sábado, 16 de setembro de 2017

ABERTURA DO ANO ESCOLAR E AS PALAVRAS LANÇADAS PARA O AR


Apostar nas novas tecnologias é a estratégia para "não perder o comboio" dos países mais desenvolvidos e "para enfrentar os desafios do futuro da Madeira". E falou de nanotecnologia, impressão em 3D, biotecnologia, ou de manipulação genética. Disse, ainda: 65% dos empregos do futuro, podem não ter sido inventados. "Não sabemos que emprego vão ter as crianças que vão entrar agora nas escolas". São declarações do presidente do governo da Madeira na abertura do ano escolar. (Fonte: DN-Madeira, edição de hoje)


Do meu ponto de vista trata-se de um conjunto de palavras soltas, desenquadradas da realidade e, por isso mesmo, preocupantes em uma visão séria da política educativa regional. Não porque qualquer livro de análise prospectiva não o refira. São tantos os pensadores e futuristas que ensaiam(aram) um prognóstico sobre o futuro, a partir do desenvolvimento científico da época que vivem(ram). Trazer o futuro ao presente e compreendê-lo em todas as variáveis, é uma tarefa não apenas fundamental, como necessária e estruturante do planeamento geral e específico que conduza, por antecipação, às respostas políticas mais adequadas. O problema não reside aí. Isso está nos livros, nas revistas técnicas e científicas, é dito nos fóruns pelos académicos investigadores e pelos considerados "gurus" do pensamento estratégico. A questão é outra e reduz-se a três perguntas tão simples quanto estas: onde estou? onde quero chegar? que passos tenho de dar para lá chegar. Estas questões gestionárias colocam-se na Educação, mas também em todos os sectores, áreas e domínios do crescimento e do desenvolvimento. Ora, é fácil falar-se de nanotecnologia, de manipulação genética ou de engenharia espacial, pois pode, eventualmente, com muita boa vontade da minha parte, corresponder a uma resposta à pergunta: "onde quero chegar". Porém, de que vale, interrogo-me, definir esse objectivo, se não se domina a resposta à questão primeira: "onde estou". E sendo assim, alguém, de boa-fé, consegue definir e dominar "os passos a dar para lá chegar"? 
À partida, embora dê algum ou muito trabalho, depende do interesse, não tem nada de extremamente complexa a caracterização dos dois momentos: onde estou e onde quero chegar, definindo tempos e metodologias de trabalho. Muito mais complexa é a coragem para definir um caminho de interesse para a Região, para o País e para o Mundo gerador de sucesso individual e colectivo. Dirigido a todos, saliento, e não a alguns. Portanto, as palavras só por si não fazem caminhar no sentido da utopia, da vitória sobre o incessante desenho do futuro. E, a propósito, só mais uma nota: como se pode defender uma aposta nas tecnologias "para não perder o comboio" quando, do telemóvel ao Ipad, ponto de partida para o mundo do conhecimento, a sua utilização na Escola é, por múltiplos aspectos, extremamente condicionada? Pois, eu sei, o sistema dita que há um programa para cumprir e o manual continua a ser preferível à utilização da tecnologia. O que diz bem do "onde estamos".
Ora,  as palavras morrem quando não se lhes proporciona significado e asas. Quando o sistema educativo, grosso modo, assenta nos pressupostos do passado e não se vislumbram preocupações que animem um processo de ruptura com  esse passado, como se pode falar, por exemplo, de robotização? Quando o sistema mata a curiosidade e o acto de pensar, quando se mostra centralizador e estandardizado, quando mexe nas bordas e deixa o centro vital intocável, quando se olha para as graves assimetrias existentes na sociedade (para as múltiplas fomes), como pode o presidente falar de tecnologia da manipulação de átomos e moléculas como desígnio educativo desejável? Há etapas que não podem ser queimadas, nem possível é, subir degraus de quatro em quatro, quando falta perna para tal. Aliás, utilizo aqui uma frase feita: quando se repete o passado, não se pode esperar, no futuro, outros resultados que não os desse passado. É o que está a acontecer.
Mas, atenção, se aquelas declarações, em abstrato, denunciam, algum sentido de preocupação relativamente à construção do futuro, então aí desejável seria que o sistema autonómico regional reflectisse, de forma concreta e substantiva, com a imprescindível participação dos académicos, todas as peças do puzzle no sentido da construção do futuro. E não é isso que se verifica. Assisto à emergência de uma meritocracia balofa, com cheques publicitários à mistura, apenas para a fotografia e satisfação dos adultos, à proliferação de palavras ocas de sentido, porque contextualmente desarticuladas e a ímpetos políticos sem escoras que, por isso mesmo, ultrapassam as generalidades e caem nas banalidades conceptuais. Infelizmente, este é um quadro que conta com a complacência de muitos professores.
Finalmente, consta que, Segunda-feira próxima, primeiro dia do novo ano escolar, presidente e secretários regionais regressarão à Escola em visitas cujos motivos não se entendem. Políticos, talvez! Que cada um aproveite e tente perceber as razões da Escola de hoje ser igualzinha à do seu tempo, quando tudo em redor mudou! Já não seria mau. 
Ilustração: Google Imagens.

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