodução dos manuais, agora enfeitados no digital, quando se sabe que "(...) o bom ensino supera uma escolha tecnológica pobre, mas a tecnologia nunca salvará o mau ensino" – T. Bates/Microsoft. Tem-lhe interessado “a deriva transbordante” de natureza enciclopédica de que fala António Nóvoa e conservar o código oculto da Sociedade Industrial (Toffler): a maximização (um estabelecimento com 2000 alunos é uma fábrica, não uma escola), a especialização (trabalho segmentado por disciplinas) e a centralização (o poder em uma só pessoa), o que significa manter a escola nas traves-mestras do Século XIX, embora vivamos o tempo da 4ª Revolução Industrial.
Ora, quando hoje se operacionaliza de acordo com os pressupostos de ontem, quando a hierarquia política desdobra-se em ilusórias meritocracias, no mediatismo das festas, em “Pontos e Vírgulas”, quando pede respostas certas na idade das perguntas, quando mata a curiosidade, manipula estatísticas, confunde a absurda competição por “cincos” e “vintes” com o verdadeiro conhecimento, castiga o direito à diferença, quando a escola assume a característica de um pronto-a-vestir, de tamanho único para populações, culturas e ritmos de aprendizagem diversos, quando se torna em um espaço impessoal, por ausência de alma e arquitectura adequada, quando prevalecem actividades ritualizadas, legislação em catadupa, limitações orçamentais, ausência de autonomia pedagógica, nesta Escola, sintetiza Rubem Alves, "cumpre-se o ritual e o formal, porque para o burocrata o que interessa é o que vem no relatório. Não as crianças". 
Este sistema faliu. Foram mais quatro anos perdidos, repetindo o passado e plenos de insanas tropelias, com fusões que contribuem para a desertificação, perseguições, processos disciplinares e afastamento de colaboradores próximos. Por outro lado, é falacioso o argumento da quebra demográfica. Ela constitui uma oportunidade, não uma fraqueza.
Na aprendizagem básica a escola deve ser vista pelo ângulo da cultura. É um erro confundir-se edifícios com o sistema. Não se criam alicerces através de uma paranóica obsessão pela avaliação e pelos exames. Não é dividindo o ano em dois semestres que se encontrará a saída para um futuro desejável. Mais do que um nível, em causa deveriam estar projectos de vida. As questões são mais profundas, são de natureza organizacional, de rede escolar, curricular, programática e pedagógica, de mentalidade, de pobreza, formação complementar dos professores, de investimento no sector público em detrimento do privado, de políticas de família e de uma nova organização da sociedade. Há um processo transversal e em rede que o político ignorou porque não deseja outros protagonismos.
Portanto, o sistema precisa de estudo e utopia, dispensa a insciência e a rotina. A Educação não pode estar ao serviço de agendas pessoais e subordinada a cultos de personalidade. Dispensa a demagogia e as abstrusas manobras de silenciamentos vários. Precisa, sim, que os “muros” dos designados estabelecimentos de ensino sejam derrubados para que nasçam estabelecimentos de aprendizagem que rompam com os conceitos de aula e de turma. Existem outros formatos que conduzem ao conhecimento, com rigor, disciplina, exigência, cultura de responsabilidade e qualidade. Do aluno, agente passivo e obediente, torna-se necessário fazer despertar o aluno que mete a mão na massa. Porque “o João todos os dias entra na escola; a escola é que não entra no João”. A pergunta é: porquê? 
“O tempo, como o mundo, tem dois hemisférios: um superior e visível, que é o passado, outro inferior e invisível, que é o futuro” – Padre António Vieira, 1608/1697. Mesmo escapando à vista torna-se necessário trazê-lo ao presente, desenhando-o com a previsibilidade possível, das ciências às artes, ao desporto e à cidadania. E não é com “salas de aula do futuro” e com paleios sobre robótica que se concebe esse futuro. O sistema precisa “de um pensamento globalizante que não se feche nem nas fronteiras do imediato, nem na ilusão de um futuro mais-que-perfeito” – António Nóvoa. 
A Região poderia ser uma referência de excelência educativa, um laboratório, até pela sua pequena dimensão. Não é. Testemunham as arrepiantes taxas de insucesso e de abandono ("65% da população, com 15 ou mais anos, tem, apenas, até o 9º ano de escolaridade”), os níveis de escolaridade dos empresários, a conturbada formação profissional e o medíocre estado cultural. A excelência exige um novo paradigma que respeite os princípios da transformação graduada, a interacção sistémica, a optimização dos meios e a participação das pessoas. Criar futuro implica rebeldia, jamais acomodação, porque o sucesso surge quando se quebram regras tradicionais, fazendo da ousadia uma atitude. Exige-se pensamento inteligente dirigido para “um país, três sistemas educativos”. A Madeira Autónoma deve assumir essa luta em sede de revisão Constitucional, o que não obsta passos consistentes em todos os domínios que o Estatuto Político-Administrativo confere, no quadro das matérias de interesse específico. Se assim não acontecer, acabará por não se justificar a regionalização. Que enervante silêncio!
Disse Einstein: “não há maior sinal de loucura do que fazer uma coisa repetidamente, esperando a cada vez um resultado diferente”. Estarão todos errados?
Ilustração: Google Imagens.

terça-feira, 2 de julho de 2019

O PÂNTANO DA EDUCAÇÃO

Não há ninguém, neste governo, que ponha mão na perseguição política e profissional? O caso do Professor Joaquim José Sousa, da Escola do Curral das Freiras já entrou na esfera de uma intencional acção tendente a prejudicá-lo. Eu diria, amesquinhá-lo, ofendê-lo, colocá-lo mais raso que um chinelo! Já não se trata sequer de olhar para o quadro de uma alegada, eu diria, inventada infracção das normas, mas do exercício de um poder que, julgava eu, as novas gerações já tinham intuido como desconforme as regras sociais entre líderes e subordinados. Eu sei que há uma diferença entre ser líder e ser chefe! 

Pelo Tribunal Administrativo do Funchal foi determinado o regresso imediato do Professor Joaquim Sousa à escola. Mal regressou, quatro dias depois, contrariando a decisão do Tribunal, assumida de acordo com a Lei, o docente foi novamente afastado. Em causa, a criação de um incidente jurídico junto do Tribunal (não sei se é assim que se designa, mas seja como for, a questão não é essa). Enquanto é analisado e não surge um acórdão, o professor continuará suspenso. É este incidicente que aqui me traz. Invocou o Secretário Regional de Educação que seria "gravemente prejudicial para o interesse público" o regresso do docente. Sustentou o secretario que tal regresso acarretaria "prejuízos para os alunos", na medida em que não havia tempo para construir "relações interpessoais", o que redundaria acima de tudo em uma penalização para o "pessoal discente, os pais e encarregados de educação, que são o cerne e a razão de existência do sistema educativo regional". O secretário destacou a Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 266, ponto 1: "A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos".
O mais curioso disto é o facto da escola, no seu regresso lhe ter atribuído um horário com horas de substituição e de acompanhamento e orientação. Portanto, não houve lugar a qualquer mudança no funcionamento (leccionação) das turmas da escola. O que significa que, para além de não cumprir um Acórdão do Tribunal, mentiu a esse Tribunal. Pergunto: neste contexto, em que base assenta o invocado interesse público?
Entretanto, o Professor Joaquim José Sousa, repito, voltou a estar suspenso sem vencimento com consequências penosas para a sua família. E de incidente em incidente o professor completará os seis meses de suspensão. 
Por outro lado, no âmbito de uma audição parlamentar da 6ª Comissão Especializada da Assembleia Legislativa, continuam por esclarecer algumas declarações do secretário regional que não coincidem com a realidade. Contradicções que pressupõem, também, que, alegadamente, não falou de forma verdadeira. Apesar disso, fez-se um silêncio que não abona a seriedade de um governo. 
Independentemente deste aspecto, o que me parece mais chocante é o facto de, perante a perseguição, não haver ninguém que trave a maldade, a mentira e que coloque um ponto final nesta novela de péssima qualidade. E os seis mil e tal professores não terão nada a dizer? Lamento, pois não é esta a classe a que pertenço. A minha é a luta contra as injustiças e contra a ausência de qualquer dignidade. 
Ilustração: Google Imagens.