Um artigo publicado na revista VISÃO (Bolsa de Especialistas) e aqui reproduzido com a devida vénia. A sua autora Drª Carmo Machado é Mestre em Ciências da Educação.
Uma vez, à laia de desabafo e referindo-se a um determinado aluno, uma colega confessou-me: Eu já lhe dei o mesmo teste para fazer cinco vezes seguidas e da última vez, para o ajudar, até fiquei com as cábulas que lhe apanhei e corrigi-as. Mesmo assim, o aluno voltou a reprovar... Fui para casa incomodada nesse dia. E nos outros que se seguiram. Não só porque continuamos a chegar à escola com o ar conformado e triste das segundas feiras, carregando às costas, em pastas e dossiers, a angústia dos assuntos por resolver, mas também e sobretudo porque a escola continua a repetir as mesmíssimas formas de avaliar, uniformizando todos os alunos pelo mesmo diapasão que, como sabemos, não funciona nem pode funcionar.
Alguém tem dúvidas de que se desvirtua diariamente as potencialidades formativas e pedagógicas da avaliação escolar? Eu não. Ensino há quase trinta anos, sem interrupção, e posso afirmar que quase cinco décadas depois das mudanças introduzidas pela Revolução de Abril no sistema educativo português, a avaliação continua a ser pontual, solitária, sumativa e discriminatória. Numa época em que tanto se fala de qualidade, a sociedade deixa-se convencer de que os resultados dos testes e depois dos exames a refletem. Puro engano. A excelência na educação está longe de ser alcançada e não é ainda minimamente acompanhada por um sistema de avaliação adequado. Este continua desligado da aprendizagem e apresenta uma finalidade única que é a de classificar os alunos, esquecendo a sua função motivadora, reguladora e orientadora dos seus processos de aprendizagem. Testes e exames possuem grande tradição histórica e são formas de legitimação de poder e das suas políticas de educação. Porém, a avaliação é uma parte essencial ao processo de ensino e de aprendizagem e, como tal, é necessária para confrontar os objetivos estabelecidos com os seus resultados. Assim, os professores deveriam avaliar porque ensinam em vez de ensinar para avaliar. E quanto aos alunos, estes não deveriam aprender quase exclusivamente para serem avaliados. Infelizmente, é isto que hoje se verifica na maioria dos casos que eu conheço.
A escola de hoje continua a apresentar um fosso gritante entre todos os pressupostos teóricos existentes e a verdadeira atividade pedagógica. Existe uma contradição constante na nossa prática profissional quotidiana entre aquilo que deveria ser e o que verdadeiramente é. Deixemo-nos de hipocrisias. Já Hadji dizia, com toda a razão, que o lugar da nota na escola é bastante prodigioso. De facto, ela joga um papel determinante na vida dos alunos. E mesmo na dos professores, diria eu, que sem testes para avaliar e nota para atribuir em consequência desses testes, ficariam perdidos, naufragados num mar sem norte. Estou cada vez mais convencida de que os testes e as notas que deles resultam continuam (e continuarão) a constituir os elementos principais na avaliação dos alunos, por mais que sejam apresentados outros critérios que supostamente o professor deverá ter em consideração.
Por isso mesmo, e porque a avaliação como a entendo é um processo de recolha de informação, o uso que lhe dou é diário. E sendo a avaliação um continuum, como poderemos tomar as principais decisões apenas com base em dois momentos específicos de avaliação por período letivo? Quanto à parte que me toca, não quero voltar a sair da escola com esta sensação de fracasso entranhada nos ossos. Não quero continuar a fazer de conta que ensino e não quero, repito, não quero que os meus alunos façam de conta que aprendem... Só para responderem corretamente no teste e a seguir esquecerem tudo o que aprenderam. Quero fazer da escola e do ensino da minha disciplina um espaço de aprendizagens significativas e da aula de Português um pedaço de autêntica vida que permita, acima de tudo, a tomada de consciência do indivíduo em relação com a língua que fala e a cultura que o rodeia. Atenção, não pretendo negar totalmente a importância do teste ou do exame. Quero apenas que a escola aprenda a desembaraçarse deles, retirando-lhes o lugar de destaque que atualmente ocupam na avaliação das aprendizagens. E numa época em que o insucesso escolar é uma realidade, que tal admitirmos a hipótese de a avaliação como a entendemos e efetuamos hoje – mais classificativa do que interpretativa - ser uma das suas principais causas?
Deixo-vos com esta reflexão, caros leitores: poderá o sistema de ensino português correr o risco de entrar em descalabro se a avaliação escolar abandonar o seu exclusivo teor certificativo e passar a funcionar como a bússola que guia alunos e professores nas aprendizagens Conseguiremos, de uma vez por todas, passar a encarar a avaliação numa perspetiva evolutiva e dinâmica de adaptação, resolução e reflexão perante a vida?
Sabemos todos que alterar a forma como avaliamos é, sem dúvida, uma das mudanças mais difíceis – e cruciais - a levar a cabo no universo escolar mas já Confúcio dizia: Transportai um punhado de terra todos os dias e fareis uma montanha.
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