Há certos textos que mais parecem obras ou sermões de encomenda. Em todos os sectores de actividade, dependendo, claro, dos interesses entre as partes, ou da relevância política, os leitores confrontam-se, a par de assuntos sérios, com arrazoados que oferecem uma ideia de paraíso, de lugar único e multicolor, onde não existe mácula e onde todos parecem satisfeitos. Os próprios dignitários assumem a voz da plateia dizendo, com palavras doces, que os subalternos os acompanham e demonstram uma felicidade contagiante. Vão até mais longe, em acto paternalista, que o próprio "caderno de reivindicações", dos sindicalistas, claro, todo ele é resolvido em "paz social, estabilidade e segurança". Espantoso.
Constata-se isto porque há sectores da actividade política que a população não demonstra conhecimento e sentido de análise crítica. Desde que os filhos estejam na escola, tudo bem. Aliás, o Presidente da República, Professor Marcelo Rebelo de Sousa, em Novembro de 2017, no decorrer do encerramento do 1º Congresso das Escolas, em um trabalho de Isabel Leiria, publicado no Expresso, sublinhou:
(...) Não há nenhuma família que não tenha alguém próximo integrado no sistema de ensino. Mas, estranhamente, a Educação está longe de ser a principal preocupação. (...) Quantas famílias votam, nas diferentes eleições, dando primazia à Educação? Tenho para mim que muito poucas".
Ora, se o sistema proporciona uma boa organização, se os alunos dispõem ou não de currículos adequados, se os programas são os mais desejáveis face ao mundo que estamos a viver ou se, pedagogicamente, a escola ficou parada no tempo, desde o Século XIX, estes aspectos, genericamente, pouco ou nada dizem aos pais e encarregados de educação. Da mesma forma aos professores, porque sujeitos a uma hierarquia que impõe e limita o diálogo, preferem actuar no campo do cumprimento das tarefas ditadas por outros. É como vulgarmente se diz: "o meu está feito!"
E assim dou comigo a ler histórias de treta, sem rasgo e profundidade, de um auto-elogio bacoco e costumeiro, coisa pavorosa, que sintetizo como sendo papel com letras. Como me diria um académico, por quem nutro elevada consideração, tudo aquilo é "timex", porque não adianta nem atrasa. Aliás, a escrita ali pouco interessa, nem o título da "obra" - Regresso em Segurança a exemplo do 1º período" - quando passadas algumas horas, os estabelecimentos de aprendizagem do Funchal, Câmara de Lobos e Ribeira Brava, por decisão do governo, verão adiado o tal "regresso em segurança". Uma vez mais, o fundamental não foi o texto, mas a fotografia.
Na minha idade já não desespero. Espero. Espero que a ciência os ilumine ou, na esteira do meu Amigo Doutor Manuel Sérgio, se deixem fecundar pelas ciências para que excreçam a mediania. O problema é que "os portugueses, de facto, verdadeiramente, não dão primazia à Educação como prioridade nacional", considerou o Presidente da República. E assim, tal como nos versos de uma musiquinha do meu tempo, "lá vamos cantando e rindo, levados, levados"... e de que maneira, digo eu!
A própria pandemia, tenham isto presente, poderia ser uma oportunidade e não uma ameaça.
Embora respeite os critérios editoriais, julgo que nem tudo deveria ser matéria de publicação, sobretudo porque dá a entender que se escondem motivos comerciais. Qualquer coisa ao jeito de "pega lá, dá cá". Eu, como leitor e até assinante, interessa-me muitas outras posições divergentes que ajudem a compreender toda a problemática, o mundo que se vive e as respostas mais adequadas, as questões organizacionais, curriculares, programáticas e pedagógicas, a questão da formação e valorização dos professores ao logo da carreira, a autonomia das escolas e dos professores, a excessiva burocratização do sistema, as razões que conduzem a centenas de sinais de ansiedade e depressão por esgotamento mental e físico, a disciplina vs indisciplina, os indicadores de pobreza, material, cultural e outras, a todos os níveis, que chegam à escola, as questões da natalidade e a necessidade de tornar esta fraqueza em uma oportunidade, o paulatino esvaziamento dos direitos da criança que a escola, aos poucos, vai surrupiando, os famigerados "TPC", a desadequada arquitectura dos estabelecimentos de aprendizagem, a questão obsessiva pela avaliação, pelos exames e ranking´s, a falsa meritocracia, a questão da escola pública vs privada, o tal perfil do aluno à saída do sistema, quando não se fala do perfil à entrada, a tecnologia ao serviço da aprendizagem, o bloqueio à inovação e criatividade, a muita tralha dos manuais, as razões das taxas de abandono e insucesso, o dramatismo das pobres qualificações profissionais, a noção de aula, a existência ou não de turmas, ou sobre uma escola fechada nos seus próprios muros, teimosamente agarrada ao manual como se a vida fosse aquilo ou apenas aquilo, que não interaje com todos os outros sistemas, que mata a curiosidade, o interesse e o sonho individuais, enfim, centenas de itens a desenvolver, com rigor e profundidade, de tal forma que, regresso ao início, valha a pena ler e formar uma população para os desígnios da educação. Mas é o que temos.
NOTA
Em complemento:Deixo aqui excertos de uma grande parte do que escutei em um programa da SIC - Geração 15/25. É a palavra dos jovens.
"O sistema olha para o aluno como um simples recipiente onde se introduz conhecimento (...) as pessoas ali não pensam, as pessoas ali decoram (...) estamos a estudar para ranking's não para o conhecimento (...) há muito esta pressão para ter notas, custe o que custar (...) a escola está desenhada em torno da matéria e em torno das necessidades dos professores (...) os alunos têm muito pouca importância, esse é um ponto chave (...) gosto de um ensino estimulante, que dê responsabilidade sobre o que queremos aprender, maior valorização da oralidade, da criatividade, menos débito de matéria numa folha de exame e mais exploração das diferentes áreas do conhecimento (...) o mundo mudou menos a escola, a sala de aula, a forma como está organizada é a mesma (...) o espaço para reflectir é fundamental e é daí que vem o nosso crescimento pessoal. Quando não existe este espaço... por isso, culpo as pessoas que fazem os planos curriculares, que fazem os horários e que acham que tem de ser assim e que nós temos de ser tratados como máquinas com o dever de trabalhar para ranking's e não para o conhecimento (...) nós temos professores que não queriam ser professores e isso cria ali um problema: eu quero mesmo fazer isto? (...) há muitos professores que não têm essa capacidade de perceber com o que estão a lidar (...) os alunos precisam hoje de mais motivação para ir para a escola, era melhor irmos para a escola com um propósito (...) a maior parte das coisas que aprendi na escola, se não esqueci já, pelo menos considerei-as inúteis e desinteressantes (...) o sistema educativo foca-se em coisas que não são fundamentais para a vida (...) estamos a criar alunos que não têm qualquer tipo de interesse relativamente à vida que os rodeia... a escola deveria contrariar isso, abrindo o mundo porque há mais vida para além daquela que vivem diariamente (...) nós saímos da escola com muito poucas capacidade para sermos resilientes, para enfrentarmos desafios (...) eu não sou preparada para pagar impostos, para fazer um currículo, uma entrevista de emprego, como posso obter todas as informações para exercer o voto consciente... falta muita coisa (...) muitos alunos não vêem a finalidade daquilo (escola) (...) os programas estão desenhados, por exemplo, para dar gramática... quando o objectivo não deveria ser que as crianças soubessem gramática... o objectivo do Português é que sejamos bons falantes da língua e que se saiba escrever. Saem do ensino e não sabem escrever e muito menos sabem falar e, definitivamente, não sabem olhar para uma obra literária (...) o bom professor é o que nos consegue cativar, que nos estimula constantemente (...) as notas não definem ninguém. Um curso com média de 18 não é melhor que um curso com média de 12. Há quem entre com 18 e esteja contrariado e há quem entre com 12, mas com paixão porque é mesmo aquilo que querem (...) nós já não vivemos num mundo onde faça sentido o professor abrir o manual, ler o que está no manual, fechar o manual, fazer uma ficha e acabou. Estamos a desperdiçar tantas qualidades que os alunos têm, portanto, não faz sentido uma resposta uniforme para a diversidade (...) decoramos para os testes e para os exames e raramente essa matéria fica retida (...) haver debate de ideias e várias perspectivas sobre o mesmo assunto, é muito, muito raro. Eu tive poucos professores que me dissessem: temos este assunto e aqui no livro temos esta solução. Mas vamos lá pensar em mais soluções. É raro, quase não acontece em Portugal (...) a nossa formação é demasiado quadrada, demasiado formatada. É quase um ritual (...) não são os currículos que interessam tanto, pois precisamos de pessoas inovadoras, pessoas que consigam se auto-construir (...) vão-nos retirando a criatividade e a curiosidade. O sistema educativo está muito condicionado por uma força de poder que quer manter a socidade estagnada (...) a EDUCAÇÃO continua a não ser uma oportunidade. Nós deveríamos mudar as coisas antes de se tornarem um problema."
Ilustração: Google Imagens.
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