quinta-feira, 31 de agosto de 2017

HÁ CRIANÇAS CUJAS MOCHILAS PAGARIAM EXCESSO DE BAGAGEM


Em Outubro passado deixei aqui um texto sobre o peso que as crianças são obrigadas a transportar nas suas mochilas. Parto, hoje,  deste excerto: "Estive à porta de uma escola. Eram 18 horas. Um ou outro saía com a mochila às costas ao encontro dos pais e/ou familiares, enquanto a generalidade usava um "trolley", tantos são os livros, cadernos, lanches, equipamentos de desporto e outros necessários ao "dia de aulas". Trata-se de uma escola que concentra crianças e jovens de várias idades, desde muito cedo até ao final da tarde. Pesei uma dessas "malas de viagem". Onze quilos e meio para uma criança de 5º ano, com cerca de 30 kg de peso corporal. Carrega, uns dias menos do que outros, um terço do seu peso. O peso da "mala da viagem escolar" diária, em uma companhia aérea de baixo custo, pagaria excesso de bagagem. 

A mochila de um dos meus netos! O peso deveria situar-se
entre os 3 e os 4 kg, mas transporta 11,5 kg.

O DN-Madeira de hoje volta ao assunto ("água mole em pedra dura..."), colocando em destaque: "Entre 2003 e 2017, os nossos alunos levaram às costas mais de dez quilos de material escolar, número que aumentou de 4,5 para 16% em 14 anos". Trata-se de um assunto recorrente sobre o qual têm falado e escrito professores, investigadores, médicos, psicólogos, sei lá quantos documentos já li sobre este assunto. Todos os anos o tema regressa e a passividade dos governantes mantém-se. Naquele texto de Outubro passado destaquei, ainda: "O sistema educativo esquece-se que as "(...) dores nas costas são a causa mais frequente das visitas ao médico. As doenças que afectam a coluna representam mais de 50% das causas de incapacidade física e que se estima que 7 em cada 10 portugueses sofrem ou já sofreram de dores nas costas. Independentemente deste factor de relevante importância no plano da saúde, a questão essencial que se coloca é se a formação básica se mede por quilos? Ou será, deixo às vossas considerações, que existem outros formatos de aprendizagem que conduzem ao saber dispensando a necessidade do sacrifício?"
O problema, portanto, não está na escola ter mais cacifos para que as crianças possam aliviar o peso que transportam. Este alerta da DECO, embora bem intencionado, constitui, apenas, um paliativo que não resolve o  problema de fundo. A questão, assuma-se, é de sistema educativo e do que se pretende que seja o ensino básico. Ou desejam, logo à partida, uma aprendizagem enciclopédica, descontextualizada da cadência do tempo de aprendizagem, tornando as crianças "burrinhos de carga", ou pretendem a busca do essencial, o alimento da curiosidade, o alicerce do conhecimento, a utilização da tecnologia, a criatividade, a pergunta em vez da resposta. Os governantes dão a perceber que ainda não entenderam que, através de novos enquadramentos, é possível aprender muito mais, repito, muito mais e de forma consistente, comparativamente ao velho sistema segmentado por disciplinas. Como não entendem ou sabem e não querem, permitem, então, que a irresponsabilidade se transfira para a mochila das crianças. E sendo assim, para o ano, nas vésperas de um novo ano escolar, os que se preocupam com estes temas, regressarão com o drama do peso das mochilas. Para já, nada a fazer, até que apareça alguém que corrija a situação.
Ilustração: Arquivo pessoal.

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