Por
Miguel Palma Costa
Professor de Filosofia
Creio que a felicidade é para todos nós o (grande) objetivo – um desejo, a finalidade, projeto, a motivação, orientação… – das nossas vidas, apesar de vivermos, mais uma vez, numa época de horrores, alguns deles antigos (como os desastres ou catástrofes naturais), outros cíclicos, como a instabilidade política, as crises financeiras, económicas e sociais, os conflitos familiares e a Guerra, lamentavelmente esta última sempre prestes a eclodir em qualquer parte do mundo e a desencadear destruição, sofrimento inimaginável e morte em poucos minutos. O desespero de milhões de cidadãos, o terror que a tragédia da Guerra nos permite observar através da lente de uma câmara de filmar (e a televisão leva rápido as calamidades e as atrocidades aos nossos lares), torna quase impraticável pensar sobre a felicidade na atual conjuntura e é por um triz que não petrifica os nossos corações.
Miguel Palma Costa
Professor de Filosofia
E nas escolas, o modelo educativo que temos (e que se quer inclusivo, inovador e agora capacitado para a transformação digital) inquieta-se com o bem-estar pessoal e profissional de todos aqueles que nela trabalham? A felicidade organizacional é realmente uma das preocupações (e deveres) do sistema educativo nacional e regional? Na Madeira, por exemplo, que entidade pública recolhe evidências e se ocupa da investigação sobre o impacto da felicidade na prática dos docentes e no sucesso escolar dos alunos?
Creio que a felicidade é para todos nós o (grande) objetivo – um desejo, a finalidade, projeto, a motivação, orientação… – das nossas vidas, apesar de vivermos, mais uma vez, numa época de horrores, alguns deles antigos (como os desastres ou catástrofes naturais), outros cíclicos, como a instabilidade política, as crises financeiras, económicas e sociais, os conflitos familiares e a Guerra, lamentavelmente esta última sempre prestes a eclodir em qualquer parte do mundo e a desencadear destruição, sofrimento inimaginável e morte em poucos minutos. O desespero de milhões de cidadãos, o terror que a tragédia da Guerra nos permite observar através da lente de uma câmara de filmar (e a televisão leva rápido as calamidades e as atrocidades aos nossos lares), torna quase impraticável pensar sobre a felicidade na atual conjuntura e é por um triz que não petrifica os nossos corações.
Sobre o importante conceito acima citado, um ex-colega de curso na UCP (pólo de Lisboa) e especialista nestas matérias, Jorge Humberto Dias, diz-nos que a definição de felicidade envolve três grandes tópicos: o primeiro é a avaliação (entre o que correu bem e menos bem); segundo, são os projetos (relativos às ações); e o terceiro, a consciência (a noção ou conhecimento do estado de felicidade), mas outros adicionam-lhe ainda um estado de harmonia, serenidade, paz e a experiência da plenitude. São abundantes os julgamentos e conceções sobre esta antiga e influente ideia grega (a eudemonia, diferente da makariotés ou felicidade suprema), ou seja, numerosas as definições apresentadas por distintos autores, mas numa coisa parecem todos comungar: a felicidade é resultante de se ter praticado e alcançado o Bem (e bastante distinta de prazer, alegria ou satisfação passageira ligada à sensibilidade).
Tema dominante na filosofia grega e tratado por diversos – e os mais relevantes –fundadores do pensamento ocidental, hoje este tema não é (ou então muito raramente) debatido e examinado nas escolas (muito menos dentro das salas de aula) e está, aparentemente, reservado unicamente para reflexão nas ciências sociais, onde sobressaem economistas, ensaístas, filósofos e até poetas. Porém, enquanto escrevo estas linhas, em território continental realiza-se a 1ª Conferência sobre “Happy Schools em Portugal – Da Formação à Intervenção”, uma Ação de Curta Duração, reconhecida e certificada pelo Centro de Formação do Instituto Universitário Atlântica, onde o tema da felicidade será pensado (e promovido) substancialmente na sua relação com a Educação. Do lado de cá, os responsáveis políticos pelo sector, preocupados apenas com os impactos negativos decorrentes dos constrangimentos impostos pela Covid-19 e com os bons resultados dos alunos (sucesso escolar), não aplicam sequer o vocábulo “felicidade” quando falam da escola e nem o apresentam como um dos mais elevados objetivos associados à frequência escolar. Por outras palavras, parece que o sistema educativo em geral, e a escola em particular, esqueceu uma das suas finalidades: a construção da felicidade, a edificação de cidadãos empáticos, autónomos e membros (felizes) de uma comunidade.
Em 2021, o Ranking Mundial de Felicidade (ONU) menciona que os 8 países mais felizes do mundo estão todos localizados “dentro” da União Europeia (UE), e a Finlândia ocupa o primeiro lugar há quatro anos consecutivos, bem distante de Portugal que se situa em quinquagésimo oitavo lugar (dos membros da UE abaixo de Portugal, só mesmo a Grécia e a Bulgária). Ora, esta é uma situação que não nos pode confortar e deve fazer-nos interpelar e investigar as causas/motivos de tal posição. De acordo com o Índice Mundial da Felicidade, em Portugal, 56% das pessoas dizem que “são felizes muitas vezes”, mas este índice apenas usa alguns indicadores como o PIB, a esperança média de vida, o nível de solidariedade, a liberdade individual, a corrupção, mas não mede, por exemplo, o riso. (Parece-me que mesmo sabendo dos benefícios do riso – não só emocionais, mentais, mas também físicos –, depois da grande crise financeira de 2008-2009, agregada, nesta nova década, a uma pandemia sanitária e agora à Guerra na Europa, os portugueses riem cada vez menos.)
Condensando, estamos nós efetivamente mais felizes? Depois de uma pandemia que já dura mais de 2 anos e nos conduziu para a uma nova crise económica e social (entretanto, também política), e que já originou mais de 21 mil óbitos – num tempo em que as pessoas parecem queixar-se, lamentar-se e até refilar mais do poder político e das suas decisões (sobretudo, nas redes sociais) –, somos ou estamos, de verdade, mais felizes? E nas escolas, o modelo educativo que temos (e que se quer inclusivo, inovador e agora capacitado para a transformação digital) inquieta-se com o bem-estar pessoal e profissional de todos aqueles que nela trabalham? A felicidade organizacional é realmente uma das preocupações (e deveres) do sistema educativo nacional e regional? Na Madeira, por exemplo, que entidade pública recolhe evidências e se ocupa da investigação sobre o impacto da felicidade na prática dos docentes e no sucesso escolar dos alunos?
Em 2016, um estudo do Projeto aQeduto – uma parceria entre o Conselho Nacional de Educação e a Fundação Francisco Manuel dos Santos – referia que 14% dos alunos portugueses dizem “sentir-se infelizes na escola, com resultados médios em PISA Matemática de cerca de 30 pontos inferiores aos dos seus pares que se sentem felizes”. O mesmo estudo expunha que a maioria dos alunos ‘infelizes’ frequentava escolas situadas em meios sociais mais desfavorecidos e com piores resultados académicos, e que inclusive existe uma relação direta entre o (bom) relacionamento que os alunos têm com os professores e a felicidade.
Estamos agora em março de 2022 e estou persuadido que uma ligeira (mas apropriada) observação, tendo por base as múltiplas circunstâncias do passado recente e presente, nos conduziria para uma percentagem bem superior de alunos (e, por certo, professores) que se sentem infelizes na escola. Com regularidade se ouve nas salas de aula, corredores, pátios, cantinas ou mesmo na entrada das escolas expressões como “não gosto das aulas”, a “escola é uma seca”, “a escola não ensina nada de novo” ou “eu odeio a escola”… e “assim que puder vou deixar escola”. Fatigados, alheados e desinteressados da escola, pois esta não se adaptou (ou acompanhou) aos novos tempos e às motivações, expectativas e “utilidades” dos alunos, parte significativa das mais novas gerações não encontra felicidade no ato de aprender (prazer pelo conhecimento), não exibe curiosidade, não expressa empatia pela discussão de qualquer tema/problema, furta-se ao pensar e rejeita participar na generalidade das atividades propostas. (Além disto, há uma epidemia silenciosa de solidão e as crises de ansiedade e casos de depressão proliferam na adolescência.) O seu interesse é o telemóvel, os jogos e o que é ‘postado’ nas redes sociais (vivem, em certa parte, alienados do mundo real e o vício da tecnologia é inquietante).
Relativamente aos professores, o retrato – e nível/grau de felicidade – decerto não é muito diferente. Os efeitos desta pandemia, dos confinamentos, das consecutivas crises, das incessantes (e imprudentes) alterações na carreira docente, da revogação de direitos consagrados no seu estatuto profissional, do congelamento de vencimentos e de mais de 9 anos de tempo de serviço prestado, de um modelo de avaliação que não premeia o mérito, da excessiva burocracia, da indisciplina nas salas de aula…, levaram aqueles que muitos consideram como a “elite intelectual do país” a um estado de saturação, exaustão (“burnout”), frustração e de substancial desmotivação que já não olham para a escola como um local de “prazer” e incentivador, apesar de ainda lhe dedicarem grande parte do seu tempo e vida. Os mais ‘anciãos’ na profissão esperam e suspiram pela idade da reforma, e os mais novos, aqueles que saem agora dos bancos das universidades, estes já abdicaram de cobiçar uma carreira que não lhes dá garantias de futuro. O panorama está delineado e agrava-se a cada ano que passa, mas sobeja, pelo menos uma última interrogação: haverá (ainda) vontade política para reverter esta situação e a escola voltar a ser um lugar onde éramos felizes?
Miguel Alexandre Palma Costa
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