segunda-feira, 28 de agosto de 2017

QUANDO É "PROIBIDO" VER O MUNDO PARA ALÉM DOS MUROS DA ESCOLA


Os últimos dois meses foram, para mim, muito interessantes e motivadores. Por um lado, li, em primeira mão, o novo livro do meu distinto Amigo Professor Doutor Gustavo Pires sobre Pierre de Coubertin e a História do Movimento Olímpico. Antes da sua apresentação, que terá lugar ao longo do mês de Setembro, pediu-me que o lesse. Enriqueceu-me, sobremaneira. Um livro a não perder, por políticos, agentes desportivos, pais e jovens. Por outro lado, a vivência diária com os netos permitiu-me descobrir ou consolidar percepções que há muito venho alimentando. Porque uma coisa, para além da função docente exercida, é ler sobre temas de educação, sistema educativo e aprendizagem, outra, é estar atento ao que as crianças pensam e como agem no tempo que estão a viver. É sobre este aspecto que aqui deixo mais uma reflexão, quando se aproxima o dia do tal "regresso às aulas".


Não me restam dúvidas que, de Setembro a Junho próximo, será mais do mesmo. Tudo ficará confinado a uma palavra: rotina. Currículos genericamente iguais, programas e manuais para cumprir, sumários, tarefas e mais tarefas impostas e condicionadoras da autonomia das escolas, testes e grelhas de avaliação, discussões repetitivas e estéreis aos níveis de departamentos e conselhos de turma, muita burocracia, portas que se abrem e fecham ao toque da campainha, professores angustiados, direcções executivas a contarem cêntimos, enfim, está de regresso a normal anormalidade. Julho e Agosto já foram, para não falar dos meses anteriores, e da parte de quem tem o dever de governar a Região Autónoma, manteve-se o enervante silêncio cúmplice, correspondente ao aforismo "tudo como dantes no quartel-general de Abrantes". A criança que, teoricamente, dizem estar no centro das políticas educativas, pergunto, se alguém, no seu perfeito juízo, poderá assumir que esse é o desígnio? Ou será que a rotina, o sistema hierarquizado, centralizado e padronizado é preferível e mantido pelo receio de perda de influência política? Já não vou tanto pela linha da ignorância que obstaculiza a que os decisores políticos não saibam o que se está a passar. Até porque, hoje, existe tanta informação e tanta formação. Até marcam presença nas cerimónias de abertura, de congressos a seminários. O problema, por isso, parece-me ser acomodação, desleixo, falta de ambição e para quê mudar se isso só dá trabalho? Ora, isto a propósito de quê? Ah, dos netos, que fui olhando e analisando através dos detalhes das conversas e das atitudes. O que sentem, o que dizem, o que sabem, como olham para a escola e para a aprendizagem, não foi para mim uma novidade, mas mais do que isso, uma reflexão sobre as mudanças cada vez mais necessárias.
O mais novo, de dois anos, mexe no telemóvel e no ipad de uma forma que me espanta; os mais velhos dão-me lições de tecnologia. E dou comigo a pensar, mais dia menos dia, lá estarão em uma sala, presos a um quadro preto, sentados e alinhados, ouvindo e repetindo mecanicamente, mor das vezes, a repetição do manual, para depois debitarem nos testes e esquecer. Sentados e distantes da tecnologia e das ferramentas que eles próprios dispõem. E que as escolas, muitas, também têm, apenas para o que dá jeito. É o sistema que, genericamente, ainda continua a centrar no professor o conhecimento, quando esse conhecimento, pode e deveria estar à distância de um arrastar de um dedo sobre o ecrã ou de um clique. Não se trata de substituir o professor pelo "Dr. Google", mas de perceber que existe mais mundo para além do manual. E que a verdadeira aprendizagem é aquela que fica, aquela que é retida e que, pela vivência participada e sentida, possibilita a transferência, o que não é possível com aquela "injectada", descontextualizada e que não se relaciona com nada. Ler por obrigação é uma coisa; ler por gosto e sentido de curiosidade, de universo e de aprendizagem, é outra. E isso aprende-se sem ultrapassar etapas. Saber datas históricas é uma coisa; compreender e relacionar factos e tempos históricos a vários níveis é outra bem diferente. 
Ora, sendo a vida complexa, logo a aprendizagem deveria assentar em estudos sobre "fenómenos complexos". A vida, inclusive a de natureza profissional, não é um conjunto de disciplinas segmentadas. É um aglomerado de conhecimentos relacionados entre si, que implicam participação activa e não passiva, permanente questionamento, sentido de busca e dúvida. O sistema permite isto? Obviamente que não. O sistema quer a resposta, não quer a pergunta embaraçosa e desafiadora que, dizem, "faz perder tempo"; o sistema quer o cumprimento do sumário; quer as crianças sentadas e obedientes, não quer a azáfama pelo conhecimento; quer o programa tim-tim-por-tim-tim, porque o professor também tem de ser avaliado; quer o relatório, dispensa o conteúdo e os alunos; o sistema vive e prefere a falsa meritocracia, o teste, o exame, o quadro de honra e encolhe os ombros aos trágicos números do insucesso e do abandono; o sistema ama a Sociedade Industrial, a linha de montagem e abomina a inovação e a criatividade, porque são perigosas. E assim, com várias e distintivas excepções, o sistema é isto! Tudo igual, há dezenas de anos igual. Preferia uma escola sem muros, os tais que tolhem a capacidade de ver que existe mais mundo e curiosidades por descobrir. Alguns, conseguem espreitar subindo ao muro, mas por aí ficam. Infelizmente. O Ensino Básico deveria ser aquilo, mas não é! É limitador e desinteressante, castrador da inteligência e restritivo da curiosidade.
Ilustração: Google Imagens.

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