sábado, 10 de agosto de 2024

Paris 2024 diz-nos: procurem as causas do desencanto!

 

Em Paris nada de novo. Apenas a confirmação das crónicas debilidades dos sistemas educativo e desportivo nacional. Portugal conseguiu vários "diplomas", aos quais, tenhamos a frontalidade e humildade de assumir, devia juntar-se o "diploma da irresponsabilidade" e o da "falta de visão" sobre como se estrutura um sistema para atingir, a longo prazo, o Olimpo, cumprindo o princípio iniciado em 776 aC, em honra de Zeus, na antiga cidade de Olímpia. Não basta uma representação nacional, mas a qualidade dessa representação. E não se trata, até, de um problema de financiamento, mas de organização, formação e de planeamento. 



Ora, um país que, segundo o Eurobarómetro (edição de 2023), é o último de toda a Europa na prática física e ou desportiva  - inclui as regiões autónomas - (ver nota 1), com apenas 4% de praticantes regulares, 18% com alguma regularidade e 78% raramente (5%) ou nunca (73%) é óbvio que não pode disputar as "coroas de oliveira", hoje, medalhas de ouro, prata e bronze. Não pode! E o mais grave é que aquelas percentagens incluem as idades escolares. Até à véspera do encerramento dos Jogos, somar, apenas, quatro medalhas, que colocam Portugal no 50º lugar dos países presentes, só pode constituir uma continuada desilusão. Nem o ouro de Iúri Leitão/Rui Oliveira consegue disfarçar.

Ora bem, não está aqui em causa a dedicação e o notável esforço dos praticantes, dos seus treinadores e clubes que conseguiram qualificar-se para os Jogos de Paris 2024. Curvo-me perante todos, porque sei do que falo. Tenho presente as palavras de um reputadíssimo treinador, Peter Daland, que sintetizou o treino como "dor, sofrimento e agonia". Daí a minha profunda consideração por todos. Não é isso que está em causa, mas a seriedade (neste caso, a ausência dela) do pensamento que estrutura o edifício da base ao alto rendimento. É pública e notória uma incapacidade para analisar as causas, vendo para além do horizonte, numa atitude política séria que conduza à mudança de paradigma. 

O  melhor exemplo da fragilidade do sistema, com todo o respeito relativamente ao passado da atleta, é a aceitação da participação de Ana Cabecinha, de 40 anos, três meses depois de ser mãe (43ª nos 20 km marcha) e, por outro lado, na ausência de talentos nacionais de topo, se prefira oferecer a nacionalidade portuguesa a outros (Pichardo, nascido em Cuba, ofereceu a Portugal uma das três medalhas) provavelmente, para esconder o problema de fundo que está aos olhos de quem deseja ver. No livro que neste momento leio, a Escola da Alma, de Josep Maria Esquirol, destaco: "(...) Olhar não é difícil. Mas olhar bem custa muito. E na realidade só vê aquele que olha bem". Ora, este profundo desencanto obriga a que se olhe bem e parta para o debate, sério e profundo, indo às causas e, por mais que a mudança doa, há que resetar e partir de novo. Sem isso nada feito.

Trata-se de um problema complexo, eu sei, que mexe com muitos "queijos", mas, desde logo, tenho por certo que a raiz do problema está na Escola, na sua organização estrutural, na ausência de coragem, como escreveu o meu Amigo Filósofo Catedrático Jubilado Manuel Sérgio: na "(...) substituição da disciplina de Educação Física pela de Educação Desportiva que, por sua vez, integraria o que hoje se pratica na Educação Física e no Desporto Escolar. A Educação Física “desportivizou-se” e, portanto, deixou de existir. Aliás, epistemologicamente, já há muito tempo que morreu. (...) É preciso, no meu entender, transformar o Desporto em Cultura e a Cultura em Desporto (...)". Enquanto a escola for aquilo que é, com as federações e associações a se substituírem à escola (a participação quantitativa está na escola e a qualitativa no associativismo) e os apoios assentarem numa lógica completamente insensata, creio que, repetidamente, navegaremos nessa onda do desencanto. 

Começará por aí o nascimento de uma nova mentalidade e, por extensão, os talentos que darão asas aos seus sonhos no dificílimo espaço dos Jogos. Neste contexto, o professor de EF, no quadro do actual sistema educativo (que também está em causa), ao contrário de procurar a igualdade com as outras disciplinas curriculares, deve procurar a diferença. O problema não está na sua formação académica e científica (que é complexa e de excelência), mas porque é diferente. Olhe-se para tanto talento desperdiçado, anos a fio, a perder tempo no cumprimento de exaustivos e repetitivos programas, aulas, testes, avaliações e modalidades que não lhe diz nada, em um completo divórcio entre os sistemas educativo e o desportivo.

Sobre a participação portuguesa neste Paris 2024, onde tudo devia ser escalpelizado, convido-vos, governantes, políticos, professores e dirigentes, desde o Comité Olímpico às federações e associações, a lerem os textos aqui publicados "LUDUS PRO PATRIA", do meu Amigo Catedrático Gustavo Pires: Ludus pro Patria - Gustavo Pires

Aí está tudo. Se continuarem a persistir no erro, em Los Angeles 2028, os resultados serão, novamente, os do desencanto. Com 4% de praticantes regulares não se chega a parte alguma! Certo?

Notas
(1) Pergunta: com que frequência se exercita ou pratica desporto? Por "exercício" entende-se qualquer forma de atividade física que pratica num contexto desportivo ou relacionado com o desporto como natação, treino num centro de fitness ou num clube desportivo, corrida no parque...

Ilustração: Google Imagens.

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