Acabo de viver uma manhã na Escola da Ponte, na Vila das Aves. Confesso que, durante aquelas duas horas, momentos houve que me comoveram, talvez por ali encontrar a resposta ao vivo sobre o funcionamento de uma escola que sai dos cânones normais, isto é, dos princípios absolutos ditados pela hierarquia política.
Fui recebido à porta pela coordenadora dos auxiliares de educação. Falou-nos da sua escola com um sentido de pertença que nunca tinha vivido ao longo de 40 anos. No pátio de entrada deixou-me com os elementos do Conselho de Gestão. Cumprimentámo-nos e, logo depois, fiquei entregue a dois alunos, a Margarida e o Afonso. Eles os anfitriões da minha visita. Fizeram-me lembrar a história contada pelo falecido pedagogo brasileiro Rubem Alves que um dia visitou aquela escola. A aluna responsável pela visita guiada, ao abrir a porta de entrada, olhou para o Rubem Alves e disse-lhe: "O Senhor para visitar esta escola tem de esquecer tudo o que sabe sobre escolas". Não foi o meu caso, porque, ao longo dos anos, muitas vezes a visitei sem a visitar. Conheço o pensamento do seu mentor inicial, o Professor José Pacheco, e muito do que já foi publicado. E lá fomos...
A Margarida e o Afonso (7º ano), de forma fluente e segura explicaram-me tudo: logo à partida, que ali, as regras, os princípios e os valores da escola, os direitos e os deveres nascem dos próprios alunos e que são ratificados na assembleia de escola. São eles que determinam os compromissos. A qualquer momento retiram ou acrescentam os direitos e os deveres. A pandemia veio perturbar a nossa organização, disse a Margarida, mas aos poucos "estamos a retomar". E os currículos e os programas, questionei. Nas salas estamos por grupos, em mesas de configuração redonda, disse o Afonso, e na mesma sala podem estar alunos do 7º, 8º e 9º anos. Atalhou a Margarida, "eu estou no 7º, mas já me encontro a estudar temas do 8º. Nós decidimos por onde começar as tarefas quinzenais, os mais velhos explicam aos mais novos, nós procuramos, investigamos e, individualmente, quando sabemos, pedimos a avaliação ao professor, que pode ser escrita, oral ou através de trabalhos". Disse o Afonso em jeito complementar: "no mesmo espaço podemos aprender, cada grupo na sua tarefa, o inglês, o castelhano e o português".
O mais contagiante é a serenidade com tudo acontece. Espreito os espaços de aprendizagem e ali constato e experimento o interesse em saber, a compenetração, o computador e o telemóvel como auxiliares, a transversalidade das aprendizagens que rigorosamente nada têm a ver com a imagem de um professor que debita aos alunos tornados meros receptores de uma dada matéria. E que os avalia em conjunto!
Depois da visita, os alunos passaram o testemunho aos membros do Conselho de Gestão. E aí estive em amena cavaqueira com as Colegas Alexandra e Rosa. Passámos em revista tantas preocupações comuns a todas as escolas, falámos do acto de aprender, da função do Professor, da aprendizagem, de uma cidadania activa, da inclusão perante a diferença e do que sentem estes alunos quando saem para uma escola secundária. Que para muitos é um choque. Dialogámos, ainda, sobre a excessiva burocracia e sobre o problema de, apesar do "contrato de autonomia", trabalhar sempre nos limites, isto é, entre a Lei e a capacidade de gerar uma escola desejo, de felicidade e aprendizagem com vida e para a vida.
De regresso ao Porto, revivi todos aqueles momentos, mergulhado em pensamentos sem fim, mas que se esgotam em poucas perguntas: para quê tanta centralização e medo em não gerar uma autonomia plena dos estabelecimentos de aprendizagem? Para quê e para que servem estes inexplicáveis currículos, densos programas e formatos organizacionais padronizados, mesmo com alguma "flexibilidade curricular"? Será que ainda não perceberam que escolas com 1 000/2 000 e mais alunos não são escolas, antes, linhas de montagem de uma fábrica? Porque não se limitam a elencar junto dos estabelecimentos de aprendizagem, os pontos essenciais a atingir no final da escolaridade obrigatória, deixando às escolas a capacidade de se organizarem e de percorrerem caminhos distintivos?
Deixei, para a biblioteca, qual paradoxo, o meu livro "A Escola é uma seca". A Margarida quando viu a capa disse-me: "eu passei por uma outra escola antes desta. Aqui, garanto-lhe que não é uma seca. Na outra, sim".
Obrigado por me terem proporcionado uma manhã de excelência.
Ilustração: Arquivo próprio.
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