sábado, 8 de dezembro de 2018

Nota 5 para os excecionais


Seria um excelente presente de natal ponderar pensar numa mudança educativa

Por
MANUELA PARENTE
08 DEZ 2018 / DN-Madeira



São cada vez mais as crianças e jovens que desenvolvem níveis de ansiedade disfuncionais associados aos níveis de exigência da escola/família.
Um menino de 7 anos disse-me uma vez, em contexto de consulta, que tinha muitas saudades do tempo em que frequentava o infantário. Recordava os dias que os pais o iam buscar à escola e o tempo que tinham em conjunto para fazer coisas diferentes. Até em casa tudo era mais calmo, sublinhava ele, “agora é só gritos e tudo a correr”.
São também cada vez mais os pais que nos surgem ansiosos e desorientados com as chamadas de atenção constantes da escola em relação aos filhos nomeadamente em crianças e jovens com bons resultados escolares e comportamento aceitável, tendo em conta o ensino tradicional que se mantém.
Tudo isto faz-me lembrar uma professora do terceiro ciclo, de uma escola pública, que considerava que um aluno de nível 5 tinha de ser um “aluno excecional, em tudo”.
A escola é importante, mas não a coisa mais importante da vida. A família é muito mais do que a continuidade da escola e não pode nem deve permitir-se assumir esse papel. O modelo educativo atual, do primeiro ao terceiro ciclo, está, na maioria das situações, completamente desajustado.
Vivemos num tempo em que tudo se quer rápido e eficaz, onde os adultos conscientes das suas naturais fragilidades, muitas vezes a rondar a nota três menos, esperam dos mais novos resultados surpreendentes e completamente desajustados da realidade que lhes é oferecida.
Voltando ao “aluno excecional em tudo” para obter nota 5. Estes alunos, felizmente raros, e salvaguardando algumas exceções, não são crianças felizes. São crianças com mais facilidade em se adaptarem às exigências do sistema que se isentam de manifestar o seu desagrado por aquilo que as incomoda, perturba e adoece. Infelizmente o ensino continua a não querer entender a sua inadequabilidade e insiste em espalhar tensão no dia a dia das rotinas das crianças e das famílias com consequências graves na saúde mental de todos.

Uma jovem de 16 anos, considerada excecional pelos seus professores, disse-me uma vez, após ter tirado nota 20 à disciplina de matemática, que não se sentia feliz, apenas tinha tirado a nota para a qual se tinha preparado. Outros jovens, acompanhados igualmente em consulta por motivos relacionados com ansiedade e pressão escolar e familiar, referem que só sentem que cumpriram os objetivos quando atingem resultados entre o 17 e o 20.

Esta gente não aprendeu isto do nada, alguém lhes ensinou que ser bom é o tal cinco, o aluno excecional, forçando-os a perceber que tudo o que está à volta e não cumpre o padrão é medíocre e como tal vai ter um futuro pobre e triste. Será assim?
Afinal, criam-se turmas especiais para captar alunos com dificuldades de motivação e desempenho escolar, acrescentam-se os cursos profissionais, sublinha-se a importância das alternativas e continua-se com este discurso triste e pobre dos bons e dos maus.
Sendo que o governo regional pretende ser inovador e justo nas suas iniciativas e tomadas de posição, seria um excelente presente de natal ponderar pensar numa mudança educativa que esquecesse os alunos excecionais e se centrasse na valorização das diferenças, permitindo a cada um sentir-se integrado e valorizado nas suas competências individuais usando-as no contexto da aprendizagem. As pessoas iam ficar mais felizes e a região a médio prazo ia começar a poupar nas despesas com a educação, a saúde e a justiça.

NOTA
Artigo publicado na edição de hoje do DN-Madeira.

COMENTÁRIO

A QUESTÃO DO SISTEMA EDUCATIVO É MUITO MAIS COMPLEXA DO QUE APRESENTAR NÚMEROS E PALAVRAS DE CIRCUNSTÂNCIA

Há muitos meses que não vivo no Funchal, porém acompanho o dia-a-dia. Ontem regressaram as designadas "Conferências do Casino", desta feita sobre "Educação".
Por princípio tenho sempre em consideração e como boa informação, sublinho, a síntese que qualquer bom jornalista traz aos eleitores. Pelo que, a peça assinada pelo Jornalista Jorge Freitas Sousa, publicada na edição de hoje do DN-Madeira, transmitiu-me que aquilo que os palestrantes sublinharam correspondeu a uma "chuva no molhado". 
Todos sabemos que há um decréscimo no número de crianças, embora existam sinais de alguma recuperação da natalidade, e são conhecidas também as estatísticas de vários itens, muitos deles ali intencionalmente ignorados pelo secretário da Educação porque envergonham a Região. Mas dou isso de barato, uma vez que conheço a diferença entre o que diz e o que pratica.
Ora, nas questões essenciais do sistema educativo, repito, a partir da síntese que li, concluí que tal conferência não trouxe nada de novo. Se tivesse havido um rasgo de coragem, alguma eloquência sustentada, evidentemente que o jornalista tinha trazido à colação o pensamento inovador dos convidados. O sistema educativo é muito mais complexo do que apresentar números e palavras de circunstância. 
Em síntese, continuam a caracterizar o "onde estão", mas não se atrevem a dizer onde querem chegar e que passos terão de ser dados para lá chegar. É que isso mudaria tudo, desde os currículos aos programas, desde a questão pedagógica à estrutura organizacional dos estabelecimentos de aprendizagem, passando, obviamente, por novas políticas sociais integradas a montante da escola. 
Neste contexto, o artigo de opinião da Psicóloga Manuela Parente, também publicado na edição de hoje do DN-Madeira, pareceu-me valer mais que a conferência. São palavras suas: "(...) Seria um excelente presente de natal ponderar pensar numa mudança educativa (...)". O problema é exactamente esse, mexer no âmago e não nas margens.

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