sábado, 27 de julho de 2024

Ludus pro Patria III: Sob a Síndrome de Alice


Por
Gustavo Pires
Professor Catedrático Jubilado 
da Faculdade de Motricidade Humana

Nenhum programa de preparação olímpica, algum dia, poderá cumprir, com eficiência e eficácia, uma missão estratégica que só pode competir ao Estado. 



Certamente encantado por uma olímpica cultura “dixit” que, em matéria de desenvolvimento, reduziu o desporto a uma inútil verbosidade burocrática que só serve para alimentar uma certa comunicação social toldada pelos casos da bola que estão a dar cabo do futebol, o Sr. Secretário de Estado do Desporto de seu nome Pedro Dias, relativamente aos medíocres dados da prática de atividade física e desportiva dos portugueses, divulgados pelo Eurobarometer (2022), numa entrevista ao jornal Público (2024-07-02), afirmou ter “algumas dúvidas quanto aos termos metodológicos e à forma como a recolha dos dados é feita”. E acrescentou: “o problema é mais profundo”, sem especificar qual a profundidade. Ao fazê-lo, cumpriu a máxima de Dario III e matou o mensageiro, quer dizer, o tal relatório elaborado pela TNS Opinion que produz os trabalhos de base necessários para a produção estatística, entre outras entidades, da Comissão Europeia. 

Antes de alinhar no discurso instituído pela nomenclatura associativa que, regra geral, se esquece de declarar os seus interesses relativamente às situações em que opina, a tutela política devia ler a entrevista do Ministro do Desporto José Lello (1944-2016) que, parafraseando, afirmava haver no dirigismo desportivo um discurso pouco claro e pouco rigoroso, sem objetividade que cultiva o hábito de ficar tudo no ar, instila desperdício e despesismo e é movido por factos consumados. (Público, 2001-03-23). Pois bem, alguém devia informar Pedro Dias que se alguma coisa mudou foi para pior. E, a menos que se mude a vigente cultura inculta, que reduziu o desenvolvimento do desporto: (1º) Às preocupações sobre o “dress code” das olímpicas cerimónias; (2º) Aos discursos de vulgaridades niilistas que aniquilam valores e destroem convicções e; (3º) Ao relativismo ético-moral que confunde e baralha os princípios da igualdade e da equidade que devem presidir à justiça social, a tendência é, naturalmente, para piorar. 

Em matéria de atividade física e desportiva, a metodologia aplicada pelo Eurobarometer nos 27 países da União Europeia (UE) tem vindo a ser progressivamente afinada desde o ano 2002. E quem cruzar os dados dos diversos países com outros indicadores sociais, chegará à conclusão de que a comparação traduz, senão uma situação coincidente, pelo menos, muito próxima da realidade. Desde logo porque o desporto é um produto da dinâmica político-social. Segundo o Eurobarometer (2022), 4% dos portugueses com mais de 14 anos de idade dizem praticar desporto com regularidade, 18% com alguma regularidade, 5% raramente e 73% nunca. Ora, esta situação, se não coincide, está muito próxima da realidade. A partir do Eurobarometer (2022) consideremos as seguintes premissas: 

1. Dos 9 109 225 portugueses com mais de 15 anos de idade (INE/PORDATA:2022), 4% (364 369) diz praticar atividade física e desportiva com regularidade e 18% (1 639 666) diz praticar com alguma regularidade; 
2. Segundo o Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ) (2024), tendo em atenção os dados relativos ao ano de 2022, existem 686 214 praticantes inscritos nas federações desportivas nacionais o que representa 7,5% da população com mais de 15 anos de idade. Entre os 4% de praticantes regulares do Eurobarometer e os 7,5% do IPDJ existe uma diferença de 3,5 pontos percentuais que interessa investigar. 

Mas, como mais importante do que conhecer aquilo que existe é compreender aquilo que está a mudar, vamos analisar os dados do IPDJ durante o corrente século tendo em atenção três momentos (2000; 2012 e 2022) a fim de melhor se compreender a situação e, finalmente, confrontarmos os números de 2022 do IPDJ com os do Eurobarometer (2022). 

Dos dados do IPDJ decorre que, desde 2000, o número de praticantes desportivos federados tem vindo a aumentar: 

• Em 2000: 322 761; 
• Em 2012: 524 093; 
• Em 2022: 686 214. 

Entretanto, é necessário olhar para estes números em pormenor e dar-lhes o devido desconto, na medida em que neles estão incluídas atividades como o aeromodelismo, a columbofilia e, entre outras, o xadrez que, numa acção moderna, não são considerados desportos. Também importa esclarecer em pormenor o que se passa nas várias modalidades. Por exemplo, entre outros aspetos, em 2023, embora os dados ainda sejam provisórios, o voleibol, à custa de programas básicos de iniciação na modalidade como o “gira vólei”, numa iniciativa similar à da ginástica com o chamado projeto “play gym”, apresenta um volume de 59.202 praticantes superando desportos como o: 

• Atletismo: 21 875; 
• Andebol: 48 594; 
• Basquetebol: 30 833. 

A Federação Portuguesa de Natação (FPN) também apresenta uma situação singular. Em 2012, tinha 11 232 praticantes para, em 2023, aumentar para um volume de 103 494 praticantes. Em matéria de prática desportiva federada, trata-se, evidentemente, de um número inflacionado de praticantes em consequência dos alunos inscritos nas múltiplas “escolinhas de natação” espalhadas pelo continente e ilhas, em utilitários programas de aprendizagem e manutenção primária “certificada” através de um programa promocional designado “Portugal a Nadar”. 

O que é que não conseguiria a FPA com uma iniciativa semelhante à do voleibol, à da ginástica ou à da natação? 

Nas circunstâncias de cada federação, não se põe em casa a veracidade dos números apresentados, mas é imperioso definir rigorosamente qual o critério de elegibilidade dos praticantes desportivos federados, masculinos e femininos nos vários escalões etários e determinar o sistema de apuramento e controlo de dados fornecidos pelas federações que devem obedecer a normas claramente estabelecidas e respeitadas sob pena de, no quadro de afetação dos recursos públicos, por deficiente informação, se acometerem injustiças. Já em 2016, José Leandro, ao tempo presidente da Federação Portuguesa de Vela (FPV), num documento de 15 de janeiro, alertou a tutela político-administrativa para o facto de o financiamento ao desporto federado “não ser consubstanciado em nenhum modelo equitativo visível” pelo que, entendia que a FPV estava a ser prejudicada. O problema é que a situação de inflação do número de praticantes federados através de crianças tanto dá jeito às federações que esperam receber da tutela mais uns euros, como à própria tutela protagonizada ao longo do tempo pelos partidos da governação que, assim, veem aumentar a prática desportiva federada que, sem cosméticas, apresenta valores abaixo da linha de água. 

O que é facto é que os resultados estatísticos apresentados pelo IPDJ estão a aumentar à custa do número de praticantes dos escalões etário de “até juniores” e de veteranos. A evolução da estrutura etária do desporto federado do ano 2000 ao ano de 2022 apresenta a seguinte evolução: 

• 2000: “Até juniores” (45,38%); Juniores (12,34%); Seniores (31,51%); Veteranos (2,35%); 
• 2012: “Até juniores” (58,01%); Juniores (9,34%); Seniores (26,67%); Veteranos (5,97%); 
• 2022: “Até juniores” (57,16%); Juniores (7,37%); Seniores (20,94%); Veteranos (14,53%). 

Quanto aos praticantes “até juniores”, já o referimos, há muito que algumas federações contabilizam como praticantes desportivos federados simples crianças. E a situação tem-se vindo a generalizar. A taxa de praticantes “até juniores”, na estrutura etária do desporto federado nos momentos indicados apresenta os seguintes valores: 

• Em 2000: 45,38%; 
• Em 2012: 58,01%; 
• Em 2022: 57,16%. 

Milhares destes ditos praticantes federados são crianças que não obedecem ao critério estatístico do Eurobarometer que só considera alguém como sendo praticante de atividades físicas e desportivas a partir dos 15 anos de idade. Não haveria qualquer problema, antes pelo contrário, se as coisas ficassem por aqui. Mas não acontece assim. Estas crianças, através de atividades de promoção de pouca consistência, para além da cosmética propagandística e nenhuma projeção estrutural relativamente à organização do futuro, são contabilizadas para efeitos das estatísticas oficiais e, depois, simplesmente, descartadas porque o sistema não tem capacidade, criatividade ou até vontade para as absorver. Em consequência, de 2000 a 2022, deu-se um aumento de 11,78 pontos percentuais na estrutura de prática “até juniores”. Um aumento que se traduz numa prática virtual na medida em que: 

Em 2000 a taxa de descarte anual dos jovens até aos 18 anos de idade foi de 72,81%; 
• Em 2012: 83,90%; 
• Em 2022: 87,11%; 
• De 2000 a 2022 deu-se um aumento de 14,3 pontos percentuais na taxa de descarte; 
• Há desportos em que a taxa de descarte anual supera os 90%. 

Nenhum sistema desportivo terá alguma vez êxito a funcionar com taxas de descarte desta dimensão. Quanto ao escalão etário de veteranos, na contabilidade das federações, de 2000 a 2022, aconteceu um aumento de 12,18 pontos percentuais. A sua evolução na estrutura etária foi a seguinte: 

• Em 2000: 2,35% 
• Em 2012: 5,97% 
• Em 2022: 14,53%. 

Nos últimos dez anos o aumento do escalão de veteranos na estrutura de praticantes foi de 8,56 pontos percentuais o que denuncia um sistema desportivo nacional no caminho dos dinossauros. À semelhança dos praticantes “até juniores”, os veteranos estão, ilusoriamente, a servir para aumentar o volume total da prática desportiva federada. Até já há federações a apelarem para que os praticantes informais veteranos, com uma prática desportiva recreativa esporádica, se federem só para aumentarem o volume estatístico do respetivo desporto. Esta situação, se fosse devidamente contabilizada, até seria de louvar, todavia, trata-se, tão só, de um expediente a fim de iludir a tutela político-administrativa. Mas o mais grave da estrutura etária do desporto federado português tem a ver com os grupos intermédios de praticantes juniores e seniores que, no seu conjunto, suportam a competição formal de onde decorre o alto rendimento: 

1. De 2000 a 2023, a involução da posição conjunta dos grupos etários de juniores e seniores na estrutura total de praticantes foi a seguinte: 

• Em 2000 os representavam 43,85%; 
• Em 2012 representavam 36,01%; 
• Em 2022 representavam 28,31%; 
• Em 2023 representavam 26,72%. 

2. No seu conjunto o número de praticantes juniores e seniores, de 2000 a 2022, sofreu uma redução de 17,13 pontos percentuais a uma média de 0,74% ao ano. O desporto nacional nunca atingirá os valores médios da prática de base ao alto rendimento dos países da UE conduzido por gente cheia de pressa que, tomada pela Síndrome da Galinha dos Ovos de Ouro, julga ser possível, através de um programa de preparação olímpica, correr a Maratona como se corre uma prova de velocidade. Gente que anda nisto há, pelo menos, vinte e cinco anos. 

Se, a partir das estatísticas do IPJD, compararmos o somatório dos praticantes juniores e seniores relativos ao ano de 2022 que perfazem um total de 194 229 verificamos que se trata de um valor bem inferior ao que resulta dos 4% dos praticantes regulares indicados pelo Eurobarometer que totalizam 363 636 mil. 

A questão estatística do desporto é de fundamental importância para o seu desenvolvimento. Planeia-se aquilo que se conhece e o planeamento será tanto mais eficaz quanto mais for suportado em dados quantitativos credíveis que, posteriormente, permitem avaliar os resultados. Um sistema desportivo sem uma inquestionável base estatística de sustentação, animado por uma cultura de mediocridade, incompetência e irresponsabilidade, por mais planos estratégicos que se façam que nunca passarão de ilusionismo, nunca saberá para onde deve ir nem onde quer chegar. A confirmá-lo, à parte de um ou outro resultado de excelência de atletas de exceção gerados no desporto nacional, aí está a equipa portuguesa que vai participar nos JO de Paris (2024) que, parafraseando esse enorme treinador de atletismo que foi António Fonseca e Costa relativamente aos JO de Los Angeles (1984), ― mesmo antes de partir, já está derrotada. Não pelos atletas ou treinadores, mas por dirigentes associativos e políticos que insistem num programa que está a dar cabo da estrutura e da dinâmica do desporto nacional. E, hoje, o sistema desportivo português encontra-se num círculo vicioso. 

Desde 2000, capturado por um absurdo programa de preparação olímpica, a funcionar no espírito tuga do “lá vamos cantando e rindo” que nada tem a ver com o espírito olímpico do Citius, Altius, Fortius, como já tivemos oportunidade de referir, levou quatro vezes mais atletas aos JO e desperdiçou 62,55 M€, que fizeram falta à promoção da prática desportiva de base que deixou de alimentar o alto rendimento. E porque os “níveis de integração” no programa de preparação olímpica (cf. Programa de Preparação Olímpica / Tóquio 2024 (IPJD/COP, p. 6), concebidos sobre o mantra do “não se discriminarem atletas em nome de uma seleção de elite”, em confronto com os critérios de elegibilidade para os JO determinados pelas Federações Internacionais (FI), são mais uma prova do quanto o sistema desportivo nacional não está a responder aos jovens portugueses, às famílias, ao desenvolvimento do desporto da base ao alto rendimento e ao País. Em resultado, depois de um financiamento de 22 M€: 

1. Dos 116 atletas previstos para competirem nos JO de Paris (2024) (80% de 145 integrados no programa de preparação olímpica) só 73 (50,31%) vão estar presentes. Note-se que no JO de Helsínquia (1952) Portugal esteve representado por 71 atletas; 
2. Portugal só vai competir em 15 desportos quando foi previsto competir em 17. Mas, considerando que nos 15 desportos estão incluídos três novos desportos (breaking, skateboarding e surf) que só passaram a fazer parte do Programa Olímpico do Comité Olímpico Internacional (COI) nos JO de Tóquio (2021), na realidade, Portugal só vai competir em 12 desportos. 
3. De Sydney (2000) a Tóquio (2021), já o referimos, Portugal esteve presente em 22 desportos. Todavia, só 7 estiveram sempre presentes em todas as edições dos JO ou 8 se considerarmos o triatlo presente desde 2004. 
4. E Portugal não vai participar em desportos como o badminton, o boxe, a esgrima, o futebol, o golfe, a luta ou o taekwondo. 

E, ao cabo de mais de cem milhões de euros, Portugal leva aos JO de Paris (2024) menos 43 atletas do que aqueles que estava previsto levar a um custo para o erário público de 301,4 mil euros por atleta quando, em Tóquio (2021), o custo por atleta ficou em 201,1 mil euros. E, se para os JO de Pequim (2008) foram previstas 5 medalhas falhadas, para os JO do Rio (2016), em grandes parangonas, foram anunciadas 12 medalhas (Público, 2015-11-11), quer dizer, um doze avo daquilo que viria a acontecer para os JO de Paris (2024) a nomenclatura limitou-se a programar os seguintes objetivos: 

• 4 medalhas; 
• 15 diplomas; 
• 36 classificações entre os 16 primeiros; 
• 57 pontos entre os 8 primeiros. 

Mas, ao cabo de trinta anos a falar de preparação olímpica, a nomenclatura foi incapaz de indicar os desportos, os eventos ou os atletas. Em consequência, mais uma vez, as olímpicas previsões estão mais perto dos favores dos deuses do que da competência dos homens, o que revela, tão só, o estado de inconformidade de um programa completamente inútil a funcionar, não na base da propaganda oficial do “unidos somos mais fortes”, mas na expressão desse grande dirigente desportivo que foi Acácio Rosa, na base do “todos ao molho e fé em Deus”. 

Perante mais este olímpico fracasso, a fim de criar uma “barreira de fumo”, a nomenclatura político-associativa, “embandeirou em arco” porque o número de mulheres (37) superou o número de homens (36). Um patético “embandeirar em arco” sem qualquer significado se, por mera hipótese académica, as equipas masculinas de andebol e futebol tivessem conseguido o projetado apuramento. Portanto, o que se espera é que as burocracias institucionalizadas não prejudiquem a natural linha de tendência da evolução do desporto entre as mulheres uma vez que a olímpica corporação desportiva é pródiga em, para além das boas práticas, utilizar as mulheres tal como uma rosa decorativa, cujo destino é o caixote do lixo logo que, aos olhos da nomenclatura macho, a rosa murchar. E, por isso, até se esqueceram de informar que o número de mulheres só superou o dos homens, devido a uma política desastrada de naturalizações de aviário sem qualquer sentido. 

Continuando entre as mulheres, no presente ciclo olímpico, uma das estórias que, certamente, ficará para a história de um desporto que não sabe onde está nem para onde vai, está a ser vivida por duas mulheres, ambas judocas, que acabaram por não protagonizar um momento partilhado das suas vidas o que prova a inutilidade de um programa de preparação olímpica que não serve os atletas, os clubes, a federação e o País. Telma Monteiro (n. 1985), uma judoca de excelência com um currículo desportivo impressionante, querida e estimada pela generalidade dos portugueses que se interessam pelo desporto, devido a uma lesão, não conseguiu o apuramento para os JO de Paris (2024). Esta situação, embora de lamentar, acontece circunstancialmente no alto rendimento pelo que sendo de lamentar não é de estranhar. O que não se percebe é como, ao cabo de trinta anos de um programa de preparação olímpica, um desporto como o judo com uma tradição portuguesa que vem da participação nos JO de Tóquio (1964) de Fernando Costa Matos (de quem, em 1968, no INEF, fui aluno), perante a quebra de uma atleta já a atingir o limite da carreira, não tenha na linha competitiva, pelo menos, uma atleta, se possível duas, capazes de a substituírem! 

E, enquanto os portugueses ainda digeriam com dificuldade a ausência de Telma em Paris, foram surpreendidos com a notícia de que a judoca (-57 Kg) portuguesa Mariana Carvalho Esteves (n.1996) havia obtido a qualificação para os JO de Paris (2024), não em representação de Portugal, mas da Guiné-Conacri. E, claro, a primeira pergunta que, certamente, muitos portugueses formularam foi: Porque é que a Mariana não foi selecionada para ir aos jogos no lugar deixado vago pela Telma? Tanto mais que, Mariana, perante a Federação Internacional de Judo e o Comité Olímpico Internacional, até podia estar numa posição elegível para poder ocupar o lugar deixado por Telma Monteiro. De ascendência africana por parte da mãe, a Mariana, desde muito cedo, começou a praticar judo. Em 2014, aos 18 anos de idade, em representação de Portugal, conquistou um 3º lugar no Mundial de Juniores. Desde então, apesar de vários resultados significativos nacionais e internacionais e de ter estado integrada no famigerado programa de preparação olímpica, aquilo que devia ter sido uma carreira bem pensada e programada através de um processo competente no domínio do alto rendimento a decorrer, de A a Z, sob a responsabilidade do Estado, não passou de um rodopio de paradoxos e contradições e mal-entendidos impossíveis de entender. O que acabou de acontecer foi uma inacreditável quebra na linha de progressão nos -57KG que já vinha do tempo de Filipa Cavalleri em que, num sistema em que o Estado, à revelia da Constituição, não tivesse abdicado das suas responsabilidades e obrigações, podia ter sido ocupada pela Mariana ou outra judoca na linha do alto rendimento do judo nacional. 

Um qualquer sistema de alto rendimento desportivo deve: 

• Estar perfeitamente integrado no processo global de desenvolvimento do desporto nacional; 
• Começar na escola na disciplina de educação física cujo programa deve ser concebido e organizado em função dos grupos etários, por áreas ou especialidades e de acordo com os interesses dos alunos e do País e não ao serviço dos interesses corporativos dos professores; 
• Prosseguir no desporto escolar em programas do lazer desportivo ao rendimento desportivo; 
• Espalhar-se por todo o território nacional, através de uma estrutura piramidal de clubes de base ao alto rendimento; 
• Ser, do ponto de vista técnico, coordenado de A a Z pelas federações cujos dirigentes devem ser responsabilizados; 
• Do ponto de vista político, deve decorrer sob a responsabilidade do Governo do País, através de um gabinete técnico que, no quadro das estruturas político-administrativas tenha os recursos, os meios humanos e as competências sistémicas para o efeito. Nenhum programa de preparação olímpica, algum dia, poderá cumprir, com eficiência e eficácia, uma missão estratégica que só pode competir ao Estado.

É assim que se passa na generalidade dos países. Os Comités Olímpicos Nacionais (CONs) não têm vocação, competência técnico-política nem legitimidade democrática para tal. Quando não se sabe para onde se quer ir qualquer caminho serve. Ora, quando qualquer caminho serve o destino certo é chegar-se a lado nenhum que é onde o desporto nacional se encontra.

sábado, 20 de julho de 2024

Os exames e a angústia no acesso ao superior


Nota
Chegámos ao momento da angústia para os alunos que terminaram o 12º ano e se submeteram aos exames de acesso ao superior. Não só para eles, mas também para os pais. Desde logo, para uma larguíssima maioria, a ansiedade de escolher, no "menu", o curso, a cidade, depois, a fase do "entra não entra" e, mais tarde, o sofrimento de deitar contas à vida no que concerne aos encargos mensais. Um tormento!



Já nem falo do processo completamente abstruso que envolve as médias escolares entre o 10º e 12º anos, conjugadas com o resultado dos exames, sejam quais forem as ponderações atribuídas. Centro-me, apenas, no final da história e aí, por uma décima, um jovem pode garantir o acesso no quadro dos seus sonhos e talentos e, por uma décima, pode ser "atirado" para uma alternativa que não desejam para a sua vida. Uma décima! E mais, questiono, o que difere um aluno de 17,5 de outro com 19 ou 20 valores, quando se sabe que, por mais rigorosos que sejam os critérios de avaliação dos exames, qualquer avaliação transporta sempre uma enorme subjectividade.

Junta-se a isto o alarde que certas escolas fazem com os seus resultados, como há dias li, salientando médias genericamente superiores às nacionais. Apenas propaganda. Paralelamente ao trabalho dos professores, não os vejo falar sobre a relação de mérito entre o trabalho realizado na escola e as "notas" à custa dos designados "explicadores" da matéria, que custam muito dinheiro aos pais. Tampouco os vejo, humildemente, assumirem quantos ficaram para trás e por que ficaram! Esta daria, certamente, uma boa Dissertação de Mestrado.

O Professor José Pacheco referiu que "a prova não prova". Concordo. Mas pior do que isso é manter um modelo que acaba por matar sonhos, talentos e gerar muitas frustrações. Só a nata é evidenciada. Neste sistema, um aluno com 87,5% (17,5) devia poder entrar em qualquer curso, muito mais ainda no curso que correspondesse à sua vocação.

Em Fevereiro de 2019, publiquei um texto da autoria do Professor Catedrático Domingos Fernandes. Deixo aqui um excerto para reflexão:

Por
Domingos Fernandes
Professor Catedrático da Universidade de Lisboa

"(...) Dir-se-ia que os exames podem ser utilizados com intenções e propósitos louváveis. Porém, os seus efeitos nefastos e indesejáveis estão largamente comprovados. O principal é o chamado “empobrecimento” do currículo, decorrente do facto de o ensino se concentrar no que “sai nos exames” ignorando tudo o mais (e.g., competências relacionadas com conteúdos específicos, aprendizagens de natureza social e emocional). Todas as disciplinas que não são objeto de exame perdem a sua relevância na formação dos alunos.
Por outro lado, os exames induzem práticas tais como: apostar mais nos alunos que se pensa poderem ter melhores resultados do que naqueles que, supostamente, não terão essa possibilidade; treinar respostas para certas questões; ensinar técnicas para rejeitar certas opções nas perguntas de escolha múltipla; e pressionar os alunos com mais dificuldades para desistirem. Temos assim um conjunto de efeitos indesejáveis que questionam frontalmente a natureza e a profundidade das aprendizagens assim supostamente desenvolvidas. A investigação tem evidenciado que os exames, por natureza, não contribuem para aprender melhor, com mais profundidade e compreensão. As avaliações internas, da responsabilidade dos professores, são as que podem melhorar substancialmente as aprendizagens de todos os alunos. Nestas condições, surgem desafios relativamente à forma, conteúdos e propósitos dos exames e também às suas relações com as avaliações internas, porque os seus efeitos nefastos superam, comprovadamente, os seus efeitos positivos. (...)"

quinta-feira, 18 de julho de 2024

Inclusão ou exclusão encapotada!


Sem papas na língua e sem esmorecimento, Joaquim Azevedo acaba de publicar um livro (Modo de produção da exclusão escolar – olhar a escola a partir dos excluídos) que tem tanto de desafiante como de provocatório. Pretende mostrar, com base em dados empíricos, que, tal como está, a escola continua a excluir alunos, apesar de ter feito, nessa matéria, um percurso notável no período do pós-25 de Abril. É por vezes contundente na crítica a uma lógica de funcionamento que, para alguns alunos, não é só injusta, mas também “humilhante”. Mas faz essa análise para que, conhecendo e reconhecendo os mecanismos da exclusão, ela consiga mais facilmente dar uma resposta institucional e comunitariamente inclusiva. Fá-lo, de resto, a partir da experiência do Arco Maior, uma instituição socioeducativa por ele criada, na zona do Porto, para, precisamente, acolher os excluídos do ensino formal. Nesta entrevista exclusiva ao 7MARGENS, o investigador e professor jubilado da Universidade Católica, antigo governante e protagonista do ensino profissional, explica como funcionam os mecanismos de exclusão, mas também dá chaves para encontrar caminhos de saída … as quais serão aprofundadas num segundo volume que, desde já, anuncia.



7MARGENS – Como nasce este tema/perspetiva de abordagem?

JOAQUIM AZEVEDO – Devo este trabalho e esta pesquisa aos alunos do Arco Maior. Começámos em 2013 a trabalhar, procurando encontrar uma resposta educativa para os miúdos que abandonavam as escolas – e eram muitos, na altura, no Porto – começámos a conceber um modelo educativo que pudesse ajudar a fazer um caminho com eles no plano educativo, procurando também reinseri-los socialmente. Desde essa altura até hoje, já trabalhámos com mais de 500 miúdos e desse contacto contínuo com os casos, as situações, os dramas, as dificuldades deles e nossas, foi surgindo a pergunta: o que é que acontece nas escolas para eles serem excluídos e chegarem ao Arco Maior tão desestruturados, não acreditando em si próprios, desconfiando de tudo e de todos? É verdade que, em geral, eles têm famílias pobres e com problemas de violência doméstica, de abandono, é verdade que também vivem em contextos de pobreza e até segregação social. Mas há também uma intervenção da escola, acerca da qual há uma grande cortina de fumo. A minha ideia foi ir atrás verificar isso, tentar perceber.

7M – Ir atrás, como?

Pareceu-me que o caminho mais prático seria ir ver os processos individuais dos alunos – o que aconteceu desde que entraram na escola, de acordo com o que ficou registado nesses processos. Claro que, com alunos que têm problemas, conflitos, processos disciplinares, suspensões frequentes, os processos individuais são também volumosos, o que não acontece com os outros casos em que constam folhas adicionais, além das avaliações. Foram, pois, os miúdos que geraram a inquietação e a pergunta: “O que é que acontece?”.

7M – E o que é que acontece? Que permitem ver esses processos, em termos de mecanismos de exclusão?

Vê-se uma lógica que oculta, não uma lógica que esclarece e revela, sendo que há muitas coisas que contribuem para isso. No livro, identifico 12 passos… Por um lado, há uma deteção precoce de problemas relativos a uma tensão entre os miúdos e a escola e vice-versa. Isso gera, normalmente, uma catalogação. E aí começa o problema, porque estes miúdos são imediatamente identificados como miúdos em risco, miúdos problemáticos. Essa catalogação, que parece, à partida, muito inofensiva, vem a revelar-se profundamente prejudicial, porque ela mesma, em si, é uma negação do outro. Começa logo aí o problema do afastamento, do distanciamento.

“Trata-se de acender nos alunos o desejo de aprender”, considera Joaquim Azevedo. 


7M – É possível concretizar mais?

O facto de haver um aluno que é “de risco” leva a acionar medidas de apoio… Depois, há muita documentação que a escola elabora para justificar os défices desses alunos e as patologias – relatórios de psicólogos, de pedopsiquiatras, que se vão somando, a cada ano. Com alunos que têm muitos défices, trimestralmente os conselhos de turma analisam e passam ao papel listas infindáveis de défices desses miúdos, a que se juntam ainda os relatórios médicos. Os défices e as patologias, juntos, são desastrosos, desse ponto de vista. Tudo isto ajuda a criar uma armadura que ainda separa e distancia mais. Depois temos as reprovações – estes alunos reprovam e são incluídos em turmas como alunos mais velhos, repetentes – repetem o ano todo, mesmo que tenham tido sucesso a algumas disciplinas, o que é absurdo… Portanto, eles começam a ficar muito desfasados dos outros, havendo repetições que podem chegar a cinco vezes no mesmo ano de escolaridade.

7M – Parece ser mais do que desfasamento…

Isto é uma barbaridade. Falamos dos maus tratos familiares, mas, na nossa sociedade, temos de começar a falar dos maus tratos escolares, porque isto não pode acontecer. Esses miúdos ficam muito desalinhados com os outros e começam a tornar-se naquilo em que a escola acaba por os catalogar: problemáticos, inadequados, rebeldes, malcriados… isto é, eles transformam-se precisamente naquilo que sobre eles é projetado. Conseguem depois afirmar a sua identidade já não como a Ana ou o António, que lhes é negada, mas a do rebelde, o insolente que os fazem ser. Ligado a isto há muitas suspensões, há uma lógica escolar muito punitiva e pouco encorajadora, porque isso implica muita atenção, muita proximidade… Como isto não acontece, há essa punição sucessiva, muito agressiva, e o miúdo acaba por se convencer de que a escola não o quer e que ele não quer a escola nem serve para a escola. E, consequentemente, abandona.

7M – Como compreender, então, este abandono?

Este abandono – que é o termo que é usado – coloca o ónus sobre a criança ou o adolescente, porque foi ele que abandonou a escola, quando, na realidade, ele foi excluído da escola, ainda que dentro dela. Foi excluído de um conjunto de benefícios que a escola lhe deveria proporcionar – desde logo atenção, cuidado. Portanto, dá-se uma exclusão interior. A exclusão (para o exterior) é, depois, um ato muito menos relevante.

7M – Há experiências de resposta bem-sucedidas, isto é: que procurem remar num sentido mais centrado nas pessoas dos alunos?

Nas escolas do ensino geral, há respostas para muitos problemas destes, desde apoios pedagógicos até outro tipo de percursos alternativos… Sobretudo há professores que trabalham muito bem em termos de atenção, proximidade e respeito para com estes miúdos e que fazem um trabalho muito grande com eles, incluindo em tutorias que estão legalmente previstas. Ou seja, há muito trabalho que impede que o número [de abandonos] seja ainda maior. Aqui, nós estamos a falar dos miúdos que chegam ao Arco Maior. Há também outros cidadãos que têm percursos de vida muito próximos destes, mas que não chegam a este ponto, porque a escola é capaz de encontrar no seu seio não só professores aptos a trabalhar com eles, mas também circunstâncias e modalidades organizacionais e pedagógicas que ajudam a encontrar solução para eles. Portanto, acredito que a maior parte destas situações têm solução no interior das escolas e a preocupação pela inclusão é generalizada e genuína. A questão, por conseguinte, é que, apesar disso, há situações muito diferentes em que se gera muito este clima de tensão e de comportamento disruptivo… a escola então fracassa muito rapidamente na capacidade de responder. É claro que a taxa de abandono escolar precoce decresceu imenso, em Portugal, nas últimas décadas. Neste momento, poderá ter crescido alguma coisa com a imigração, mas temos oito por cento e tínhamos 50 por cento.

7M – Porém, no estudo, fica a ideia de que esses números podem, ao mesmo tempo, esconder realidades diferentes…

Sim, essa é uma outra questão que eu lanço e que é importante: as escolas estão muito colonizadas por uma lógica que eu chamo de “performatividade exibicionista”, que é a lógica de trabalhar para os resultados. Há escolas que conseguem encontrar solução para um conjunto de situações e resposta para muitos destes miúdos, mas há situações em que não conseguem, vê-se que não têm soluções pedagógicas alternativas, que também não conseguem pôr de pé modelos organizacionais diferentes para resolver estas situações e, dada a situação generalizada de desgaste e desmotivação, aderem a essa lógica. Ela pode traduzir-se em pretender apresentar 98 ou 99 por cento de sucesso, não interessando o que significa essa meta, mesmo que signifique fazer transitar um aluno que chega ao 9º ano com seis níveis negativos. Nós temos estado a desenvolver, nos últimos anos, esta lógica de trabalhar para os 98 ou 99 por cento de sucesso, o que quer que isso seja. E neste caminhar, nesta lógica, acabamos por cilindrar algumas situações mais difíceis e arrasá-las, empurrando para a exclusão.

Para Joaquim Azevedo, não chega dar a palavra aos alunos; é necessário escutá-los e envolvê-los na busca de soluções. 



7M – No livro Modo de produção da exclusão escolar, agora lançado, fica evidente a reduzida investigação feita do ponto de vista dos excluídos da escola e, mais ainda, que escute a voz desses excluídos. O que é que isto requer?

Requer tempo, que é uma dimensão que a escola tem de reivindicar ao conjunto da sociedade como nunca o fez. Isso implica reivindicar um espaço próprio e uma cultura própria. E essa cultura tem de ser a da atenção ou, como propõe um autor, o “paradigma do cuidado como desafio educativo”. Temos de pôr de pé uma escola que esteja particularmente atenta e capaz de cuidar de todas as situações, não na lógica de uma “inclusão degradada”, que é a dessa tal “performatividade exibicionista”, mas na lógica da proximidade, com respeito e cuidado, que permitam criar respostas individuais ou em pequeno grupo, como se justificar, que sejam capazes de encorajar todos e não apenas responder à maioria. Isto porque os oito ou dez por cento de excluídos de hoje são muito mais excluídos do que os 50 por cento que abandonavam há 50 anos, dado que vivem uma situação de exposição à exclusão muito mais grave.

7M – Como se poderia concretizar esse modelo de escola?

Eu costumo sintetizar isso à volta da ideia de participação. Vejamos: as crianças ou os jovens não participam da vida da escola. Não são chamados, não intervêm… e quando são chamados a intervir, isso acontece numa lógica de mera auscultação, que vem dirigida de cima para baixo e que conduz àquilo a que os adultos pretendem que se chegue. É, assim, uma auscultação muito pouco democrática. Pelo contrário, pondo-nos no lado das crianças e adolescentes que são ouvidos, ouvir com atenção, ouvir com cuidado, ouvir com tempo, ouvir sem inundar de moral o discurso e sem ter nada na manga, ouvir empenhadíssimo, ouvir a “olhar fixamente”, como propunha Simone Weil, isso permite que a realidade nos fale. Se isso acontecer, a vida destes alunos fala-nos. Isso exige estarmos disponíveis para ouvir o que eles dizem. E, a partir do que nos dizem, as crianças e adolescentes fornecem o material necessário para trabalhar com eles. São eles que têm esse material. O que nos diz a experiência do Arco Maior é que isso é viável e é possível. Torna-se possível, num ambiente diferente, de respeito e proximidade, romper a carapaça que qualquer cidadão cria quando é maltratado, fazendo com que eles, lentamente, se vão abrindo e permitam entrar num jogo que é o jogo do desejo. Trata-se de acender neles o desejo de aprender e de fazer com eles esse percurso.


7M – Como dar corpo a esse tipo de participação?

O maior capital que as escolas têm são os alunos e esse capital é desperdiçado, caso não exista esta escuta. Se forem ouvidos nesta lógica genuína, para em conjunto construir soluções educativas, eles tornam-se preciosos e indispensáveis. Quanto a esta ideia da participação dos alunos, desde as assembleias de turma até à participação na gestão do próprio currículo e mesmo na avaliação, se é verdade que já se fez um caminho grande, também é certo que estamos ainda na infância deste processo. E isso porque os miúdos não fazem parte do processo, já que são objeto do ensino e aprendizagem, de uma “maquinaria” que está pré-estabelecida.



Adolescentes do Arco Maior, em performance. Foto: Arquivo do Arco Maior

7M – Perante um fenómeno que é multidimensional, não se pode deixar de considerar as políticas, a nível local, nacional e europeu. Que aspetos ter em conta, nesta dimensão?

A escola não age sozinha e a minha sugestão, enunciada na parte final do livro, passa pela construção de projetos que designo por sociocomunitários, construídos localmente e comunitariamente, envolvendo as instituições da comunidade, desde as famílias (ou, não sendo possível, quem nas políticas sociais está mais próximo das famílias). Chamo-lhes “projetos de tolerância zero” face à humilhação escolar, porque assentes na recusa de lógicas de humilhação e marginalização de crianças. Isso é viável e é possível. De resto, há escolas que têm estado envolvidas em processos desse tipo e que conseguem resultados muito interessantes. Estes projetos têm que envolver o Ministério da Educação, porque é preciso, muitas vezes, criar mecanismos específicos que exigem autorizações especiais, casuísticas. Em vez de medidas pré-formatadas e gerais, é necessário um referencial genérico e, depois, flexibilidade bastante para adaptar localmente, em cada contexto específico. Estes projetos precisam de ser muito trabalhados e negociados institucionalmente. Podem surgir e desenvolver-se no interior da escola, num quadro de autonomia pedagógica, mas precisam desse envolvimento e horizonte sociocomunitário.

7M – No livro agora publicado, anuncia-se um segundo volume.

Sim, o próximo livro parte da experiência no Arco Maior durante estes dez anos para desenvolver uma pedagogia que vai ao encontro da possibilidade de incluir e reinserir socialmente estes adolescentes, que temos posto em prática e que tem dado bom resultado, nomeadamente quanto às dinâmicas de participação dos alunos. Esse segundo volume quer ajudar a pensar a escola e como é que ela pode ser outra, de outra maneira, no século XXI. Com as mudanças que a sociedade conhece, a escola tem mesmo de se reinventar, sob pena de se tornar uma instituição ridícula e irrelevante.


domingo, 14 de julho de 2024

Discurso conforme as circunstâncias


O secretário regional da Educação da Madeira discursa conforme as circunstâncias. Quando interessa faz disso propaganda política; quando a situação não é favorável, tal como o "rapper", "assobia para o lado". Isto a propósito dos famigerados "ranking's" das escolas e os resultados dos testes PISA.



Ontem, sobre os "ranking's", assumiu: "(...) nós não tomamos como referência essa hierarquização" dos estabelecimentos escolares. Entre as secundárias da região verificou-se que as classificações se situaram entre 146º (12,23) e 595º (10,00 valores); entre escolas básicas entre 49º e 1144º.

Concordo com o titular da pasta, pois tal como já escrevi: "(...) O Ministério da Educação continua a favorecer uma comparação com aquilo que não deve ser comparado. A aprendizagem não se alicerça em um campeonato entre estabelecimentos de aprendizagem, isto é, os da primeira liga (escolas privadas) e os do campeonato de Portugal (escolas públicas); entre os que dispõem de significativos recursos financeiros e os outros. A aprendizagem não visa, pontual e circunstancialmente, obter uma dada classificação colectiva e, no ano seguinte, encontrar-se de meia tabela para baixo. Ora, meter no mesmo rol instituições públicas e privadas constitui um erro grosseiro e desonesto. Não é de bom senso e é despido de rigor, directa ou indirectamente, comparar instituições de natureza privada, cujos alunos, normalmente, têm origem em famílias com outro tipo de formação e bem-estar, com as públicas que abrigam muitos milhares que transportam as históricas consequências das graves assimetrias económicas, sociais e culturais (...)"

O problema é outro. Ora bem, quer os "ranking's", abusivamente publicados pelo Ministério da Educação, quer os teste PISA constituem avaliações globais ao desempenho dos estudantes. Só que, no final de 2023, o político, no apuramento PISA, teceu elogios à qualidade dos estudantes madeirenses na literacia de leitura, matemática e ciências, colocando-os praticamente a par da Finlândia, Suécia, Dinamarca, Alemanha, França e, destacadamente, à frente dos resultados de Portugal Continental. 

Literacia de Leitura
1º Finlândia 490
Madeira 487
Continente 477

Literacia Científica
1º Finlândia 511
Madeira 492
Continente 484

Literacia Matemática
1º Dinamarca 489
Madeira 474
Continente 472

Com estes resultados seria lógico deduzir que, a Região da Madeira, está no topo do Mundo, pelo menos Europeu, no que à Educação diz respeito. Entretanto, surgem os "ranking's" que manifestam exactamente o contrário. Eu sei onde reside a incoerência, mas ficará para depois. Por agora, poder-se-á concluir que "a mentira tem perna curta". 

Hoje a história já é outra. Talvez para esconder a realidade, através de um estudo gerador de muitas dúvidas, porque passa ao lado de variáveis muito importantes, traz à colação a importância dos manuais digitais: "Manuais digitais trouxeram notas mais altas". Vou-me ficar por aquilo que o falecido Professor Doutor Santana Castilho, num encontro de professores, realizado no Funchal, disse sobre a utilização dos manuais digitais. Sumariamente, assumiu que nos Estados Unidos, a implementação dos manuais digitais, iniciada há oito anos, foi abandonada, porque os cientistas concluíram que o desenvolvimento cognitivo das gerações mergulhadas no digital é equivalente ao das crianças de 8/9 anos de há 30 anos; por outro lado, são cinco vezes mais caros para além de ter crescido em 30% as doenças oftalmológicas. 

O estudo, hoje publicado, fez-me lembrar a história que se conta nos meios académicos sobre actos de investigação sem rigor: um desses "investigadores" cortou uma pata a uma rã e disse para a rã saltar. E a rã saltou. Retirou uma segunda pata e uma terceira e a rã continuou a saltar. Retirada a quarta, mandou rã saltar e esta não saltou. Conclusão do estudo: uma rã sem patas é surda!

Ilustração: Google Imagens.