terça-feira, 12 de dezembro de 2017

OH ROTINA QUE TANTO MAL FAZES ÀS CRIANÇAS E AOS ADOLESCENTES


A 20 de Setembro de 2009, em nome do grupo parlamentar do PS na Assembleia Legislativa da Madeira, apresentei um Projecto de Decreto Legislativo Regional sobre o Regime Jurídico do Sistema Educativo Regional. Tratava-se de um ponto de partida, não de chegada. Foi chumbado pela maioria PSD e contou com a aprovação dos restantes grupos parlamentares. O extenso documento foi objecto de muitas consultas, entre investigadores, educadores e professores de todos os níveis, conselhos executivos, sindicatos, análises comparadas com outros sistemas educativos e, naturalmente, uma revisão da literatura existente. Entretanto, passaram-se oito anos, duas legislaturas, e os valores, relativamente ao número de alunos por turma, continuam distantes do aceitável. Pelo contrário, a partir das recentes declarações do secretário da Educação e apesar dos números serem referenciais, as médias apresentadas assemelham-se à história de dois amigos em que um comeu dois frangos, porém, a média estatística foi de um frango por cada. Um exemplo: tenho um neto, no 2º ciclo, cuja turma tem 25 alunos, mas a média regional é de 22!



NÚMERO DE ALUNOS POR TURMA*


PROPOSTA DO PS-MADEIRA
SECRETARIA DA EDUCAÇÃO
Creche
10
12
Pré-escolar
18
20
1º ciclo
18
21
2º e 3º ciclos
16
22
Secundário
14
22

Ora, o que está aqui em causa é a (re)organização do sistema que tarda, uma outra concepção da rede de estabelecimentos de educação e ensino e, tão importante quanto isso, a determinação do que se pretende atingir com o sistema educativo. Este aspecto não está, de todo, clarificado. Desde sempre o que o sistema tem pretendido é que as crianças e jovens vão ultrapassando as sucessivas etapas, porém, com que objectivo e de que forma, tal pouco tem interessado. Para que serve o currículo estipulado e para que servem os extensos programas com repetidas particularidades, tais interrogações não têm feito parte das preocupações estruturantes do sistema. Muita burocracia, muitas grelhas para preencher, muitas circulares, muitos normativos, muito big-brother, muitas reuniões ditas "pedagógicas", de departamento, de grupo e de turma, mas, afinal, tudo converge para uma pescadinha de rabo na boca. O sistema é circular! Obediência cega tornou-se exigência e quem sair fora do padrão estipulado pode ser visado. Adiante.
O conceito de turma e de aula não é discutido. Talvez porque dê muito trabalho PENSAR um sistema preparado e adequado aos novos tempos. Disse o experiente investigador e pedagogo José Pacheco respondendo a uma sua interrogação: "(...) se eu dou aula, preparada ao pormenor, e eles não aprendem, talvez não aprendam porque eu dou aula". Pois, é isso mesmo. Mudar o conceito de aula e de turma, alterar as preocupações de natureza pedagógica, onde no centro deve estar o aluno e não o "magister dixit" que fala, fala e fala, partir à descoberta para estruturar o conhecimento, utilizando toda a tecnologia pessoal ou da escola, gerar o princípio que a escola não pode nem deve confinar-se às ditas "salas de aula", a uma campainha, disciplinas, programas e testes, eu sei, dá muito trabalho! Só que, lá vem a propósito George Gusdorf: "o mais alto ensinamento do mestre não está no que diz, mas no que não diz". 

O Ensino Básico deveria ser, por isso, a grande explosão do pensamento crítico visando a estruturação do conhecimento secundário e universitário. Deveria ser, antes de mais, a explosão da cultura geral, a capacidade para cruzar toda a informação disponível, a competência para ler, compreender, escrever e elaborar textos com pensamento e qualidade. 

O Ensino Básico não é nada disto, por maiores que sejam as intenções das instituições e dos projectos de natureza avulsa que invadem os estabelecimentos de educação e ensino. O sistema chegou a um ponto que, grosso modo, se preocupa muito mais com a avaliação do que com o verdadeiro conhecimento. O manual continua a prevalecer relativamente à capacidade de PENSAR. Para o sistema, desde o primeiro dia do ano escolar, a grelha de avaliação, com tantas colunas e percentagens, vale mais do que a estrutura, o alicerce a partir do qual poderão ser erigidas as colunas e vigas dos patamares superiores do conhecimento. Para o sistema, os relatórios, muito enfeitados de palavras e números, mesmo que vão, logo de seguida, direitinhos para o arquivo morto, são mais importantes que as sementes que deveriam ser lançadas no tempo certo. 
Depois, tarde de mais, quando já é muito difícil corrigir percursos, quando o desânimo rouba a esperança, vêm os apoios e mais aulas, no quadro da mesma mentalidade pedagógica. Não sabem Português, pois bem, mais Português; não sabem Matemática, pois bem, tomem lá mais Matemática. E ninguém pára para reflectir, desde a estrutura e debilidades da sociedade a montante da escola, até à organização pedagógica vigente. É isso José Pacheco, "(...) se eu dou aula, preparada ao pormenor, e eles não aprendem, talvez não aprendam porque eu dou aula". O secretário que pense nisso! E que pense nas causas das 107 ocorrências criminais nas escolas, noticiadas na edição de hoje do DN-Madeira.

Nota
*A proposta (número de alunos por turma), constituía um primeiro passo para uma outra visão e enquadramento das aprendizagens.
Ilustração: Arquivo próprio. 

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