Glória Ramalho é professora no Instituto Superior de Psicologia Aplicada e foi directora do então Gabinete de Avaliação Educacional (GAVE). É doutorada em Psicologia Educacional. Acabo de ler, no Expresso, um seu artigo ao qual deu o título: "Para onde caminha a escola na Finlândia". Deixo alguns excertos: "(...) A Finlândia tem um novo currículo (...) se os resultados são tão bons, então porque se empenharam em mudar o currículo? (...) porque o mundo em que as escolas agem sofreu mudanças de grande alcance; aumentou o impacto da globalização, mudaram as competências necessárias à vida social e profissional e, hoje, são outros os desafios que se colocam a um futuro sustentável. A pedagogia, o conteúdo do que se ensina e as práticas escolares devem ser revistos e renovados (...) A escola é vista como uma comunidade de aprendizagem que incentiva a participação dos alunos, que tem em conta o significado para os jovens dos temas que se lhes propõem (...) encoraja-se a extensão dos lugares de aprendizagem para além da escola: visitas à natureza, aos museus ou a instituições ligadas aos negócios; os jogos e outras envolventes virtuais são consideradas (...) a transversalidade nas aprendizagens escolares é manifestada, igualmente, na determinação de que, em cada ano de escolaridade, as escolas incluam pelo menos um módulo de aprendizagem multidisciplinar que combine o conteúdo de várias disciplinas e que o aborde de pontos de vista diferentes (...)"
Estava a ler este artigo e fui em busca de um que escrevi, em Junho de 2015, no meu blogue "comqueentao", exactamente sob o título "A Educação na Finlândia", no qual tracei algumas considerações sobre o "Programa de Governo para a Madeira".
O “programa de governo” para a Educação é um desastre conceptual e político. Apenas lugares comuns sem fio condutor. Li-o, mastigando palavras, em uma tentativa dele extrair um conceito que fosse, uma ideia. Li-o na vertical e cruzei, horizontalmente, as diversas intenções. Desesperante, na forma e no conteúdo.
Algumas partes pareceram-me elencadas pelos serviços e ali metidas a martelo. Uma lástima. Eu diria que se trata de matéria dada através de velhos e mofentos manuais de onde se extraíram resultados desproporcionais ao investimento. Basta um olhar para as altíssimas taxas de insucesso, de abandono e a fragilidade nas qualificações profissionais. Seguir por ali só podemos esperar mais quatro anos de estagnação ou mesmo de retrocesso. Lamento. Podia ali existir uma ideia portadora de futuro, mesmo que ténue ou mal concebida, partindo do pressuposto que uma mudança de sentido tem de ser cautelosa e projectada para várias legislaturas. Porque a Educação não pode ser motivo de jogo partidário. Mas não, no essencial, ali reside a persistência do erro e um permanente olhar para ontem, salpicado, aqui e ali, por umas palavras que soam bem, todavia, vazias de significado contextual. Nem por tentativa e erro, quarenta anos depois, se fez luz no esburacado e pouco iluminado túnel. Como enalteceu o Professor José Pacheco, numa recente conferência, o sistema tende a eternizar-se como resposta aos jovens do Século XXI, com professores do Século XX e metodologias do Século XIX. Em linguagem informática só pode dar “erro”. E tão simples e aliciante poderia ser este tempo, com tanta informação disponível, tanta investigação produzida, tantos estudos elaborados em monografias, dissertações e teses de doutoramento, tantos autores que se debruçaram, desde professores universitários, psicólogos, médicos a sociólogos. Concluo que o vasto leque dos decisores políticos não querem ler, sequer ouvir ou perceber como se constrói a Educação para a complexidade dos novos tempos. Para quê mudar se sempre foi assim, pensarão de forma abstrusa! Pois, pensar e arquitectar dá muito trabalho!
Há dias li um trabalho de reportagem, na revista do Expresso (30.05.2015), sobre as novas alterações ao sistema educativo na Finlândia. Nada de novo, mas escorreram-me garganta abaixo como mel aquelas sete páginas. O que lá estão a realizar é exactamente aquilo que vários portugueses consideram ser o caminho do sucesso. Por cá as vozes não são escutadas, quando não subtilmente maltratadas e apagadas. Por lá, respeitam os sinais da investigação e seguem em busca de novos paradigmas. Obviamente que os contextos históricos, económicos, sociais e culturais são diferentes, pelo que não basta copiar um sistema e aplicá-lo. Mas, no mínimo, há que ser sensível e mostrar-se disponível para partir, para colocar tudo em causa, analisar todas as variáveis a montante e a jusante, deixar o cruzamento e seguir um caminho. Palavras de uma professora: “a sociedade mudou muito e os estudantes precisam de competências diferentes para quando forem trabalhar. No mundo real não existe a Matemática, a Biologia, a Química, não existem disciplinas escolares, mas fenómenos complexos, aos quais não podemos dar resposta como se fossem perguntas de resposta múltipla (…)”. Daí que os conhecimentos tenham de ser trabalhados de forma integrada. E dá um exemplo simples:
“Chocolate. Há um mundo inteiro dentro de uma barra de chocolate e inúmeras coisas que podem ser estudadas” (…) é assim que devem aprender, porque é assim na vida real”. Está, portanto, em causa a aprendizagem por fenómenos em alternativa ao modelo clássico por disciplinas. E os objectivos são cumpridos. Aquela ideia de toca-entra-toca-sai, de todos sentados, alinhados, olhando em frente e escutando o professor que debita e debita, corresponde ao quadro da monotonia e da indisciplina por ausência de participação. O registo de faltas, o sumário e o conceito de aula, o escrupuloso cumprimento do programa tal como está superiormente determinado e acertado na reunião de departamento ou de grupo, foi chão que poucas uvas deu. Na Finlândia (existem outras experiências de sucesso) o professor é um moderador, um jogador atento e um criador de fenómenos que conduzem à descoberta. “(…) A ideia é não ser o professor a ensinar tudo”. Dizem os alunos: “é mais fácil compreender a matéria do que só de ouvido. Somos treinados para sermos independentes e para irmos à procura de respostas”. Leio: “(…) a aula decorre, mas não é Niina Vänttä a dar as ordens, apresenta a matéria ou perde tempo a mandar calar os alunos”. E o interessante, note o leitor, é que começam na escola aos sete anos, aprendem e estão no topo da avaliação PISA; só têm exames no final do secundário, por isso, não há stress, ansiedade ou nervosismo entre alunos e professores; só 3,8% dos alunos repetem um ano ao longo de todo o percurso escolar, contra 34,3% em Portugal; em toda a Europa são os que menos tempo passam na escola (média de 703 horas por ano, quando em Portugal são 803); dez páginas chegam para salientar o que os alunos precisam de saber do 1º ao 9º ano (qualquer disciplina), enquanto em Portugal são necessárias 110 páginas; rejeitam a sistemática “medição de resultados” (avaliação); 83% da população adulta tem o secundário, quando em Portugal ronda 38%; são os professores que fazem o planeamento e definem as metodologias de aprendizagem e não uns estranhos à vivência escolar sentados no conforto dos gabinetes. Mais, porque a Educação é necessária ao desenvolvimento, ela é pública, todo o ensino do pré-escolar ao superior é gratuito, incluindo as refeições, o transporte e os manuais. O número de alunos por escola situa-se entre os 200 e os 300. Os professores são vistos pelos alunos como “superautoridades” e é mais difícil ter acesso ao curso universitário de professor do que entrar para Medicina, leio no trabalho da jornalista Isabel leiria.
Conheço a Finlândia e nada disto me é estranho.
A literatura é vasta e o conhecimento está disponível. Por que não aprendem? Refiro-me aos decisores políticos. E quando é possível construir, paulatinamente, um paradigma em busca do sucesso, confronto-me com um “programa de governo” que é anedótico. Mas quando, aqui tão perto, a Universidade da Madeira, particularmente o Departamento das Ciências da Educação, não é tido em conta, que mais podemos esperar de um programa que é papel com letras?"
Ilustração: Google Imagens.
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