Conduzida por Maria Catarina Nunes, li uma excelente entrevista publicada, no DN-Madeira, no dia 23 de Janeiro. Pelo seu interesse, deixo aqui um excerto que me provocou uma atenção especial. Aquelas palavras muito nos deixa a pensar sobre o Sistema Educativo.
Não há páginas de imprensa suficientes para contar uma conversa com Manuel Sobrinho-Simões. É considerado o patologista mais influente do mundo e é dos maiores especialistas em cancro da tiróide. Criou escolas de patologia em diversos países e, em 1989, fundou o Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (IPATIMUP). Mais tarde, é também responsável pelo I3S, no Porto, o maior instituto de investigação português em Ciências da Saúde, cujo edifício foi agora escolhido para representar Portugal na Bienal de Veneza. É um conversador nato, e toca em temas que vão muito além da saúde e da investigação. Para si, os livros “são objectos vivos” e falta pensamento crítico aos alunos de medicina. Admite que a educação é a sua grande paixão mas, este ano lectivo, depois de completar 70 anos em Setembro, já não dá aulas na Universidade do Porto porque a reforma chegou. Confessa ter “terror” dela (assim como muitos outros medos) e por isso faz o que chama “uma fuga para a frente”. Foi agora eleito professor emérito da Faculdade do Porto e esteve na Madeira a propósito das conferências de Telesaúde e para falar sobre patologia digital. Com o DIÁRIO também conversou sobre a importância da família, a reforma, a morte ou os afectos.
"A cultura das nossas escolas secundárias e das universidades é a cultura da matéria (...) estão treinados para fazer exames"
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"Como são os estudantes portugueses?
Tive alguns tipos depois da Revolução... Eu era vagamente esquerdista e não me podiam expulsar por ser de direita. Quando eles exageravam punha-os no olho da rua. Era um pânico porque ninguém mandava para o olho da rua na pós-revolução. Hoje os alunos de medicina são muito parecidos: muito bons alunos, bem educados, cumpridores. São excessivamente postos por ordem. Temos um problema: são muito bons alunos, tiveram que decorar muito para entrar em medicina, desenvolveram muitas capacidades de memorização, mas não são tipos que tenham vivido muito. Não contam bem histórias, são pouco narrativos, estão treinados a fazer exames de cruzinha, vêem-se muito aflitos nas provas orais. Mas são bem educados, sensíveis e inteligentes. Têm muita pouca graça.
São demasiado pragmáticos?
E postos por ordem, não estou muito contente. Estamos a seleccionar, no ensino secundário, para Medicina (e se calhar para outras áreas) com base na memorização, na capacidade de responder a perguntas teóricas em vez na base do pensamento crítico, da criatividade. Não sei até que ponto, na Medicina, não é mais importante haver criatividade, pensamento crítico. E gostar de pessoas mais do que de coisas. A nossa cultura das escolas secundárias e das universidades é uma cultura da matéria, sobretudo para estas áreas. Na Medicina era importante também desenvolver gosto pela música, pela dança, pelo trabalho colectivo.
Reflectia-se na prática clínica?
Tenho a certeza que sim. Melhorava a capacidade dos médicos conversarem. Também é fruto do que têm para fazer, têm muita informação, têm um computador com um interlocutor, não têm um treino de conversar com doentes que sejam chatos. Isso e a formação está a tirar qualidade à medicina clínica. Clínica significa inclinar, é o tipo que está sobre uma cama. ‘Clinos’ é cama. Médico é o que está no meio. O médico clínico é o que está no meio, mas que além disso se inclina para alguém. Nada disso se está a fazer hoje. Também porque os portugueses gostam muito de análises. Somos o povo mais medicamentado da Europa do euro. O português adora tomar pastilhas e pingos à noite. Outra coisa horrível é que somos, depois da Grécia, o país da Europa do euro que tem mais aparelhos de TAC por habitante. O português adora fazer TAC. Temos uma ideia muito retórica, o valor da palavra, o valor das análises."
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Ilustração: Google Imagens.
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Ilustração: Google Imagens.
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