Por
Andreia Sanches
Público
Caro leitor, cara leitora,
Nem sempre estamos em 1.º lugar nos estudos da OCDE sobre educação, mas no que diz respeito ao stress dos professores, estamos. O TALIS 2024 (Teaching and Learning International Survey) é o maior estudo internacional sobre professores. A última edição foi feita com base em questionários a 280 mil docentes, de 17 mil escolas, de 55 sistemas educativos, incluindo Portugal. Tem a chancela da OCDE.
Uma das perguntas a que procura dar resposta é esta: quais são as principais fontes de stress e mal-estar que estes profissionais identificam no seu trabalho? Ponto prévio: são comuns a muitos sistemas educativos. Mas não atacam com a mesma intensidade.
Em 1.º lugar: excesso de trabalho administrativo. É um mal generalizado, apontado por 79% dos inquiridos portugueses. Em nenhum outro país a percentagem dos que dizem que o trabalho administrativo é algo que provoca "bastante ou muito" stress é tão grande (a média da OCDE é 52%). Entre os professores com mais dez anos de experiência, uns estrondosos 80% elegem a burocracia como uma grande fonte de stress.
Em 2.º lugar: "ser responsabilizado pelo desempenho dos alunos". Na OCDE, “em média, 45% dos professores afirmam que ser responsabilizado pelo desempenho dos seus alunos é uma fonte significativa de stress”. Mas em nenhum outro lugar como em Portugal há tantos professores a acusarem essa pressão: 78%. Em países como a Islândia ou a Finlândia, são menos de um terço.
Em 3.º lugar: excesso de tarefas relacionadas com a avaliação dos alunos, como corrigir testes e preencher grelhas; 77,4% dos portugueses consideram que é uma fonte de stress, contra 43% na OCDE. Portugal está, também neste indicador, em 1.º lugar. Lidar com as preocupações dos pais dos alunos (muitas das quais serão, presumivelmente, relacionadas com o sucesso, ou falta dele, dos filhos) também preocupa bem mais os portugueses, 61%, do que a média. Tendo em conta que avaliar alunos faz parte da missão, é mesmo importante perceber o que se passa em Portugal. Uma explicação possível é que a fonte de stress n.º 1 tenha algo a ver com isto.
Em 4.º lugar: demasiadas lições para preparar. É uma causa de ansiedade significativa para seis em dez (62,8%) professores portugueses (33% é a média da OCDE).
Em 5.º lugar: a indisciplina dos alunos. Para 62,1% dos portugueses (44,7% na OCDE) este é um importante agente perturbador. Não somos o primeiro, mas somos dos países onde os professores mais se queixam de ter nas suas aulas demasiado barulho e desordem.
A OCDE (ver relatório na íntegra aqui) diz sobre esta pequena indisciplina (mas incómoda, como se vê) que ela acontece num "mundo de smartphones", de miúdos desatentos, de populações escolares com origens cada vez mais "diversas", que não falam as línguas nativas, e onde as crianças com necessidades educativas especiais são cada vez em maior número nas salas de aula.
Mas quando olhamos para edições anteriores, como pode ver mais à frente nesta newsletter, a indisciplina já era um problema antes do “mundo dos smartphones” e das vagas migratórias. Dado relevante: muito mais do que os velhos professores, são os mais jovens os que mais se ressentem dela — 73,6% dos que têm cinco ou menos anos de experiência dizem que lhes provoca muito stress. E são precisamente os jovens aqueles que, segundo a OCDE, são mais frequentemente colocados à frente das turmas mais "complexas".
A verdade é que tudo isto acontece num contexto de crise quase generalizada de falta de professores. Os que estão nas escolas estão a reformar-se — Portugal tem a segunda maior taxa de professores do 3.º ciclo com 50 ou mais anos (60%) logo a seguir à Lituânia. E muitos dos que estão a chegar pensam em desistir — 27% dos portugueses com menos de 30 anos que leccionam no 3.º ciclo têm a intenção de deixar o ensino nos próximos cinco anos.
É por isso que o TALIS 2024 é mais importante do que as anteriores edições (a análise é feita desde 2008, a cada cinco anos). Para garantir que há professores suficientes, é essencial que os decisores políticos considerem o que nos dizem as mais de 300 páginas deste relatório sobre o que mais desgasta e afasta quem está na escola, para que actuem em conformidade. A redução da burocracia escolar, que já tantas vezes foi eleita como prioridade, é, como se vê, uma prioridade.
O ministro da Educação fez coincidir a divulgação do TALIS, na terça-feira, com o anúncio de medidas para aumentar significativamente os números da formação de novos professores.
Lembrou ainda a proibição do uso de smartphones nas escolas, uma das novidades deste ano que, está seguro, terá impacto no comportamento dos alunos.
Sublinhou a aposta deste Governo em ter mais técnicos especializados: "Vamos passar a ter um psicólogo por cada 700 alunos, é quase uma duplicação do que tínhamos."
E anunciou uma “reforma do espaço escolar”, ou, se quiserem, uma “reforma dos recreios”. Não deu detalhes. Ficará para depois das eleições autárquicas.
Já agora, sobre “reformas” na educação, o estudo da OCDE também tem um capítulo sobre isso. “Cerca de 44% dos professores da OCDE afirmam que gostariam de ver um período de estabilidade antes da introdução de novas mudanças nas suas escolas”, lê-se. Portugal está abaixo da média, mas ainda assim 37% partilham do mesmo sentimento.
Não são as "reformas" em si, necessariamente, que causam desgaste, continua o documento quando analisa aquilo que designa por “change fatigue”. É o facto de serem “constantes”, de não serem avaliadas e de não serem acompanhadas do "apoio necessário".
As "mudanças" são um factor de stress para 52% dos docentes portugueses, um pouco acima da média da OCDE, que é de 45,1%. Não somos, portanto, dos que mais sofrem de “change fatigue”. E, muito provavelmente, a julgar pelo TALIS, se for para reduzir as tarefas que não as de dar aulas e a indisciplina, os professores até apreciarão mais algumas.
Outras notícias dos últimos dias:
Há 50 anos a escola abriu-se a todos e estes professores construíram-na. “Ainda sonho que dou aulas”
Até para a semana
Andreia Sanchesasanches@publico.pt
Indicador da semana
Fonte: Estudo de Diagnóstico de Necessidades Docentes de 2025 a 2034
É um dos dados que mostra bem o envelhecimento da classe docente: até 2034, apenas 76 mil dos 122 mil professores que hoje dão aulas vão estar no activo. “Mais de um terço dos docentes vai sair do sistema de ensino em dez anos. É um número enorme”, notou Luís Catela Nunes, coordenador do Estudo de Diagnóstico de Necessidades Docentes de 2025 a 2034, onde constam estas projecções.
O documento foi apresentado esta semana e adianta ainda que, dos 38 mil docentes que as escolas vão precisar de recrutar nos próximos dez anos, 21 mil serão do 3.º ciclo e secundário. Estes ciclos de ensino são especialmente afectados pelo "desinvestimento" e desajustamento que tem existido na formação, que tende a estar concentrada no Norte, quando a falta de docentes se sente hoje mais em Lisboa ou no Algarve, notou o ministro da Educação, Fernando Alexandre.
Para reforçar a formação, foram também assinados esta semana contratos-programa com 11 insiutições de ensino superior público, que receberão um financiamento para cobrir os custos com a formação docente.
Um outro aspecto a destacar é o facto de este cenário vir a acontecer num contexto em que a população estudantil também vai diminuir: em dez anos, deverão estar na escola menos 59 alunos. C.F.M.
Público
Com a devida vénia. Obrigado.
Sem comentários:
Enviar um comentário