Até aos três anos, o desenvolvimento cerebral é mais rápido do que em qualquer outra altura da vida: passa de ter um tamanho de cerca de 25% do cérebro de um adulto, a média observada no nascimento, para ostentar uma dimensão de 80%. “O ritmo das sinapses é alucinante, há mais de um milhão de sinapses por segundo”, confirma, a propósito do Dia Mundial do Cérebro, que se assinala esta quinta-feira, Raquel Corval, investigadora do laboratório colaborativo ProChild CoLAB, parceiro da Fundação Nossa Senhora do Bom Sucesso, que pôs em marcha a campanha Primeiros Anos a Nossa Prioridade.
A psicóloga explica, porém, que o ritmo dessas sinapses, responsáveis pela comunicação entre dois ou mais neurónios, “está muito associado às experiências que se tem”, o que explica a agitação que os bebés revelam ao fim de um dia. Para que o processo decorra naturalmente, Raquel Corval defende que “não se deve sobreestimular nem o inverso”, sublinhando a importância do sair à rua na exploração sensorial que ocorre nos primeiros tempos de vida, até porque “a estimulação é essencial para o cérebro”, sendo que a mesma começa sempre pelos cuidadores primários, os pais.
Serão estes, a par de outros cuidadores directos, que, como explica Andreia Furtado, especialista na lógica da aprendizagem, parentalidade e interculturalidade e psicóloga na Fundação Aga Khan, “criam no bebé a capacidade para brincar”, sendo que “é a brincar que as crianças aprendem a aprender, sendo fundamental para o neurodesenvolvimento”.
E, nota a psicóloga, essa predisposição para brincar começa muito antes, ainda durante a gestação, “na mente dos pais quando reconhecem um ser único, cheio de potencialidades”. Serão estas interacções que servirão de semente para a predisposição do bebé conhecer o mundo.
“Sabemos que durante o último trimestre de gravidez, no parto e após o nascimento se estabelecem milhares de conexões no cérebro do bebé, que o tornam receptivo e permeável ao mundo”, aponta Andreia Furtado, sublinhando que é precisamente o “brincar que vai permitir que aquelas conexões se complexifiquem e especializem”. “Brincar cria auto-estradas no cérebro”, afirma.
No entanto, para que haja uma equação perfeita é essencial o envolvimento dos pais: “Não basta estarem no mesmo espaço; é preciso que estejam disponíveis para se envolverem ela”, conversando, olhando, tocando, improvisando e, até, legendando a experiência da criança. Como resultado, são desenvolvidas “importantes funções cognitivas e habilidades socioemocionais”, como a memória, a concentração, a capacidade de resolução problemas, empatia…
Para que os pais consigam ir ao encontro do bebé, Andreia Furtado considera essencial que estejam predispostos a “ensaiar, errar, aprender, escutar, partilhar, tolerar, começar, terminar, começar de novo”. “Levem uma mala gigante de verbos preciosos e partam à descoberta, sem medos”, declara, considerando que, para tal, o primeiro passo poderá passar por se libertarem dos milhares de conselhos que chegam de toda a gente com quem se cruzam e irem “ao encontro da criança, com abertura e curiosidade”.
A importância do colo
“O bebé humano não consegue desenvolver-se sozinho; o desenvolvimento acontece na relação”, explica Raquel Corval, observando que “o vínculo se organiza ao longo do primeiro ano de vida”, mas que o mesmo pode e deve ser direccionado pelo adulto, sendo “o colo nos primeiros tempos particularmente importante”.
“Nascemos com a capacidade inata de procurar conforto, tendo o contacto físico consequências no desenvolvimento, inclusive da arquitectura cerebral.” Nesse sentido, defende a investigadora, “nos primeiros tempos, não há que ter medo de dar colo”, já que é nele que o bebé encontrará conforto, podendo ainda promover o desenvolvimento do tacto. No entanto, ressalva, há que encontrar um equilíbrio, “definir as regras do jogo” e “perceber o que a criança precisa”, porque o colo não resolve tudo e a experiência da frustração também acarreta aprendizagem.
Ainda assim, e mesmo que se permita que a criança experimente a frustração, é importante que ela saiba que tem um adulto disponível. E, à medida que o bebé cresce e a linguagem começa a entrar na equação, devem ser introduzidas outras variáveis que complementem e não substituam o toque afectivo.
Já a capacidade de brincar da criança, à medida que o cérebro amadurece, vai evoluindo e os pais vão sendo relegados para segundo plano: “a imitação e a repetição abrem espaço para a abstracção e criação”, nota Andreia Furtado. “Sobretudo a partir dos 18 meses, as crianças começam a interessar-se de forma mais intencional por outras crianças e a elegê-las como parceiros de brincadeira.”
O que não significa que os pais se devam demitir desse papel. “Devemos lembrar-nos que brincar não serve apenas o desenvolvimento das crianças. Os espaços e os tempos de brincar também servem o desenvolvimento das competências dos pais para o cuidado e para a relação com as crianças.”
Carla B. Ribeiro
Fonte: Público por indicação de Livresco
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