segunda-feira, 4 de abril de 2022

Uma manhã na Escola da Ponte. Uma verdadeira inspiração


Acabo de viver uma manhã na Escola da Ponte, na Vila das Aves. Confesso que, durante aquelas duas horas, momentos houve que me comoveram, talvez por ali encontrar a resposta ao vivo sobre o funcionamento de uma escola que sai dos cânones normais, isto é, dos princípios absolutos ditados pela hierarquia política.



Fui recebido à porta pela coordenadora dos auxiliares de educação. Falou-nos da sua escola com um sentido de pertença que nunca tinha vivido ao longo de 40 anos. No pátio de entrada deixou-me com os elementos do Conselho de Gestão. Cumprimentámo-nos e, logo depois, fiquei entregue a dois alunos, a Margarida e o Afonso. Eles os anfitriões da minha visita. Fizeram-me lembrar a história contada pelo falecido pedagogo brasileiro Rubem Alves que um dia visitou aquela escola. A aluna responsável pela visita guiada, ao abrir a porta de entrada, olhou para o Rubem Alves e disse-lhe: "O Senhor para visitar esta escola tem de esquecer tudo o que sabe sobre escolas". Não foi o meu caso, porque, ao longo dos anos, muitas vezes a visitei sem a visitar. Conheço o pensamento do seu mentor inicial, o Professor José Pacheco, e muito do que já foi publicado. E lá fomos...

A Margarida e o Afonso (7º ano), de forma fluente e segura explicaram-me tudo: logo à partida, que ali, as regras, os princípios e os valores da escola, os direitos e os deveres nascem dos próprios alunos e que são ratificados na assembleia de escola. São eles que determinam os compromissos. A qualquer momento retiram ou acrescentam os direitos e os deveres. A pandemia veio perturbar a nossa organização, disse a Margarida, mas aos poucos "estamos a retomar". E os currículos e os programas, questionei. Nas salas estamos por grupos, em mesas de configuração redonda, disse o Afonso, e na mesma sala podem estar alunos do 7º, 8º e 9º anos. Atalhou a Margarida, "eu estou no 7º, mas já me encontro a estudar temas do 8º. Nós decidimos por onde começar as tarefas quinzenais, os mais velhos explicam aos mais novos, nós procuramos, investigamos e, individualmente, quando sabemos, pedimos a avaliação ao professor, que pode ser escrita, oral ou através de trabalhos". Disse o Afonso em jeito complementar: "no mesmo espaço podemos aprender, cada grupo na sua tarefa, o inglês, o castelhano e o português".

O mais contagiante é a serenidade com tudo acontece. Espreito os espaços de aprendizagem e ali constato e experimento o interesse em saber, a compenetração, o computador e o telemóvel como auxiliares, a transversalidade das aprendizagens que rigorosamente nada têm a ver com a imagem de um professor que debita aos alunos tornados meros receptores de uma dada matéria. E que os avalia em conjunto!


Depois da visita, os alunos passaram o testemunho aos membros do Conselho de Gestão. E aí estive em amena cavaqueira com as Colegas Alexandra e Rosa. Passámos em revista tantas preocupações comuns a todas as escolas, falámos do acto de aprender, da função do Professor, da aprendizagem, de uma cidadania activa, da inclusão perante a diferença e do que sentem estes alunos quando saem para uma escola secundária. Que para muitos é um choque. Dialogámos, ainda, sobre a excessiva burocracia e sobre o problema de, apesar do "contrato de autonomia", trabalhar sempre nos limites, isto é, entre a Lei e a capacidade de gerar uma escola desejo, de felicidade e aprendizagem com vida e para a vida.

De regresso ao Porto, revivi todos aqueles momentos, mergulhado em pensamentos sem fim, mas que se esgotam em poucas perguntas: para quê tanta centralização e medo em não gerar uma autonomia plena dos estabelecimentos de aprendizagem? Para quê e para que servem estes inexplicáveis currículos, densos programas e formatos organizacionais padronizados, mesmo com alguma "flexibilidade curricular"? Será que ainda não perceberam que escolas com 1 000/2 000 e mais alunos não são escolas, antes, linhas de montagem de uma fábrica? Porque não se limitam a elencar junto dos estabelecimentos de aprendizagem, os pontos essenciais a atingir no final da escolaridade obrigatória, deixando às escolas a capacidade de se organizarem e de percorrerem caminhos distintivos?

Deixei, para a biblioteca, qual paradoxo, o meu livro "A Escola é uma seca". A Margarida quando viu a capa disse-me: "eu passei por uma outra escola antes desta. Aqui, garanto-lhe que não é uma seca. Na outra, sim".

Obrigado por me terem proporcionado uma manhã de excelência.

Ilustração: Arquivo próprio.

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