terça-feira, 28 de abril de 2020

"Há qualquer coisa de podre na Educação"


Tenho dificuldade em encaixar, nos séculos que estamos a viver, um processo de aprendizagem que não parte do aluno, antes, de forma vertical, segue a lógica hierárquica que se inicia no decisor político e termina no professor. Partindo do pressuposto de uma certeza absoluta, o político, segundo as suas convicções, determina, e ao professor compete o rigoroso cumprimento das tarefas. E para que tudo decorra na tal apregoada "normalidade", sobre as suas cabeças deixa a espada da avaliação de desempenho, a tal que acaba por determinar ou não o marcar passo na carreira. Os alunos, esses, genericamente, são os que menos contam neste processo, embora o discurso político enfatize que eles estão no centro das preocupações educativas. Uma falácia!


Estou a seguir a série televisiva "Merlí". Delicio-me de episódio em episódio. Da sinopse da série destaco: "Merlí Bergeron é o novo professor de filosofia. Um professor desajeitado, irreverente e irónico, com uma personalidade forte e pouco convencional. Merlí irrompe pela escola, como um elefante numa loja de porcelanas, determinado a mudar a vida de estudantes e professores com os seus métodos revolucionários. O seu lema é: "Os adolescentes não são tolos, estão simplesmente adormecidos", e o seu objectivo é despertá-los. As suas armas são: Kant, Aristóteles, Platão... filósofos clássicos para ajudar os jovens a enfrentar os grandes desafios da actualidade. Do que podem estas crianças ser capazes se pararem de agir como parte do rebanho e começarem a pensar pelas suas próprias cabeças? Como professor, Merlí faz com que Sócrates, Hume, Nietzsche e outras figuras da história da filosofia ganhem vida para os seus alunos, de modo a ajudá-los, não sem conflitos, a resolver os problemas do quotidiano".

Merlí é apenas um exemplo de como é possível sair do convencional, de um sistema que olha, de forma cega para os rígidos currículos e programas, distantes de um olhar sobre a vida. Contextualizando-a, a atitude de Merlí permite romper com o passado e seguir uma característica transversal, permite aprendizagens significativas, duradouras e portadoras de futuro. O problema, portanto, não está, como por aí foi anunciado, na distribuição com traços políticos, repito, políticos, de mais algumas centenas de computadores, para que os jovens menos favorecidos sigam, a distância, os conteúdos programáticos superiormente definidos. O problema é mais profundo. 

Deste telensino restará zero, porque, fundamentalmente, repete o erro. Transporta o manual e só o manual para casa através dos meios tecnológicos. Naturalmente que a proposta deveria ser outra, com menos encargos e melhores resultados. Até no quadro de uma "experimentação social" de que falou Yuval Noah Harari num artigo recente no Financial Times. Portanto, o actual sistema pode satisfazer o interesse político face a uma população eleitora, ela própria com graves lacunas de formação e entendimento destes processos, mas não serve os desígnios de um conhecimento interligado e transferível. Regresso a Merlí: "há qualquer coisa podre na Educação". Há, obviamente que sim!
Em um episódio da série "Outra Escola" - episódio nº 13, da responsabilidade da RTP, o ex-Ministro da Educação, Guilherme de Oliveira Martins, sintetizou de forma assertiva: 

"Hoje os estudantes dizem que a escola é uma maçada. Nós temos que compreender. Para garantir que a escola não seja, temos de perceber, exactamente, que a escola é um lugar de aprendizagem e a aprendizagem tem a ver com a vida. Não há uma realidade lá fora, que é a vida, e a escola que está cá dentro, na sala de aula". Pergunto: de que vale, então, um professor papaguear o manual, seguindo conteúdos como quem "reza o Terço", se o que resta não se encontra integrado em uma dimensão maior da aprendizagem? Nesse episódio escutei um aluno: "(...) nós andamos tão à pressa para dar mais matéria que esquecemos da outra. Andamos sempre na pressa da próxima que não dá tempo para assentar a última". Outro referiu: "Eu tenho boas notas a História. Terminei com 16 no último período. Mas eu não sei nada do que se deu no período passado. Decorei aquilo para o teste (...)". 

Estas posições levam-me a trazer em pensamento Zygmunt Bauman (trazido à colação por Merlí no episódio de ontem) e o seu conceito de modernidade líquida. Segundo o sociólogo, conceito de acordo com uma época em que as "relações sociais, económicas e de produção são frágeis, fugazes e maleáveis, como os líquidos (...) o que se opõe à modernidade sólida do período anterior, caracterizada pela "rigidez e solidificação das relações humanas, das relações sociais, da ciência e do pensamento". Adequando o pensamento de Bauman à Escola, então, o problema situa-se no facto de os políticos governantes, teimosamente, continuarem a querer vender um "produto" pressupostamente de vanguarda, quando ele se encontra globalmente desadequado das  necessidades e dos interesses dos "clientes". Ora, "se a modernidade líquida tem instituições líquidas, pois cada pessoa é uma instituição, logo a modernidade líquida tem de ser ágil". Infelizmente, não é, sobretudo no espaço da instituição escola.

Neste contexto, confesso, senti um arrepio ao seguir algumas sessões de telensino. Tanto esforço e tanta propaganda para nada ou quase nada. Se na aprendizagem básica havia tanto por onde caminhar, aproveitando o momento para fazer pensar e descobrir a curiosidade na produção de conhecimento, no secundário e sobretudo no ano de acesso ao ensino superior, concordo com Maria Conceição Silva (Público, 19.04.2020) que sublinhou: "Nesta lógica de experimentação social a que a pandemia nos obrigou, seria interessante o Governo ter a coragem de experimentar este ano novas formas de acesso ao ensino superior". O governo preferiu a atitude mais fácil, a do exame conjugada com as folhas de Excel que determinam a ocupação de lugares, muitas vezes desadequadas das vocações.

Socorro-me do que disseram duas figuras na série documental "Outra Escola": por um lado, o Dr. Laborinho Lúcio: "(...) o que hoje se pede às sociedades modernas é cada vez mais cooperação, cada vez mais co-responsabilização para podermos viver aquilo que é a sociedade do risco (...) perante isto, nós não podemos ter uma escola que faz exactamente o contrário (...)"; por outro, a Professora Maria de Assis, Promotora de Práticas Colaborativas - Arte, Cultura, Educação: "(...) nós só aprendemos o que queremos, porque quero ou porque sou levado por alguém que me inspire. Mas depois aprendo por mim mesmo. O conhecimento é uma construção própria. Não é algo que eu fixei e que não sei aplicar em diferentes contextos. Portanto, esta coisa que há um especialista que transmite conhecimento é uma falácia. É fantástico que exista o especialista (...) mas o conhecimento constrói-se por cada um".
Termino, regressando a Merlí: "(...) Estou fartinho de pessoas que dizem que a Filosofia não serve para nada. Parece que o sistema educativo esqueceu as perguntas: quem somos, de onde vimos e para onde vamos. O que interessa é que empresa criaremos e quanto dinheiro ganharemos. A Filosofia serve para reflectir sobre a vida e sobre o ser humano. E para questionar as coisas. A Filosofia e o poder têm uma tensão sexual não resolvida. A Filosofia é virar do avesso tudo quanto damos por sabido. (...) quero-vos acordados, com as antenas ligadas ao que se passa à vossa volta. Preparados para assumir as contradições e as dúvidas criadas pela vida e para enfrentar as adversidades e aprender com as derrotas (...) - passagem do primeiro episódio.
Até onde tudo isto nos levaria... Ai se escutassem os alunos, os professores no quadro de uma visão  sistémica e de futuro! Desde logo perceberiam o tempo que andam a perder com este "telensino". O que assisto não é "estudar com autonomia", mas matar a autonomia e o interesse pelo CONHECIMENTO.
Ilustração: Google Imagens.

NOTA
Agradeço ao meu Colega e Amigo Dr. João Luís, Professor de Filosofia, o facto de me ter sugerido o acompanhamento da série Merlí. Obrigado.

Texto publicado no blogue:

terça-feira, 21 de abril de 2020

A vida em estado de sítio: 19


Por
Eduardo Sá
Psicólogo

1. Os nossos filhos não estão de férias; mas também não estão nas aulas. Os próximos meses não serão, sobretudo, de “estudo acompanhado”. Como aquilo que temos para lhes dar não será, exactamente, ensino doméstico. A quarentena é um período tão híbrido de experiências e exige de todos um esforço tão grande que dá origem a uma nova “telescola”. Que, não sendo a solução “ideal” para responder ao confinamento a que os estudantes estão obrigados, será a (única) solução possível para que, em tempo recorde, eles não estejam sem “ir à escola” entre Março e Setembro.

2. Por mais que esta “telescola” preencha o seu espaço na RTP Memória, tem muito pouco a ver com a outra telescola, de “antigamente”. A primeira, tinha programas de televisão e grupos de alunos aos cuidados de um professor que fazia a “ponte” entre os conteúdos dados, a aprendizagem de cada um e as avaliações. Esta, tem as escolas, cada uma a seu modo, a fazer o seu trabalho da forma possível e a usufruir dos conteúdos suplementares trazidos aos estudantes pela televisão. Com os pais a desempenhar, pelas consequências óbvias do confinamento, o papel de ponte entre a escola e os filhos. E os professores que “melhor conhecem o conjunto do percurso educativo de cada aluno” a avaliá-los. Tomando em consideração o impacto que esta medida terá em todos os estudantes, ela poderá não representar a telescola de “antigamente”. Mas, no seu conjunto, não será só “estudo em casa”. Será, muito mais, escola em casa.

3, Apesar da sua benevolência, esta solução está longe de colocar as crianças em pé de igualdade. Sendo generosa na sua intenção, arrisca-se a acentuar (muito) mais as desigualdades das crianças no seu acesso à escola e ao conhecimento. Porque os recursos informáticos individuais que recomenda e os meios de comunicação que requer não estão, de facto, ao alcance de todos os alunos, por igual. Os números divulgados vão avançando que, do milhão e duzentos mil alunos em casa, haverá 200 000 alunos sem acesso a computador e sem rede. Se, de tudo isto, destacarmos as crianças com “necessidades educativas especiais”, algumas sem os meios adequados para acompanharem a escola, corremos o risco de as ver, nos seis meses que decorrem entre Março e Setembro, com as suas dificuldades aumentadas.

4. Uma família com dois filhos no ensino básico, por exemplo, que repartam o quarto e, naturalmente, a sala e a cozinha, estando (ainda, por algum tempo) os pais nos espaços comuns da casa em teletrabalho, não tem como conseguir dividir com equilíbrio a atenção pelas videochamadas (que, em certas alturas, serão simultâneas), uma aula pela televisão, mais a resposta às dúvidas de um dos filhos, a necessidade de gerir uma bulha ou um acesso passageiro de “mau génio” de uma das crianças. Isto é, a escola em casa corre o risco de funcionar mais como “aulas de compensação”. E compreende-se que seja, de certa forma, assim. Mas será muito difícil - muito difícil, mesmo - que as famílias, com este compromisso-extra sobre os seus ombros, não se “desequilibrem” mais, em muitos momentos. Porque estão cansadas. Porque começam a não saber para que lado se hão-de virar. Porque 960 000 crianças têm menos de 12 anos e isso vai exigir que um dos pais permaneça em casa, com todo o “pacote” de preocupações que a sua relação com o trabalho lhes irá, também, trazer. E porque se arriscam a ter as escolas a exigir-lhes “coisas” que, se em momentos normais seriam adequadas, nesta altura, correm o risco de se tornar exorbitantes.

5. Esta conjuntura obriga-nos a aceitar que nem a família é uma escola nem os pais são professores. E será muito menos uma “escola”, na balbúrdia em que, contra a vontade de todos, se transformaram muitas salas deste país. Com os pais e os filhos a manifestarem a agitação própria de quem está em isolamento há tempo demais. Ou seja, é natural que os conflitos escalem. Por outras palavras, quem imagina que, num contexto destes, as crianças estarão atentas - enquanto os pais, “fervem”, ao exigirem-lhes atenção, e enquanto elas saltitam entre a televisão, o computador e os trabalhos de casa - e que irão aprender, consolidar conhecimentos e interligá-los de forma a que tenham sucesso nas suas aprendizagens, estará a ser, muito “perigosamente”, optimista. Não é que os nossos filhos não queiram corresponder ao desafio que lhes colocamos; querem. Mas aquilo que lhes estamos a exigir é demais.

6. Não percam de vista que os nossos filhos na escola e os nossos filhos em casa não são, em circunstâncias normais, sempre “as mesmas crianças”. E que os nossos filhos antes, durante e a seguir à quarentena não serão, seguramente, iguais. Portanto, não lhes exijam aquilo que exigiriam em circunstâncias normais. Não transformem, por favor, a quarentena num período normal de aulas! Nem percam de vista que já há escolas que pretendem, desde já, que os nossos filhos tenham aulas diárias das 9 às 5. E isso não é razoável! Um esforço desmedido - com as crianças fechadas em casa há tempo demais, a tentarem aprender sozinhas no quarto ou sentadas na sala, com a presença física dos seus pais a tutelá-las o tempo todo (estando, eles, também, a trabalhar) tendo, para mais, esta nova “telescola” a garantir um suplemento de ensino à distância - pode dar lugar a excessos. Ou seja, esta quarentena, nalguns casos, pode traduzir-se em mais aulas, ainda, do que os nossos filhos já, antes, teriam. Tendo as mesmas explicações do costume. E mais trabalhos de casa. Tudo isto numa conjuntura muito difícil para todos. Que, feitas as contas, pode não representar os ganhos que desejaríamos. Quanto às avaliações, elas não poderão ter, neste pedido, o mesmo significado. Então se os nossos filhos forem adolescentes, por exemplo, um teste será muito mais um “trabalho de grupo” do que uma avaliação individual. E as notas que, entretanto, surgirem não podem ter senão um valor que precisa de ser relativizado.

7. Aceitem que os professores terão sobre eles, nesta altura, níveis de exigência quase absurdos para conseguirem chegar a todos os seus alunos: àqueles a quem darão aulas; e aos outros que, não tendo recursos informáticos, ficarão numa espécie de “terra de ninguém” nessas ajudas. E que, muitos, estarão a tentar mobilizar-se para terem os recursos pedagógicos adaptados a todas estas novas exigências, estando em tele-trabalho. E aceitem que os contactos personalizados da escola com cada um dos seus alunos facilmente fará com que não haja professores que cheguem para tantas “encomendas”. E que tudo isto vai exigir muito bom senso da parte dos pais. Acresce que muitos professores têm, também, filhos em idade escolar. E que vão ter, ainda, os pais a pedir-lhes mais colaboração do que já pediriam antes. Tudo junto, não vai ser fácil!

8. Prepararem-se para que o regresso às aulas, em Setembro, não seja fácil para ninguém. Depois de seis meses afastados da escola, dos professores e dos colegas, e com todos os “vícios de forma” que decorrem de estarem tanto tempo fechados - ora em climas um bocadinho “inflamados” ora com condescendências excessivas por parte dos pais - preparem-se para que o “choque” que se venha a dar se estenda por todo o próximo primeiro período. Os nossos filhos estarão entre o excitado e o receoso; estarão um bocadinho “entorpecidos” por terem estado tanto tempo “parados”; e terão, naturalmente, muitas carências de conhecimentos. Logo, a escola vai ter que os recuperar para a aprendizagem ao mesmo tempo que quererá introduzir novas matérias. Ou seja, preparem-se para um primeiro período muito difícil para todos. Professores e pais, claro. Mas, sobretudo para os nossos filhos.

9. Não se esqueçam, também, das crianças do pré-escolar. Daquelas que, em seis meses, poderiam ter “crescido” muito mais em meio escolar e que, na transição dos 5 para os 6, com seis meses de quarentena, vão precisar de famílias e de professores com muito bom senso e numa sintonia “premium” na transição para o ensino básico. Se, habitualmente, a dificuldade está em que elas estejam sentadas, desta vez, essa dificuldade será maior. E não se esqueçam daqueles que, com menos de 5, foram “morrendo de saudades” da sua educadora e dos seus colegas e que, quando regressarem, vão ter que passar, outra vez, por reacções que, nalgumas crianças, vos farão lembrar os primeiros meses de infantário.

10. Preparem-se, igualmente, para ajudar os vossos filhos entre os 10 e os 14/15. Aqueles que imaginam controlar todas as “cenas”. Que, por mais que nos tenham a repetir que não estão de férias, estarão a sentir um controle mais adocicado da nossa parte. Que repartem o dia pelas redes sociais, pelas séries e pelos jogos. Que vão reagir duma forma muito “sua” à obrigatoriedade das aulas, aos pais num estado de nervos permanente, a protestar com as horas a que se chega às aulas da televisão e ao aprumo com que se está numa “escola” que permite que se esteja de “pantufas” Que, quando têm o computador aberto, nem sempre estarão a estudar; e ora estão a jogar, ora a navegar pelas redes sociais como “a socializar”. E que tão depressa vão para a cama “a horas” como adormecem de madrugada. Eles vão precisar de algum “músculo” e de uma exigência “mais apertada” da parte dos pais. Porque aos 10 e aos 11 ou aos 12, aos 13 e aos 14 quase ninguém é compenetrado e metódico. Muito menos se um professor se for transformando num “teleprofessor”.

11. Não se esqueçam dos vossos filhos que, agora, estão no 9º ano e que irão transitar para o 10º. Porque se, em circunstâncias normais, essa transição já é “turbulenta”, depois destes seis meses, será mais dura e mais susceptível de os fazer passar, ainda mais depressa, do sonho de se ser “top” numa determinada área de estudo a uma espécie de “pré-reforma” em relação ao entusiasmo por aprender.

12. Não suponham, por favor, que vos tenho estado a tentar traçar um quadro “negro” do que podemos esperar da escola em casa. A intenção não é essa. Mas se a quarentena está a ter o mérito de colocar as crianças, de todas as idades, a manifestar, de forma declarada - e, talvez como nunca - o seu amor pela escola, este confinamento que nos fecha em casa, com a vinda desta “telescola” vai fazer com que o papel da escola e dos professores, aos olhos dos pais, seja, hoje, entendido com mais carinho. E vai levar a que a escola e os professores acolham melhor (do que nunca) a função da família como complemento interpelante da escola. Levando a que pais e professores se respeitem, depois disto, mais, ainda.

13. Foi-se alimentando, desde há muito - e de uma forma trapalhona, acho eu - a ideia de que há crianças que têm vontade de aprender e crianças que são preguiçosas. A preguiça será uma forma habilidosa de ocultar o medo de não se ser capaz de aprender. Ou seja, todos as crianças têm uma ilimitada vontade para aprender. Mas nem sempre os contextos e as pessoas que medeiam a sua relação com a aprendizagem as ajudam. Hoje, este imenso reboliço que estamos a viver irá ser, ainda, mais exigente para elas. E vai obrigar-nos, pelos próximos tempos, a reconhecer que a vontade de aprendermos, muito depressa, muitas estratégias de aprendizagem muito inovadoras poderá nem sempre ir contando com o compromisso de todos para o fazer. A ponto de uns, entre todos nós, aprenderem; e outros parecerem “preguiçosos”. Mas temos pela frente uma oportunidade histórica de, com tudo isto, repensarmos a escola: nos seus conteúdos, nos seus métodos e na forma como avalia. Assim a nossa vontade de aprender com esta “avalanche” conte com todos!

Artigo publicado originalmente no

quinta-feira, 16 de abril de 2020

A tragédia de não procurar caminhos alternativos


"ENSINEM-LHES A PENSAR, ENSINEM-LHES COISAS DIFERENTES... NÃO FIQUEM ANSIOSOS COM O MUNDO REAL. PORQUE DO MUNDO REAL TRATAMOS NÓS"

A frase que constitui o título deste texto é do Professor Miguel Tumen, director da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. No essencial, constitui a síntese do que escutou dos "empregadores" (do mercado) quando a Faculdade decidiu criar a Licenciatura em Estudos Gerais.
Ora bem, há muito que sustento o princípio que a Escola deve ser vista pelo lado da cultura. Cultura aqui, não no sentido, por exemplo, de uma específica manifestação artística, mas no sentido de uma ampla acção de cultivo de conhecimentos que estão muito para além dos manuais. É óbvio que não é essa a característica da escola portuguesa (e de muitas outras). A escola portuguesa, até por razões ideológicas, vive, obcecadamente, do e para o currículo, para os diversos e pormenorizados programas, cada vez mais cheios de tralha, vive para avaliação, vive para a burocracia e, paradoxalmente, não vive para o conhecimento sustentável, transferível e duradouro. 

Parafraseando o meu Amigo, Catedrático Jubilado, Doutor Manuel Sérgio, a escola aferrolhou-se em uma espécie de torre de marfim e não permite que seja fecundada pelas diversas ciências do Homem. Falta-lhe uma cultura geral, transversal e abrangente. O que subsiste é um hermetismo, a que todos se sujeitam, que percorre anos, currículos densos e programas. 
Sair deste formato, extremamente condicionador, é difícil, porque existe uma carga de duzentos anos de repetição. Prefiro um paradigma de escola (em permanente adaptação) e não um modelo de escola (por isso mesmo, estático).

Neste sentido, tenho muita dificuldade em aceitar esta paranóia pela necessidade de cumprir os programas, para já, os do Ensino Básico, estas "aulas" através de plataformas informáticas ou as sessões emitidas pela televisão. E com avaliação final, claro, o que constitui outra paranóia, porventura com um altíssimo grau de mentira! 
O Covid-19, essa tragédia que a todos nos constrange, apavora e que nos enche de medo, no caso da Educação, deveria ser aproveitada para o estudo das tais "coisas diferentes" de que falam os empregadores. No essencial, para despertar nos alunos o interesse que traga no seu âmago a obrigatoriedade de fazer "pensar", descobrir e ganhar o gosto pela curiosidade. E existe tanto para propor, de forma interessante, despertando a paixão pelo conhecimento e com a característica desta paixão ser portadora de futuro. A fragilidade (confinamento obrigatório) poderia e deveria constituir uma oportunidade. Mas não, será a repetição do modelo, agora através de meios tecnológicos. 
Neste vídeo que aqui deixo  e recomendo, entre outras, destaco quatro interessantes posições, três das quais de alunos da Licenciatura em Estudos Gerais da Universidade de Lisboa:
Duarte Bernardo da Costa - "Até ao 11º ano sabia exactamente o que queria ser, qual seria a minha profissão. A partir daí comecei a duvidar. Achei que poderia ser professor de Latim e Grego, Engenheiro Agrónomo, Homeopata, não sei, agora, agora... estou em experimentação".
Mariana Pancada - "Agora sinto que me estou a formar (...) quero aprender, porque quero conhecer, não porque tenha de ficar nesta profissão. Acho que é muito importante a curiosidade pelo conhecimento".
João Oliveira - "O mercado actual é muito flexível (...) a Faculdade é feita para ensinar, não é um centro de emprego."
António Feijó, Professor da Universidade de Lisboa - "(...) Liberal, no sentido de artes liberais, das disciplinas da universidade medieval, queria dizer liberto da necessidade de satisfazer necessidades práticas ou contingentes. Ou seja, os alunos aprendiam coisas, mas não estavam a pensar na utilidade imediata dessas coisas. O que aprendiam (...) eram coisas intelectualmente interessantes. Era pensar que o ensino da razão, da racionalidade era, em si mesmo, virtuoso, em si mesmo, bom (...) Hoje os alunos têm três anos e durante esses três anos têm uma barragem ininterrupta de pessoas a lhe dizerem que têm de pensar no emprego, nas saídas profissionais, e estas mantras, saídas profissionais, são uma espécie de cassetete sistemático nos alunos (...) não vivem, estão sob uma forma de ansiedade contínua em relação àquilo que vão fazer (...) isto é uma brutalidade".
Curiosa e complementarmente, em muitos casos, digo eu, ensina-se para "profissões" que, certamente, não vão existir.
Sublinhou o Professor Miguel Tumen, director da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa: "foi refrescante saber que as pessoas com quem todos se preocupam (os empregadores, o mercado de trabalho) eram as pessoas menos preocupadas". Por isso, enalteço eu, ao nível básico, "ensinem-lhes a pensar, ensinem-lhes coisas diferentes e não fiquem ansiosos com o mundo real", porque desse mundo real, dizem os empregadores, "tratamos nós". 
A mensagem que fica deste episódio, transmitido pela RTP2, talvez possa ser esta: é tempo dos políticos com funções de governo entenderem que é residual, para não dizer nulo, o interesse em memorizar para debitar e logo esquecer. Eu diria que, ao lado de algum conhecimento específico (inegável), mas através de um outro formato pedagógico, deve correr uma dimensão cultural que faça o lastro necessário, sobre o qual possam ser construídos os pilares que suportarão o conhecimento superior. E isto deve começar muito cedo. 
Uma Licenciatura em Estudos Gerais é de uma relevância maior, mas entendo que tais preocupações devem começar no básico. Para isso, a importância dos professores é determinante. Logo à partida deverão passar a falar menos, muito menos, subordinando-se às perguntas dos alunos, pois o "mais alto ensinamento do mestre não está no que ele diz, mas no que não diz" - Georges Gusdorf. De resto, "quem pode cria, quem não pode ensina" - Bernard Shaw.

segunda-feira, 13 de abril de 2020

Outra Escola - Episódio 13


Como combater o insucesso escolar? O debate não é recente e os argumentos contra a chamada cultura de retenção desmultiplicam-se: o insucesso está diretamente relacionado com o meio sociocultural dos alunos, tratando-se, por isso, de uma questão de justiça social. Economicamente é uma prática muito cara para o Estado, sendo ainda pedagogicamente ineficaz, pois quem fica retido de ano repete quase sempre a mesma experiência negativa que o conduz ao abandono escolar.
Um debate em que os alunos não podem ficar de fora. - Sinopse RTP2.

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domingo, 12 de abril de 2020

Outra Escola - Episódio 12


O Perfil dos Alunos Para o Século XXI inclui, "A Consciência e Domínio do Corpo", como uma das competências chave que os jovens devem possuir à saída da escolaridade obrigatória. Como é que o corpo está presente na aprendizagem? E qual a relação do espaço físico com a aprendizagem dos alunos? Aprender a pensar está intimamente relacionado com a aprendizagem do corpo, do sentir, da conexão com a natureza, da relação com os espaços físicos que nos rodeiam, relembrando a antiga máxima "Mens sana in corpore sano", ou seja, uma mente sã num corpo são.

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sábado, 11 de abril de 2020

Outra Escola - Episódio 11


Todos temos algum professor que deixou uma marca em nós para sempre. É uma profissão muito criticada talvez por ser tão importante.
Para este episódio pedimos a cinco professores do ensino básico e secundário que fizessem um registo do seu dia-a-dia em forma de diário visual, permitindo-nos um olhar mais próximo sobre uma realidade tão exigente quanto complexa.

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sexta-feira, 10 de abril de 2020

Outra Escola - Episódio 10


"A Academia Sénior de Carnide oferece um leque de ocupação de tempos livres promovendo um envelhecimento saudável dirigido a pessoas com mais de 50 anos. Sendo um espaço de socialização, esta Academia tem como finalidade quebrar a solidão e o isolamento social, promover o convívio, despertar interesses, valorizar os conhecimentos da população sénior e ampliá-los. É a partir deste lugar que partimos para uma reflexão sobre a importância da aprendizagem ao longo da vida, desmistificando a ideia de que a reforma é a etapa final, mas que vivemos todos - novos e velhos - na contemporaneidade, ou seja, dentro do mesmo tempo, o presente." - Sinopse RTP2

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quinta-feira, 9 de abril de 2020

Outra Escola - Episódio 09


"No colégio Park International School, os alunos do 4º ano aprendem a usar a tecnologia como mais uma ferramenta de aprendizagem em sala de aula. Através da metodologia trabalho de projeto, que cruza conteúdos de várias disciplinas, os alunos são movidos pela sua curiosidade e criatividade, pelo que já sabem e pelo que querem saber.
Os professores, mais do que transmitirem informação, apoiam e desafiam os alunos na construção do seu próprio conhecimento. Uma pedagogia interativa, focada no aspeto social dos alunos, que vê a educação mais como um processo, onde se exercitam competências de comunicação, autonomia e responsabilidade." - Sinopse RTP2.

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quarta-feira, 8 de abril de 2020

Outra Escola - Episódio 08


A conquista do ensino dos zero aos três anos é recente e ainda não integra o sistema de ensino público, embora todos os estudos indiquem que uma educação de qualidade nos primeiros anos de vida produza um retorno a longo prazo, pois cria uma sociedade mais resiliente e criativa.
Neste episódio vamos mergulhar no mundo dos bebés, das creches, lugar de encontro entre crianças, pais e comunidade, ficando a conhecer novas visões sobre o que é ser criança nos dias de hoje. - Sinopse RTP2

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terça-feira, 7 de abril de 2020

Outra Escola - Episódio 7


"A Licenciatura em Estudos Gerais tem uma característica que a diferencia de todas as outras em Portugal: permite uma combinação única entre as artes, as humanidades e as ciências. Os estudantes podem construir o seu percurso curricular definindo o perfil que mais se adequa aos seus interesses.
Assim, neste episódio, vamos conhecer a Mariana o João e o Duarte, alunos deste curso, e ficar a conhecer de perto, a forma como estes alunos constroem o seu percurso universitário dentro desta licenciatura em particular. - Sinopse da RTP2

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segunda-feira, 6 de abril de 2020

Outra Escola - Episódio 06


"A escola pública é um lugar onde vive e habita a diversidade total e a turma de artes do décimo ano da Escola Secundária de Camões é reflexo dessa heterogeneidade e complexidade. Que implicações trazem ambientes multiculturais, como aprendemos com a diferença, que mecânicas de solidariedade, entre alunos e entre alunos e professores, são ativadas nestes contextos? O que pode correr bem e o que pode correr mal, num sistema educativo que quer ser o mais abrangente possível, sem deixar ninguém de fora?" - Sinopse do episódio.

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domingo, 5 de abril de 2020

Outra Escola - Episódio 05


"Na Escola Jardim do Monte em Alhandra as atividades incluem aulas ao ar livre, trabalhar com materiais naturais, como troncos de madeira, conchas e cortiça, ou o contacto com animais. Segundo a corrente pedagógica Waldorf, estas atividades desenvolvem os sentidos das crianças, estimulam a imaginação, a vitalidade e a alegria de viver.
Uma proposta educativa que inclui uma visão holística do ser humano nas suas vertentes física, afetiva, cognitiva e espiritual." - Sinopse RTP2

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sábado, 4 de abril de 2020

Outra Escola - Episódio 4


O Ministério da Educação define o ensino doméstico como, "aquele que é leccionado, no domicílio do aluno, por um familiar ou por uma pessoa que com ele habite". Os dados mostram que há cada vez mais famílias a optarem por esta modalidade de ensino. Neste episódio, ficamos a conhecer a família Fox Val, que escolheu colocar os seus dois filhos no ensino doméstico, desfazendo mitos e preconceitos sobre esta alternativa à escola convencional.

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sexta-feira, 3 de abril de 2020

Outra Escola - Episódio 3

"O Centro de Formação e Reabilitação Profissional de Alcoitão, pertencente ao Instituto do Emprego e Formação Profissional, tem como missão promover a criação e a qualidade do emprego e combater o desemprego através da formação profissional.
Neste episódio, vamos conhecer os alunos do Curso de Cabeleireiro Unisexo que dá equivalência ao 9º ano de escolaridade. Muitos alunos frequentam o curso porque são obrigados, outros, apenas para obter o certificado, e outros, pela oportunidade de recomeçarem as suas vidas profissionais.
O que os motiva realmente? Que desafios encontram aqueles que desejam regressar à escola?" - Sinopse do episódio.

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quinta-feira, 2 de abril de 2020

Outra Escola - Episódio 02


Ter de escolher a área que vão seguir no Ensino Secundário pode ser um drama para muitos alunos e encarregados de educação. 


Os alunos da Turma A do 9º ano do Agrupamento de Escolas nº 2 de Abrantes estão prestes a ter de escolher. Ciências? Humanidades? Artes? Escolher porque tem saídas, porque os outros acham que é o melhor para mim ou ouço o meu coração e sigo os meus sonhos?
O processo está estabelecido para que os alunos comecem a fazer escolhas muito cedo, mas a escola pode ser um espaço para experimentar, errar e voltar a tentar.

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quarta-feira, 1 de abril de 2020

Outra Escola - Episódio 01


Outra Escola procura que a escola que está dentro de cada um de nós se revele, mais imaginada, mais utópica, mais livre e mais real.

OUTRA ESCOLA
PORQUE ESTA JÁ DEU TUDO QUANTO TINHA PARA DAR

A RTP 2 transmitiu uma série de 13 episódios sobre a Escola. A par de todos os outros, o episódio de ontem foi extremamente importante. Neste tempo de confinamento, seria muito bom que os governantes, políticos, professores, pais, responsáveis pelos estabelecimentos de aprendizagem, comunidade em geral, todos, assistissem a esta série. Os quarenta e quatro minutos de ontem foram deliciosos, profundos e reais. 
"Esta série documental, com autoria de Filipa Reis, João Miller Guerra e Maria Gil, tem como premissa inicial a pergunta, como é que se aprende? O programa apresenta de forma caleidoscópica diversos projectos de ensino, focando-se na pluralidade de vários contextos de aprendizagem e na experiência da educação como um momento de transformação que pode ocorrer tanto dentro como fora da escola. Dá a conhecer diferentes lugares de aprendizagem, com diferentes modos de operar que guiam diferentes formas de aprender e de pensar a educação". - sinopse da RTP2.
Não será preciso "inventar" e organizar mais formações visando "créditos" que justifiquem uma subida no escalão remuneratório. Para já, sentem as pessoas em anfiteatros e passem estes treze episódios. Depois, concedam liberdade aos estabelecimentos de aprendizagem para criarem o novo.
A partir de hoje, diariamente, vou partilhar todos os episódios, onde várias personalidades abordam a "Outra Escola". Estejam atentos. Visualizem. Vale a pena seguir esta série documental com autoria de Filipa Reis, João Miller Guerra e Maria Gil.
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