Por
Arlindo Oliveira
PÚBLICO
2 de Dezembro de 2019
A profundidade do conhecimento não perdeu importância, mas tornou-se mais relevante ter a capacidade de procurar informação adicional e específica sobre determinados temas do que memorizar dados específicos, métodos ou algoritmos
O impacto da chamada quarta revolução industrial no emprego tem sido amplamente debatido e discutido, dando origem a centenas de estudos e artigos de opinião com as mais variadas conclusões. Porém estes estudos exibem bastantes divergências no que respeita ao previsível impacto da tecnologia no número de empregos que virão a estar disponíveis num futuro a médio prazo, eles são geralmente convergentes num aspecto em particular: a importância de preparar os jovens e os adultos para um futuro onde tecnologias como o digital, a robótica, a inteligência artificial, a biotecnologia, os materiais e as nanotecnologias terão um papel importante.
O moderno sistema educativo, baseado no ensino massificado, onde turmas de alunos com idades semelhantes adquirem um conjunto de competências muito semelhantes definidas por currículos padronizados evoluiu nos últimos dois séculos e é por vezes designado de “modelo fabril”, por analogia às linhas de produção em série que caracterizaram a revolução industrial. Embora o mérito desta analogia tenha sido alvo de bastante discussão, não deixa de ser verdade que o actual modelo, baseado na ideia de uniformidade (“one size fits all”) se tem vindo a revelar progressivamente mais desajustado das necessidades dos estudantes e da sociedade, enfrentando pressões com diversas origens.
Por um lado, existe cada vez mais informação disponível na Internet, que permite aos estudantes terem acesso a aulas, seminários, textos e exercícios sobre as mais diversas matérias, o que torna as aulas puramente expositivas menos atractivas. Há 40 anos, um aluno de engenharia interessado em aprender, por exemplo, cálculo diferencial e integral ou mecânica clássica apenas tinha como opções sentar-se em aulas na universidade ou aprender directamente a partir do estudo individual de livros de texto. Hoje, existem centenas de recursos publicamente acessíveis. Acresce que estas novas metodologias, baseadas em sessões de aprendizagem curtas, interactivas e apelativas, são muito mais adequadas aos jovens de hoje, cuja capacidade de concentração em aulas expositivas mais longas é, em regra, inferior à das anteriores gerações, por força da constante e permanente exposição aos novos media.
Por outro lado, a importância da memorização ou do domínio aprofundado de temas muito específicos, em determinadas áreas técnicas e científicas, caiu com a permanente disponibilidade de recursos especializados, acessíveis à distância de um telemóvel, de um computador ou de um programa que execute um determinado conjunto de cálculos. Um especialista poderá sempre aceder a informação adicional sobre uma doença ou usar um programa para calcular o dimensionamento de uma estrutura, para dar apenas dois exemplos. A profundidade do conhecimento não perdeu importância, mas tornou-se mais relevante ter a capacidade de procurar informação adicional e específica sobre determinados temas do que memorizar dados específicos, métodos ou algoritmos.
Finalmente, existe uma crescente percepção da importância da interdisciplinaridade. Cada vez mais as organizações valorizam profissionais que aliam os conhecimentos da sua especialidade (seja ela engenharia, economia, medicina ou outra área técnica) com competência de trabalho em equipa, conhecimentos de outras áreas e capacidade de comunicação. Muitos dos desafios das organizações exigem abordagens interdisciplinares, porque a adopção com sucesso de novas tecnologias requer abordagens sociais, económicas e psicológicas adequadas.
O sistema educativo, em geral, e o sistema de ensino superior, em particular, tem sido relativamente lento a reagir a estes ventos de mudança. A Academia é muito conservadora e resiste, tenazmente, a alterações no modelo de ensino. Na esmagadora maioria dos casos, a formação numa universidade portuguesa de hoje é muito semelhante à formação de há quatro décadas, embora existam relevantes e meritórias excepções.
Não só os currículos dos cursos são semelhantes ao que eram, muitos deles rígidos e permitindo aos alunos poucas alternativas, como as aulas são, em si mesmas, muito semelhantes às que eram leccionadas quando eu andei na universidade, no princípio dos anos 80. Existem excepções, naturalmente, e o curso de estudos gerais da Universidade de Lisboa, que dá aos alunos grande flexibilidade na definição do seu currículo, é uma dessas excepções, aliás muito bem documentada num livro da autoria de António Feijó e Miguel Tamen publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Num relatório da OCDE, sobre o ensino superior português, elaborado a pedido do governo e tornado público em 2018, pode ler-se que “Os programas têm tipicamente estruturas rígidas e são orientados para profissões específicas, permitindo aos alunos uma flexibilidade muito limitada na combinação de disciplinas. Adicionalmente, métodos centrados em aulas tradicionais, com um elevado número de horas de contacto são a norma.” A legislação criada com o Decreto-Lei n.º 65/2018, que extingue os mestrados integrados (cursos monolíticos de cinco anos), com excepção de uma minoria imposta por (muito originais) directivas europeias, veio permitir a diversas áreas, mas especialmente às engenharias, reformular os seus cursos para estarem mais de acordo com as modernas tendências e necessidades.
O Instituto Superior Técnico encarou o desafio criado pela obrigação de transformar os mestrados integrados em cursos de primeiro ciclo (três anos) e segundo ciclo (dois anos) como uma oportunidade para modernizar o ensino da engenharia. No caso do Técnico, a alteração nos currículos incluirá mais interactividade do ensino e uma maior flexibilização dos cursos, permitindo aos alunos uma muito maior liberdade na escolha de opções e áreas de especialização fora da sua área central de conhecimento, como inovação, gestão ou comunicação. Os estudantes terão também, pela primeira vez, a possibilidade de escolher disciplinas de outras faculdades da Universidade de Lisboa, tais como Economia, Direito, Medicina ou Literatura.
Abordagens análogas estão a ser seguidas por outras escolas de engenharia portuguesas, entre as quais a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, as faculdades de ciência e tecnologia da Universidade de Coimbra e da Universidade Nova, a Escola de Engenharia do Minho e a Universidade de Aveiro, que integram, com o Técnico, o Consórcio das Escolas de Engenharia, criado no passado mês de Julho para coordenar e potenciar a capacidade educativa de Portugal nesta área.
Sem comentários:
Enviar um comentário