Os números são assustadores, apesar de se verificar uma ligeira tendência de recuperação. O tema natalidade é extremamente complexo, envolve muitas variáveis que não devem ser levianamente equacionadas. Confesso que não estou à vontade para tecer um comentário estruturado. Sei o que todos sabem: que o acesso universal à escolaridade e a concomitante entrada da mulher no mundo do trabalho, complementando, significativamente, as receitas familiares, não foi acompanhada de uma necessária reestruturação organizacional da sociedade e, particularmente, do mundo laboral. Trabalho, muitas vezes "escravo", determinado por objectivos a cumprir, conjugado com a precariedade, tornou-se sufocante e impeditivo da necessária confiança. Começou por aí. Depois, juntou-se o tempo de incerteza motivada pelas sucessivas crises de natureza económica. O tema é, portanto, apaixonante e merecia uma grande reflexão no sentido da inversão do saldo fisiológico. Não é, estou convencido, com esta ou aquela autarquia a facultarem € 100,00 por criança nascida que se altera uma questão estrutural.
Mas o que aqui me traz é um outro aspecto. Li, com merecida atenção, uma peça no DN-Madeira de hoje, assinada pelo jornalista João Filipe Pestana, que elenca os números de uma quebra de quase seis mil crianças, no primeiro ciclo de escolaridade, entre 2000/2001 e 2016/2017. O governo, perante estes dados, falou de "fusões" e de "reestruturações". Porém, questionado, não abordou duas questões que me parecem centrais: primeiro, que políticas pensa implementar no sentido da inversão deste quadro; segundo, que orientações serão tomadas para fazer desta "fraqueza" uma "oportunidade" no quadro de uma nova orientação estratégica do sistema educativo. O que pode significar que, no plano organizacional, curricular, programático e pedagógico, sobretudo no Ensino Básico, as mudanças continuarão a ser marginais, de roda do prato e não estruturantes e portadoras de futuro. Ora, quando tantas são as vozes, de investigadores a autores, que colocam em causa este sistema pobre, ineficaz, gerador de abandono e de insucesso (também por múltiplas razões), repetitivo, de cumprimento do manual, segmentado em disciplinas, fundamentado não no conhecimento relevante, mas na obsessão pela avaliação, esta poderia constituir uma grande oportunidade para perceber e implementar que há mais mundo para além dos muros da escola.
Podem conceder à escola a possibilidade de 25% do currículo ser de sua iniciativa. Porém, não é isso que alterará o conceito de aprendizagem. A questão está na mentalidade dos professores no sentido da rejeição das características do actual sistema, está na organização interna, na aprendizagem por temas complexos, no trabalho não segmentado mas interligado, onde tudo tenha a ver com tudo, na aprendizagem que não impeça o questionamento ditado por razões de cumprimento dos programas. O conhecimento e o gosto pelo conhecimento estão muito para além do programa e do manual. Estas, entre muitas outras, deveriam estar na primeira linha das preocupações. Infelizmente, não estão.
Ilustração: Google Imagens.
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