"ENSINEM-LHES A PENSAR, ENSINEM-LHES COISAS DIFERENTES... NÃO FIQUEM ANSIOSOS COM O MUNDO REAL. PORQUE DO MUNDO REAL TRATAMOS NÓS"
A frase que constitui o título deste texto é do Professor Miguel Tumen, director da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. No essencial, constitui a síntese do que escutou dos "empregadores" (do mercado) quando a Faculdade decidiu criar a Licenciatura em Estudos Gerais.
Ora bem, há muito que sustento o princípio que a Escola deve ser vista pelo lado da cultura. Cultura aqui, não no sentido, por exemplo, de uma específica manifestação artística, mas no sentido de uma ampla acção de cultivo de conhecimentos que estão muito para além dos manuais. É óbvio que não é essa a característica da escola portuguesa (e de muitas outras). A escola portuguesa, até por razões ideológicas, vive, obcecadamente, do e para o currículo, para os diversos e pormenorizados programas, cada vez mais cheios de tralha, vive para avaliação, vive para a burocracia e, paradoxalmente, não vive para o conhecimento sustentável, transferível e duradouro.
Parafraseando o meu Amigo, Catedrático Jubilado, Doutor Manuel Sérgio, a escola aferrolhou-se em uma espécie de torre de marfim e não permite que seja fecundada pelas diversas ciências do Homem. Falta-lhe uma cultura geral, transversal e abrangente. O que subsiste é um hermetismo, a que todos se sujeitam, que percorre anos, currículos densos e programas.
Sair deste formato, extremamente condicionador, é difícil, porque existe uma carga de duzentos anos de repetição. Prefiro um paradigma de escola (em permanente adaptação) e não um modelo de escola (por isso mesmo, estático).
Neste sentido, tenho muita dificuldade em aceitar esta paranóia pela necessidade de cumprir os programas, para já, os do Ensino Básico, estas "aulas" através de plataformas informáticas ou as sessões emitidas pela televisão. E com avaliação final, claro, o que constitui outra paranóia, porventura com um altíssimo grau de mentira!
O Covid-19, essa tragédia que a todos nos constrange, apavora e que nos enche de medo, no caso da Educação, deveria ser aproveitada para o estudo das tais "coisas diferentes" de que falam os empregadores. No essencial, para despertar nos alunos o interesse que traga no seu âmago a obrigatoriedade de fazer "pensar", descobrir e ganhar o gosto pela curiosidade. E existe tanto para propor, de forma interessante, despertando a paixão pelo conhecimento e com a característica desta paixão ser portadora de futuro. A fragilidade (confinamento obrigatório) poderia e deveria constituir uma oportunidade. Mas não, será a repetição do modelo, agora através de meios tecnológicos.
Neste vídeo que aqui deixo e recomendo, entre outras, destaco quatro interessantes posições, três das quais de alunos da Licenciatura em Estudos Gerais da Universidade de Lisboa:
Duarte Bernardo da Costa - "Até ao 11º ano sabia exactamente o que queria ser, qual seria a minha profissão. A partir daí comecei a duvidar. Achei que poderia ser professor de Latim e Grego, Engenheiro Agrónomo, Homeopata, não sei, agora, agora... estou em experimentação".
Mariana Pancada - "Agora sinto que me estou a formar (...) quero aprender, porque quero conhecer, não porque tenha de ficar nesta profissão. Acho que é muito importante a curiosidade pelo conhecimento".
João Oliveira - "O mercado actual é muito flexível (...) a Faculdade é feita para ensinar, não é um centro de emprego."
António Feijó, Professor da Universidade de Lisboa - "(...) Liberal, no sentido de artes liberais, das disciplinas da universidade medieval, queria dizer liberto da necessidade de satisfazer necessidades práticas ou contingentes. Ou seja, os alunos aprendiam coisas, mas não estavam a pensar na utilidade imediata dessas coisas. O que aprendiam (...) eram coisas intelectualmente interessantes. Era pensar que o ensino da razão, da racionalidade era, em si mesmo, virtuoso, em si mesmo, bom (...) Hoje os alunos têm três anos e durante esses três anos têm uma barragem ininterrupta de pessoas a lhe dizerem que têm de pensar no emprego, nas saídas profissionais, e estas mantras, saídas profissionais, são uma espécie de cassetete sistemático nos alunos (...) não vivem, estão sob uma forma de ansiedade contínua em relação àquilo que vão fazer (...) isto é uma brutalidade".
Curiosa e complementarmente, em muitos casos, digo eu, ensina-se para "profissões" que, certamente, não vão existir.
Sublinhou o Professor Miguel Tumen, director da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa: "foi refrescante saber que as pessoas com quem todos se preocupam (os empregadores, o mercado de trabalho) eram as pessoas menos preocupadas". Por isso, enalteço eu, ao nível básico, "ensinem-lhes a pensar, ensinem-lhes coisas diferentes e não fiquem ansiosos com o mundo real", porque desse mundo real, dizem os empregadores, "tratamos nós".
A mensagem que fica deste episódio, transmitido pela RTP2, talvez possa ser esta: é tempo dos políticos com funções de governo entenderem que é residual, para não dizer nulo, o interesse em memorizar para debitar e logo esquecer. Eu diria que, ao lado de algum conhecimento específico (inegável), mas através de um outro formato pedagógico, deve correr uma dimensão cultural que faça o lastro necessário, sobre o qual possam ser construídos os pilares que suportarão o conhecimento superior. E isto deve começar muito cedo.
Uma Licenciatura em Estudos Gerais é de uma relevância maior, mas entendo que tais preocupações devem começar no básico. Para isso, a importância dos professores é determinante. Logo à partida deverão passar a falar menos, muito menos, subordinando-se às perguntas dos alunos, pois o "mais alto ensinamento do mestre não está no que ele diz, mas no que não diz" - Georges Gusdorf. De resto, "quem pode cria, quem não pode ensina" - Bernard Shaw.
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