quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Quem nos roubou os longos dias de verão?


Por
Francisco Oliveira
Coordenador da Direcção
do Sindicato de Professores da Madeira

Há poucos anos, o verão era verão até ao fim, ou seja, até ao dia 22 de setembro; agora, o verão acaba no fim de agosto, para prepararmos, logo no início de setembro, o regresso à escola.



Que a escola anda em contraciclo com a vida já, há muito, constataram os que refletem sobre ela, mas que a escola também anda em contraciclo com a natureza é coisa mais recente. Na verdade, repare-se: enquanto o verão se vai estendendo por setembro e outubro fora, com os dias quentes cada vez mais frequentes, as crianças e jovens são obrigados a largar, à pressa, as brincadeiras de verão, logo no início de setembro, para voltarem contrariados à rotina escolar.

É certo que a escola é e continuará a ser fundamental para a formação das gerações mais jovens, mas há muita vida para além dela. Por isso, deixemos as crianças aproveitar os encantos do verão até ao fim. Porquê a pressa de voltar à escola?

Curiosamente, a geração que, hoje, decreta a abertura das aulas no início de setembro, quando jovem, só voltava no dia 1 de outubro. Até lá, tinha tempo para apanhar sol, mergulhar, correr, jogar à bola e calcorrear as serras até mais não poder. Agora, esquecida do prazer que isso lhe dava e inconsciente de quanto esse tempo foi importante para a sua formação integral, manda todos para as salas de aula, enquanto, lá fora, os encantos do verão continuam a brilhar.

Dir-me-ão muitos que tem de ser assim, porque os pais têm de regressar aos seus trabalhos. Dir-lhes-ei que não tem, não, de ser assim, tanto mais que a escola não foi criada para ser depósito de crianças e jovens; antes existe para potenciar o seu desenvolvimento a todos os níveis; existe para os ajudar a pensar, a criar, a manifestar as suas emoções através de formas simples ou artísticas; a desenvolver o prazer pelo conhecimento, pela cultura, por tudo o que as rodeia.

Tudo o mais são imposições sociais que, ainda que importantes, não devem, nunca, pôr em causa a sua missão primordial. A escola, como instituição social, deve ser sensível às preocupações dos alunos e das suas famílias, mas não pode, obviamente, ser manietada de tal forma que a sua essência seja posta em causa.

É certo que a escola tem de evoluir, mas não para ser manietada pelos interesses de uma sociedade focada no trabalho e pouco preocupada com os direitos das crianças e dos jovens e com o seu desenvolvimento harmonioso.

A escola tem de se libertar das amarras centenárias que fazem com que “roube a infância às crianças”, nas palavras de Eduardo Sá. Não podemos continuar obcecados com a ocupação contínua das crianças, de manhã à noite, sete dias por semana e durante doze meses por ano.


A infância é para crescer, devagarinho, sem pressões; a adolescência é para continuar a crescer, devagar, e para errar muito; a juventude é para crescer, mais um pouco, descobrir novos horizontes e encarar a vida com otimismo.

Nada substitui o encanto dos longos dias de verão.

quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Tim Vieira: “É preciso deixar que os jovens falhem e que aprendam com os falhanços”


Na edição do Público, com texto de Cristiana Faria Moreira e fotografia de Catarina Póvoa, segui uma entrevista com o empresário Tim Vieira que criou um projecto educativo denominado "Brave Generation Academy", que visa oferecer aos alunos uma escola diferente. Aos poucos, um pouco por todo o lado, assisto à sementeira de um novo pensamento sobre a Escola. Infelizmente, Portugal não acompanha esta onda. Os governos persistem nas metodologias dos Séculos XIX e XX.



Salienta Tim Vieira a paradoxal realidade: "uma criança que siga o nosso sistema pode ir para (as universidades de) Stanford ou Oxford, mas não pode ir para uma universidade portuguesa, porque não tem a equivalência. E isso é que é difícil, porque as nossas crianças estão a ir para a Holanda, para a Inglaterra, para os Estados Unidos." Muito esclarecedor!

Na Brave Generation Academy (BGA), não há propriamente uma sala de aula ou professores e os alunos podem ir “à velocidade que precisam (...)". Assume que gostaria que assim fosse na escola pública. "Estamos num sistema em que nem os pais, nem os professores, nem as crianças estão muito felizes. Mas com algumas mudanças podemos ter resultados enormes."

Pergunta a jornalista: Acredita na escola pública?
"Acredito numa escola pública com qualidade que dá oportunidades. Não acredito numa escola pública que não prepara as crianças para o mundo de hoje (...) acho que até o Governo sabe que a escola tem de mudar. E que é preciso uma escola pública diferente. Só precisam de coragem para fazer isso acontecer. Neste momento, estamos a tentar tapar buracos, estamos a estragar a vida a muitas crianças todos os anos."


A jornalista insiste: Acha que as crianças não estão no centro das decisões?
"Não, não estão no centro. E é pena. Só quando estiverem no centro é que vamos ter um futuro bom para elas e um país de futuro, mais preparado" (...) Olhei para os meus três filhos e não percebia como é que eles ainda estavam a fazer a escola como eu e os meus avós fizemos. Achei que devia haver uma maneira mais flexível, mais personalizada, mais preparada e relevante para os dias de hoje. E em que conseguiríamos usar a tecnologia online misturada com o melhor do offline, que são as pessoas."

Toda a entrevista pode ser lida aqui: 

sábado, 10 de agosto de 2024

Paris 2024 diz-nos: procurem as causas do desencanto!

 

Em Paris nada de novo. Apenas a confirmação das crónicas debilidades dos sistemas educativo e desportivo nacional. Portugal conseguiu vários "diplomas", aos quais, tenhamos a frontalidade e humildade de assumir, devia juntar-se o "diploma da irresponsabilidade" e o da "falta de visão" sobre como se estrutura um sistema para atingir, a longo prazo, o Olimpo, cumprindo o princípio iniciado em 776 aC, em honra de Zeus, na antiga cidade de Olímpia. Não basta uma representação nacional, mas a qualidade dessa representação. E não se trata, até, de um problema de financiamento, mas de organização, formação e de planeamento. 



Ora, um país que, segundo o Eurobarómetro (edição de 2023), é o último de toda a Europa na prática física e ou desportiva  - inclui as regiões autónomas - (ver nota 1), com apenas 4% de praticantes regulares, 18% com alguma regularidade e 78% raramente (5%) ou nunca (73%) é óbvio que não pode disputar as "coroas de oliveira", hoje, medalhas de ouro, prata e bronze. Não pode! E o mais grave é que aquelas percentagens incluem as idades escolares. Até à véspera do encerramento dos Jogos, somar, apenas, quatro medalhas, que colocam Portugal no 50º lugar dos países presentes, só pode constituir uma continuada desilusão. Nem o ouro de Iúri Leitão/Rui Oliveira consegue disfarçar.

Ora bem, não está aqui em causa a dedicação e o notável esforço dos praticantes, dos seus treinadores e clubes que conseguiram qualificar-se para os Jogos de Paris 2024. Curvo-me perante todos, porque sei do que falo. Tenho presente as palavras de um reputadíssimo treinador, Peter Daland, que sintetizou o treino como "dor, sofrimento e agonia". Daí a minha profunda consideração por todos. Não é isso que está em causa, mas a seriedade (neste caso, a ausência dela) do pensamento que estrutura o edifício da base ao alto rendimento. É pública e notória uma incapacidade para analisar as causas, vendo para além do horizonte, numa atitude política séria que conduza à mudança de paradigma. 

O  melhor exemplo da fragilidade do sistema, com todo o respeito relativamente ao passado da atleta, é a aceitação da participação de Ana Cabecinha, de 40 anos, três meses depois de ser mãe (43ª nos 20 km marcha) e, por outro lado, na ausência de talentos nacionais de topo, se prefira oferecer a nacionalidade portuguesa a outros (Pichardo, nascido em Cuba, ofereceu a Portugal uma das três medalhas) provavelmente, para esconder o problema de fundo que está aos olhos de quem deseja ver. No livro que neste momento leio, a Escola da Alma, de Josep Maria Esquirol, destaco: "(...) Olhar não é difícil. Mas olhar bem custa muito. E na realidade só vê aquele que olha bem". Ora, este profundo desencanto obriga a que se olhe bem e parta para o debate, sério e profundo, indo às causas e, por mais que a mudança doa, há que resetar e partir de novo. Sem isso nada feito.

Trata-se de um problema complexo, eu sei, que mexe com muitos "queijos", mas, desde logo, tenho por certo que a raiz do problema está na Escola, na sua organização estrutural, na ausência de coragem, como escreveu o meu Amigo Filósofo Catedrático Jubilado Manuel Sérgio: na "(...) substituição da disciplina de Educação Física pela de Educação Desportiva que, por sua vez, integraria o que hoje se pratica na Educação Física e no Desporto Escolar. A Educação Física “desportivizou-se” e, portanto, deixou de existir. Aliás, epistemologicamente, já há muito tempo que morreu. (...) É preciso, no meu entender, transformar o Desporto em Cultura e a Cultura em Desporto (...)". Enquanto a escola for aquilo que é, com as federações e associações a se substituírem à escola (a participação quantitativa está na escola e a qualitativa no associativismo) e os apoios assentarem numa lógica completamente insensata, creio que, repetidamente, navegaremos nessa onda do desencanto. 

Começará por aí o nascimento de uma nova mentalidade e, por extensão, os talentos que darão asas aos seus sonhos no dificílimo espaço dos Jogos. Neste contexto, o professor de EF, no quadro do actual sistema educativo (que também está em causa), ao contrário de procurar a igualdade com as outras disciplinas curriculares, deve procurar a diferença. O problema não está na sua formação académica e científica (que é complexa e de excelência), mas porque é diferente. Olhe-se para tanto talento desperdiçado, anos a fio, a perder tempo no cumprimento de exaustivos e repetitivos programas, aulas, testes, avaliações e modalidades que não lhe diz nada, em um completo divórcio entre os sistemas educativo e o desportivo.

Sobre a participação portuguesa neste Paris 2024, onde tudo devia ser escalpelizado, convido-vos, governantes, políticos, professores e dirigentes, desde o Comité Olímpico às federações e associações, a lerem os textos aqui publicados "LUDUS PRO PATRIA", do meu Amigo Catedrático Gustavo Pires: Ludus pro Patria - Gustavo Pires

Aí está tudo. Se continuarem a persistir no erro, em Los Angeles 2028, os resultados serão, novamente, os do desencanto. Com 4% de praticantes regulares não se chega a parte alguma! Certo?

Notas
(1) Pergunta: com que frequência se exercita ou pratica desporto? Por "exercício" entende-se qualquer forma de atividade física que pratica num contexto desportivo ou relacionado com o desporto como natação, treino num centro de fitness ou num clube desportivo, corrida no parque...

Ilustração: Google Imagens.