O mais recente relatório sobre o estado da Educação feito pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), que voltou a analisar a fundo o sistema de ensino nacional, destaca vários pontos, como o insucesso continuar concentrado nos filhos de famílias mais carenciadas e com menos formação, avança com sugestões, como a possibilidade de acabar com o 2.º Ciclo do Ensino Básico, e recomenda a criação de uma estrutura que trate da avaliação e revisão dos programas de todas as disciplinas de forma sistemática. E volta a chamar a atenção para um corpo docente envelhecido. O que pensam os diretores escolares desta última análise feita pelo CNE?
Há muitos anos que a Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP) defende um pacto na Educação relativamente a pelo menos dois setores, ou seja, no plano curricular para que perdurasse pelo menos duas legislaturas completas, já que é fundamental para alunos e professores saber o que se ensina, e ao nível da avaliação externa dos estudantes para que se mantivesse pelo menos oito anos sem sofrer alterações, já que a história prova que um governo de esquerda dá primazia às provas de aferição e um governo de direita privilegia os exames.
Filinto Lima, presidente da ANDAEP, professor e diretor escolar, recorda essa vontade e os benefícios desse pacto na Educação, nomeadamente ao nível da estabilidade, e insiste que é necessário um forte investimento nesta área. O mais recente relatório do CNE traz ao de cima esses assuntos. “O Orçamento do Estado 2018 traduziu-se num autêntico balde de água fria e num rude golpe desferido na Educação, e este corre o risco de ir pelo mesmo caminho”, comenta ao EDUCARE.PT. “Critiquei veementemente o modo como a Educação e os seus profissionais foram (mal)tratados, num documento orçamental que arrasou a dignidade docente, vilipendiando o sacrifício, por congelamento da progressão na carreira de nove anos, quatro meses e dois dias, tempo exercido em docência, com a pretensão de que, passando-lhe a borracha, não tivesse existido. Atentando nos discursos políticos reiteradamente proferidos, não se prognosticava tal crueldade”, refere.
O CNE revela que 2,5 milhões de portugueses só têm o 4.º ano de escolaridade e que cerca de 5% são de analfabetos. “São números que nos envergonham, necessitando adotar medidas positivas para diminuir estes valores escandalosos no século XXI”. A ANDAEP insiste que é necessário apostar na educação de adultos. O CNE dá também nota que há menos computadores nas escolas, tendo em conta o número de alunos. “As escolas necessitam de renovar o seu parque informático, já obsoleto, e ser dotadas de rede wifi fiável pois a atual obriga à preparação pelos professores de dois planos para a mesma aula: plano A com recurso à internet, usando computadores ou outros instrumentos tecnológicos; e o plano B, aula ‘tradicional’ não planeada em primeira instância pelo professor”.
Outra questão abordada no relatório do CNE é o envelhecimento da classe docente, bem como o aumento do número de atestados médicos, e o aumento de 88% do número de docentes a recorrer à mobilidade por doença. Filinto Lima fala numa profissão de desgaste rápido e que, por isso, poderia haver a possibilidade de, a partir dos 60 anos e até à reforma, os professores terem a hipótese de optar pelo exercício de funções não letivas. “Ao nível do pessoal docente tratou-se de um ano em que, muito provavelmente, o número de baixas médicas por depressão (efeito do implacável burnout) foi dos mais elevados, ao ponto de, no início do ano, os visados ainda não se encontrarem aptos para regressar ao serviço, aguardando a convocação para Junta Médica”, repara.
“A escola cada vez mais é o elevador social, sobretudo das classes desfavorecidas, mas ainda há um longo caminho a percorrer, para atenuar tamanha disparidade”, sublinha Filinto Lima que tem vindo a defender a revisão do modelo de acesso ao Ensino Superior e que seja feito um debate sério e criterioso em torno do assunto. O professor recorda, a propósito, que o diretor para a Educação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), Andreas Schleicher, referiu que o atual modelo está, neste momento, refém dos exames nacionais realizados num ciclo de estudos “sem identidade própria.”
Repetição de conhecimentos redundantes
A possibilidade de acabar com o 2.º Ciclo não desagrada totalmente à Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE). Essa mudança implicará uma revisão profunda da Lei de Bases do Sistema Educativo, o que poderá não ser muito fácil neste momento. “De facto, e não alterando a atual estrutura dos outros ciclos, a existência de um 1.º Ciclo com seis anos é um modelo experimentado com sucesso em boa parte dos países europeus e pode ser resposta a um dos problemas fulcrais usualmente identificados por professores e encarregados de educação, como é o problema da dificuldade de transição, aos 9/10 anos de um modelo em que há um só professor titular, para um modelo em que lecionam vários professores”, refere Manuel Pereira, presidente do ANDE, ao EDUCARE.PT.
Na sua opinião, essa mudança será mais tranquila por volta dos 12 anos, período de maior maturidade intelectual e física. “Esta alteração de fundo provocaria, talvez, alguns problemas em termos de adaptação da classe docente mas também obrigaria a um processo de adaptação proactivo que poderia resultar muito positivamente. Efetivamente a grande maioria dos professores que lecionam o 2.º Ciclo é, em termos de formação inicial, professor do 1.º Ciclo com variantes diversas”.
O CNE propõe a criação de uma instituição, um órgão ou departamento que se dedicasse a tempo inteiro ao desenvolvimento curricular. A estabilidade é fulcral. A revisão regular de algumas áreas dos programas de várias disciplinas é, para a ANDE, uma atitude acertada, útil e necessária por várias razões. Para adaptar os currículos aos novos conhecimentos e às novas tecnologias, para acabar com a repetição de conhecimentos redundantes que se cruzam ao longo dos anos de escolaridade e nas mais diversas áreas disciplinares, independentemente, realça Manuel Pereira, “de muitos desses conhecimentos estarem também completamente desfasados relativamente aos grupos etários dos alunos a que se destinam”.
Para a ANDE, é urgente redimensionar as cargas curriculares, torná-las mais apetecíveis, mais racionais e mais adaptadas às idades dos alunos a que se destinam. E fundamental tornar os currículos mais práticos, mais experimentais, menos teóricos e menos extensos de modo a garantir o tempo necessário para os apreender, assimilar e compreender. “A criação de uma instituição que se responsabilizasse por essas áreas talvez pudesse contribuir para uma maior racionalização e modernização do sistema educativo”, realça Manuel Pereira.
A décalage que afasta alunos e professores
“A escola que temos continua a reproduzir socialmente os seus alunos. É incontornável. De facto, e não obstante o grande esforço dos diversos atores educativos, continua a haver uma enorme incapacidade de intervenção a montante. As famílias continuam a ser as principais responsáveis pelos diversos comportamentos sociais dos seus educandos, seja em termos de aprendizagem, em termos de expetativas ou em termos de definição de horizontes e por muito que a escola faça, é sempre preciso encontrar outras soluções junto de algumas famílias que podem passar por apoios sociais, criação de emprego ou acompanhamento técnico das mesmas”, alerta o dirigente.
Apesar dos esforços, tem sido difícil diluir as diferenças e garantir a igualdade e equidade que a Constituição exige. Muito se conseguiu, mas muito há a fazer. “Continuamos, contudo, a ser testemunhas de crianças que chegam à escola pouco cuidadas, mal alimentadas ou mal vestidas. Continuamos a assistir, nas escolas, à proverbial redução de meios humanos ou outros e, sem dúvida, percebemos que esta situação, infelizmente, se irá manter por muitos anos”.
A Ação Social Escolar tem sido um apoio importante na redução das desigualdades. “Mas temos consciência que muito resta a fazer até chegar o dia em que a proveniência social das crianças deixe de ser o elemento mais marcante no processo de aprendizagem e concomitante sucesso educativo dos mesmos”. “As escolas precisam de mais recursos humanos e técnicos. Precisam de mais meios efetivos de forma a poder acompanhar os alunos também junto das famílias. Precisam de ser mais valorizadas e socialmente mais acreditadas. É pela Educação que vamos!”
Neste momento, um dos maiores problemas que a escola atravessa é a distância de idades entre alunos e professores. A idade média dos educadores de infância aproxima-se dos 55 anos e a dos docentes do 1.º Ciclo ultrapassa os 50. Para Manuel Pereira, “esta décalage afasta uns e outros nomeadamente em termos psicológicos e em termos de relacionamento imediato”. “De facto, neste momento, os alunos do pré-escolar e do 1.º Ciclo, genericamente, olham os respetivos professores como estando, em termos etários, próximos dos seus avós com toda a carga psicológica que tal acarreta nomeadamente em termos comportamentais”.
Fonte: Educare
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