Por
Gustavo Pires
Professor Catedrático Jubilado
da Faculdade de Motricidade Humana
Nenhum programa de preparação olímpica, algum dia, poderá cumprir, com eficiência e eficácia, uma missão estratégica que só pode competir ao Estado.
Certamente encantado por uma olímpica cultura “dixit” que, em matéria de desenvolvimento, reduziu o desporto a uma inútil verbosidade burocrática que só serve para alimentar uma certa comunicação social toldada pelos casos da bola que estão a dar cabo do futebol, o Sr. Secretário de Estado do Desporto de seu nome Pedro Dias, relativamente aos medíocres dados da prática de atividade física e desportiva dos portugueses, divulgados pelo Eurobarometer (2022), numa entrevista ao jornal Público (2024-07-02), afirmou ter “algumas dúvidas quanto aos termos metodológicos e à forma como a recolha dos dados é feita”. E acrescentou: “o problema é mais profundo”, sem especificar qual a profundidade. Ao fazê-lo, cumpriu a máxima de Dario III e matou o mensageiro, quer dizer, o tal relatório elaborado pela TNS Opinion que produz os trabalhos de base necessários para a produção estatística, entre outras entidades, da Comissão Europeia.
Antes de alinhar no discurso instituído pela nomenclatura associativa que, regra geral, se esquece de declarar os seus interesses relativamente às situações em que opina, a tutela política devia ler a entrevista do Ministro do Desporto José Lello (1944-2016) que, parafraseando, afirmava haver no dirigismo desportivo um discurso pouco claro e pouco rigoroso, sem objetividade que cultiva o hábito de ficar tudo no ar, instila desperdício e despesismo e é movido por factos consumados. (Público, 2001-03-23). Pois bem, alguém devia informar Pedro Dias que se alguma coisa mudou foi para pior. E, a menos que se mude a vigente cultura inculta, que reduziu o desenvolvimento do desporto: (1º) Às preocupações sobre o “dress code” das olímpicas cerimónias; (2º) Aos discursos de vulgaridades niilistas que aniquilam valores e destroem convicções e; (3º) Ao relativismo ético-moral que confunde e baralha os princípios da igualdade e da equidade que devem presidir à justiça social, a tendência é, naturalmente, para piorar.
Em matéria de atividade física e desportiva, a metodologia aplicada pelo Eurobarometer nos 27 países da União Europeia (UE) tem vindo a ser progressivamente afinada desde o ano 2002. E quem cruzar os dados dos diversos países com outros indicadores sociais, chegará à conclusão de que a comparação traduz, senão uma situação coincidente, pelo menos, muito próxima da realidade. Desde logo porque o desporto é um produto da dinâmica político-social. Segundo o Eurobarometer (2022), 4% dos portugueses com mais de 14 anos de idade dizem praticar desporto com regularidade, 18% com alguma regularidade, 5% raramente e 73% nunca. Ora, esta situação, se não coincide, está muito próxima da realidade. A partir do Eurobarometer (2022) consideremos as seguintes premissas:
1. Dos 9 109 225 portugueses com mais de 15 anos de idade (INE/PORDATA:2022), 4% (364 369) diz praticar atividade física e desportiva com regularidade e 18% (1 639 666) diz praticar com alguma regularidade;
2. Segundo o Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ) (2024), tendo em atenção os dados relativos ao ano de 2022, existem 686 214 praticantes inscritos nas federações desportivas nacionais o que representa 7,5% da população com mais de 15 anos de idade. Entre os 4% de praticantes regulares do Eurobarometer e os 7,5% do IPDJ existe uma diferença de 3,5 pontos percentuais que interessa investigar.
Mas, como mais importante do que conhecer aquilo que existe é compreender aquilo que está a mudar, vamos analisar os dados do IPDJ durante o corrente século tendo em atenção três momentos (2000; 2012 e 2022) a fim de melhor se compreender a situação e, finalmente, confrontarmos os números de 2022 do IPDJ com os do Eurobarometer (2022).
Dos dados do IPDJ decorre que, desde 2000, o número de praticantes desportivos federados tem vindo a aumentar:
• Em 2000: 322 761;
• Em 2012: 524 093;
• Em 2022: 686 214.
Entretanto, é necessário olhar para estes números em pormenor e dar-lhes o devido desconto, na medida em que neles estão incluídas atividades como o aeromodelismo, a columbofilia e, entre outras, o xadrez que, numa acção moderna, não são considerados desportos. Também importa esclarecer em pormenor o que se passa nas várias modalidades. Por exemplo, entre outros aspetos, em 2023, embora os dados ainda sejam provisórios, o voleibol, à custa de programas básicos de iniciação na modalidade como o “gira vólei”, numa iniciativa similar à da ginástica com o chamado projeto “play gym”, apresenta um volume de 59.202 praticantes superando desportos como o:
• Atletismo: 21 875;
• Andebol: 48 594;
• Basquetebol: 30 833.
A Federação Portuguesa de Natação (FPN) também apresenta uma situação singular. Em 2012, tinha 11 232 praticantes para, em 2023, aumentar para um volume de 103 494 praticantes. Em matéria de prática desportiva federada, trata-se, evidentemente, de um número inflacionado de praticantes em consequência dos alunos inscritos nas múltiplas “escolinhas de natação” espalhadas pelo continente e ilhas, em utilitários programas de aprendizagem e manutenção primária “certificada” através de um programa promocional designado “Portugal a Nadar”.
O que é que não conseguiria a FPA com uma iniciativa semelhante à do voleibol, à da ginástica ou à da natação?
Nas circunstâncias de cada federação, não se põe em casa a veracidade dos números apresentados, mas é imperioso definir rigorosamente qual o critério de elegibilidade dos praticantes desportivos federados, masculinos e femininos nos vários escalões etários e determinar o sistema de apuramento e controlo de dados fornecidos pelas federações que devem obedecer a normas claramente estabelecidas e respeitadas sob pena de, no quadro de afetação dos recursos públicos, por deficiente informação, se acometerem injustiças. Já em 2016, José Leandro, ao tempo presidente da Federação Portuguesa de Vela (FPV), num documento de 15 de janeiro, alertou a tutela político-administrativa para o facto de o financiamento ao desporto federado “não ser consubstanciado em nenhum modelo equitativo visível” pelo que, entendia que a FPV estava a ser prejudicada. O problema é que a situação de inflação do número de praticantes federados através de crianças tanto dá jeito às federações que esperam receber da tutela mais uns euros, como à própria tutela protagonizada ao longo do tempo pelos partidos da governação que, assim, veem aumentar a prática desportiva federada que, sem cosméticas, apresenta valores abaixo da linha de água.
O que é facto é que os resultados estatísticos apresentados pelo IPDJ estão a aumentar à custa do número de praticantes dos escalões etário de “até juniores” e de veteranos. A evolução da estrutura etária do desporto federado do ano 2000 ao ano de 2022 apresenta a seguinte evolução:
• 2000: “Até juniores” (45,38%); Juniores (12,34%); Seniores (31,51%); Veteranos (2,35%);
• 2012: “Até juniores” (58,01%); Juniores (9,34%); Seniores (26,67%); Veteranos (5,97%);
• 2022: “Até juniores” (57,16%); Juniores (7,37%); Seniores (20,94%); Veteranos (14,53%).
Quanto aos praticantes “até juniores”, já o referimos, há muito que algumas federações contabilizam como praticantes desportivos federados simples crianças. E a situação tem-se vindo a generalizar. A taxa de praticantes “até juniores”, na estrutura etária do desporto federado nos momentos indicados apresenta os seguintes valores:
• Em 2000: 45,38%;
• Em 2012: 58,01%;
• Em 2022: 57,16%.
Milhares destes ditos praticantes federados são crianças que não obedecem ao critério estatístico do Eurobarometer que só considera alguém como sendo praticante de atividades físicas e desportivas a partir dos 15 anos de idade. Não haveria qualquer problema, antes pelo contrário, se as coisas ficassem por aqui. Mas não acontece assim. Estas crianças, através de atividades de promoção de pouca consistência, para além da cosmética propagandística e nenhuma projeção estrutural relativamente à organização do futuro, são contabilizadas para efeitos das estatísticas oficiais e, depois, simplesmente, descartadas porque o sistema não tem capacidade, criatividade ou até vontade para as absorver. Em consequência, de 2000 a 2022, deu-se um aumento de 11,78 pontos percentuais na estrutura de prática “até juniores”. Um aumento que se traduz numa prática virtual na medida em que:
Em 2000 a taxa de descarte anual dos jovens até aos 18 anos de idade foi de 72,81%;
• Em 2012: 83,90%;
• Em 2022: 87,11%;
• De 2000 a 2022 deu-se um aumento de 14,3 pontos percentuais na taxa de descarte;
• Há desportos em que a taxa de descarte anual supera os 90%.
Nenhum sistema desportivo terá alguma vez êxito a funcionar com taxas de descarte desta dimensão. Quanto ao escalão etário de veteranos, na contabilidade das federações, de 2000 a 2022, aconteceu um aumento de 12,18 pontos percentuais. A sua evolução na estrutura etária foi a seguinte:
• Em 2000: 2,35%
• Em 2012: 5,97%
• Em 2022: 14,53%.
Nos últimos dez anos o aumento do escalão de veteranos na estrutura de praticantes foi de 8,56 pontos percentuais o que denuncia um sistema desportivo nacional no caminho dos dinossauros. À semelhança dos praticantes “até juniores”, os veteranos estão, ilusoriamente, a servir para aumentar o volume total da prática desportiva federada. Até já há federações a apelarem para que os praticantes informais veteranos, com uma prática desportiva recreativa esporádica, se federem só para aumentarem o volume estatístico do respetivo desporto. Esta situação, se fosse devidamente contabilizada, até seria de louvar, todavia, trata-se, tão só, de um expediente a fim de iludir a tutela político-administrativa. Mas o mais grave da estrutura etária do desporto federado português tem a ver com os grupos intermédios de praticantes juniores e seniores que, no seu conjunto, suportam a competição formal de onde decorre o alto rendimento:
1. De 2000 a 2023, a involução da posição conjunta dos grupos etários de juniores e seniores na estrutura total de praticantes foi a seguinte:
• Em 2000 os representavam 43,85%;
• Em 2012 representavam 36,01%;
• Em 2022 representavam 28,31%;
• Em 2023 representavam 26,72%.
2. No seu conjunto o número de praticantes juniores e seniores, de 2000 a 2022, sofreu uma redução de 17,13 pontos percentuais a uma média de 0,74% ao ano. O desporto nacional nunca atingirá os valores médios da prática de base ao alto rendimento dos países da UE conduzido por gente cheia de pressa que, tomada pela Síndrome da Galinha dos Ovos de Ouro, julga ser possível, através de um programa de preparação olímpica, correr a Maratona como se corre uma prova de velocidade. Gente que anda nisto há, pelo menos, vinte e cinco anos.
Se, a partir das estatísticas do IPJD, compararmos o somatório dos praticantes juniores e seniores relativos ao ano de 2022 que perfazem um total de 194 229 verificamos que se trata de um valor bem inferior ao que resulta dos 4% dos praticantes regulares indicados pelo Eurobarometer que totalizam 363 636 mil.
A questão estatística do desporto é de fundamental importância para o seu desenvolvimento. Planeia-se aquilo que se conhece e o planeamento será tanto mais eficaz quanto mais for suportado em dados quantitativos credíveis que, posteriormente, permitem avaliar os resultados. Um sistema desportivo sem uma inquestionável base estatística de sustentação, animado por uma cultura de mediocridade, incompetência e irresponsabilidade, por mais planos estratégicos que se façam que nunca passarão de ilusionismo, nunca saberá para onde deve ir nem onde quer chegar. A confirmá-lo, à parte de um ou outro resultado de excelência de atletas de exceção gerados no desporto nacional, aí está a equipa portuguesa que vai participar nos JO de Paris (2024) que, parafraseando esse enorme treinador de atletismo que foi António Fonseca e Costa relativamente aos JO de Los Angeles (1984), ― mesmo antes de partir, já está derrotada. Não pelos atletas ou treinadores, mas por dirigentes associativos e políticos que insistem num programa que está a dar cabo da estrutura e da dinâmica do desporto nacional. E, hoje, o sistema desportivo português encontra-se num círculo vicioso.
Desde 2000, capturado por um absurdo programa de preparação olímpica, a funcionar no espírito tuga do “lá vamos cantando e rindo” que nada tem a ver com o espírito olímpico do Citius, Altius, Fortius, como já tivemos oportunidade de referir, levou quatro vezes mais atletas aos JO e desperdiçou 62,55 M€, que fizeram falta à promoção da prática desportiva de base que deixou de alimentar o alto rendimento. E porque os “níveis de integração” no programa de preparação olímpica (cf. Programa de Preparação Olímpica / Tóquio 2024 (IPJD/COP, p. 6), concebidos sobre o mantra do “não se discriminarem atletas em nome de uma seleção de elite”, em confronto com os critérios de elegibilidade para os JO determinados pelas Federações Internacionais (FI), são mais uma prova do quanto o sistema desportivo nacional não está a responder aos jovens portugueses, às famílias, ao desenvolvimento do desporto da base ao alto rendimento e ao País. Em resultado, depois de um financiamento de 22 M€:
1. Dos 116 atletas previstos para competirem nos JO de Paris (2024) (80% de 145 integrados no programa de preparação olímpica) só 73 (50,31%) vão estar presentes. Note-se que no JO de Helsínquia (1952) Portugal esteve representado por 71 atletas;
2. Portugal só vai competir em 15 desportos quando foi previsto competir em 17. Mas, considerando que nos 15 desportos estão incluídos três novos desportos (breaking, skateboarding e surf) que só passaram a fazer parte do Programa Olímpico do Comité Olímpico Internacional (COI) nos JO de Tóquio (2021), na realidade, Portugal só vai competir em 12 desportos.
3. De Sydney (2000) a Tóquio (2021), já o referimos, Portugal esteve presente em 22 desportos. Todavia, só 7 estiveram sempre presentes em todas as edições dos JO ou 8 se considerarmos o triatlo presente desde 2004.
4. E Portugal não vai participar em desportos como o badminton, o boxe, a esgrima, o futebol, o golfe, a luta ou o taekwondo.
E, ao cabo de mais de cem milhões de euros, Portugal leva aos JO de Paris (2024) menos 43 atletas do que aqueles que estava previsto levar a um custo para o erário público de 301,4 mil euros por atleta quando, em Tóquio (2021), o custo por atleta ficou em 201,1 mil euros. E, se para os JO de Pequim (2008) foram previstas 5 medalhas falhadas, para os JO do Rio (2016), em grandes parangonas, foram anunciadas 12 medalhas (Público, 2015-11-11), quer dizer, um doze avo daquilo que viria a acontecer para os JO de Paris (2024) a nomenclatura limitou-se a programar os seguintes objetivos:
• 4 medalhas;
• 15 diplomas;
• 36 classificações entre os 16 primeiros;
• 57 pontos entre os 8 primeiros.
Mas, ao cabo de trinta anos a falar de preparação olímpica, a nomenclatura foi incapaz de indicar os desportos, os eventos ou os atletas. Em consequência, mais uma vez, as olímpicas previsões estão mais perto dos favores dos deuses do que da competência dos homens, o que revela, tão só, o estado de inconformidade de um programa completamente inútil a funcionar, não na base da propaganda oficial do “unidos somos mais fortes”, mas na expressão desse grande dirigente desportivo que foi Acácio Rosa, na base do “todos ao molho e fé em Deus”.
Perante mais este olímpico fracasso, a fim de criar uma “barreira de fumo”, a nomenclatura político-associativa, “embandeirou em arco” porque o número de mulheres (37) superou o número de homens (36). Um patético “embandeirar em arco” sem qualquer significado se, por mera hipótese académica, as equipas masculinas de andebol e futebol tivessem conseguido o projetado apuramento. Portanto, o que se espera é que as burocracias institucionalizadas não prejudiquem a natural linha de tendência da evolução do desporto entre as mulheres uma vez que a olímpica corporação desportiva é pródiga em, para além das boas práticas, utilizar as mulheres tal como uma rosa decorativa, cujo destino é o caixote do lixo logo que, aos olhos da nomenclatura macho, a rosa murchar. E, por isso, até se esqueceram de informar que o número de mulheres só superou o dos homens, devido a uma política desastrada de naturalizações de aviário sem qualquer sentido.
Continuando entre as mulheres, no presente ciclo olímpico, uma das estórias que, certamente, ficará para a história de um desporto que não sabe onde está nem para onde vai, está a ser vivida por duas mulheres, ambas judocas, que acabaram por não protagonizar um momento partilhado das suas vidas o que prova a inutilidade de um programa de preparação olímpica que não serve os atletas, os clubes, a federação e o País. Telma Monteiro (n. 1985), uma judoca de excelência com um currículo desportivo impressionante, querida e estimada pela generalidade dos portugueses que se interessam pelo desporto, devido a uma lesão, não conseguiu o apuramento para os JO de Paris (2024). Esta situação, embora de lamentar, acontece circunstancialmente no alto rendimento pelo que sendo de lamentar não é de estranhar. O que não se percebe é como, ao cabo de trinta anos de um programa de preparação olímpica, um desporto como o judo com uma tradição portuguesa que vem da participação nos JO de Tóquio (1964) de Fernando Costa Matos (de quem, em 1968, no INEF, fui aluno), perante a quebra de uma atleta já a atingir o limite da carreira, não tenha na linha competitiva, pelo menos, uma atleta, se possível duas, capazes de a substituírem!
E, enquanto os portugueses ainda digeriam com dificuldade a ausência de Telma em Paris, foram surpreendidos com a notícia de que a judoca (-57 Kg) portuguesa Mariana Carvalho Esteves (n.1996) havia obtido a qualificação para os JO de Paris (2024), não em representação de Portugal, mas da Guiné-Conacri. E, claro, a primeira pergunta que, certamente, muitos portugueses formularam foi: Porque é que a Mariana não foi selecionada para ir aos jogos no lugar deixado vago pela Telma? Tanto mais que, Mariana, perante a Federação Internacional de Judo e o Comité Olímpico Internacional, até podia estar numa posição elegível para poder ocupar o lugar deixado por Telma Monteiro. De ascendência africana por parte da mãe, a Mariana, desde muito cedo, começou a praticar judo. Em 2014, aos 18 anos de idade, em representação de Portugal, conquistou um 3º lugar no Mundial de Juniores. Desde então, apesar de vários resultados significativos nacionais e internacionais e de ter estado integrada no famigerado programa de preparação olímpica, aquilo que devia ter sido uma carreira bem pensada e programada através de um processo competente no domínio do alto rendimento a decorrer, de A a Z, sob a responsabilidade do Estado, não passou de um rodopio de paradoxos e contradições e mal-entendidos impossíveis de entender. O que acabou de acontecer foi uma inacreditável quebra na linha de progressão nos -57KG que já vinha do tempo de Filipa Cavalleri em que, num sistema em que o Estado, à revelia da Constituição, não tivesse abdicado das suas responsabilidades e obrigações, podia ter sido ocupada pela Mariana ou outra judoca na linha do alto rendimento do judo nacional.
Um qualquer sistema de alto rendimento desportivo deve:
• Estar perfeitamente integrado no processo global de desenvolvimento do desporto nacional;
• Começar na escola na disciplina de educação física cujo programa deve ser concebido e organizado em função dos grupos etários, por áreas ou especialidades e de acordo com os interesses dos alunos e do País e não ao serviço dos interesses corporativos dos professores;
• Prosseguir no desporto escolar em programas do lazer desportivo ao rendimento desportivo;
• Espalhar-se por todo o território nacional, através de uma estrutura piramidal de clubes de base ao alto rendimento;
• Ser, do ponto de vista técnico, coordenado de A a Z pelas federações cujos dirigentes devem ser responsabilizados;
• Do ponto de vista político, deve decorrer sob a responsabilidade do Governo do País, através de um gabinete técnico que, no quadro das estruturas político-administrativas tenha os recursos, os meios humanos e as competências sistémicas para o efeito. Nenhum programa de preparação olímpica, algum dia, poderá cumprir, com eficiência e eficácia, uma missão estratégica que só pode competir ao Estado.
É assim que se passa na generalidade dos países. Os Comités Olímpicos Nacionais (CONs) não têm vocação, competência técnico-política nem legitimidade democrática para tal. Quando não se sabe para onde se quer ir qualquer caminho serve. Ora, quando qualquer caminho serve o destino certo é chegar-se a lado nenhum que é onde o desporto nacional se encontra.