sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Eleições à vista e o leilão de propostas


FACTO

"No próximo mandato, se o PSD ganhar as eleições, as mensalidades no pré-escolar serão reduzidas em 40% (...)" - excerto de uma peça jornalística publicada na edição de ontem do DN-Madeira.

COMENTÁRIO


As legislativas regionais da Madeira de 2019, entre os dezassete partidos concorrentes, estão a ser fertéis em promessas, uns mais do que outros, com centenas de propostas para os próximos quatro anos. E nisto há qualquer coisa de leilão, onde o eleitor é convidado a sentar-se na plateia a ver "quem dá mais". Sempre foi assim, mas hoje, parece-me evidente, assiste-se a um abrir a boca e deixar sair, o que denuncia uma contínua fome de poder ou, apenas, de acesso a um poderzito! Grosso modo, não propõem aquilo que tem natureza estrutural e que poderia alterar, substancialmente, a prazo, a capacidade de resposta das famílias às diversas necessidades, sobretudo a maioria, antes prefere alimentar a ideia que abrirá os cordões à bolsa para distribuição de algumas migalhas do orçamento. A parte de leão, sendo outra a conversa, sabe-se para onde irá! 
Ora bem, são dois aspectos aparentemente distintos: o valor das mensalidades e a política de acção social educativa. Todavia, são, claramente, convergentes. Mas isso conduziria a uma análise mais fina e profunda. Quero ficar por esta proposta, não de 10, não de 20, não de 30, mas de 40% inferior nas tabelas em vigor! É leilão. Só falta acrescentar se "comprar a proposta" ainda leva mais... isto ou aquilo!
Trago aqui um texto que publiquei a 06 de Setembro de 2008, há onze anos (!). Nessa data, no tempo de uma maioria absolutíssima, o DN-Madeira publicou um comunicado da minha autoria, no qual era salientado que a "Acção Social Educativa" era "manifestamente indecorosa" (...) que o governo se mostrava cego à realidade económica e social, preferindo distribuir umas migalhas aos pobres e excluídos (...). Que o governo apostava na "obra física", em estádios e outros, naquilo que não é social e objectivamente relevante, deixando de lado a "obra educativa" que é a base do futuro da Região, pelo que, salientei, a (...) existência de muita miséria escondida ou disfarçada que condiciona o sucesso escolar. Referi, ainda, que no meio de uma aparente vitalidade e bem-estar que os mais distraídos podem ser levados a percepcionar nos pátios das escolas, existe muita carência a todos os níveis. O telemóvel e o vestuário que trazem no corpo nada significam em relação ao mundo de carências afectivas, económicas, sociais e culturais que transportam (...)". Curiosamente, ou talvez não, quer na Assembleia, quer publicamente, este tipo de preocupações não teve qualquer eco. Na Assembleia as propostas foram completamente bombardeadas. Mais. Passados quatro anos (2012), o secretário regional da Educação da altura, afirmou, naquele período de significativos constranfimentos financeiros resultantes da crise, que o apoio era "suficiente". Agora, leio que, se o actual partido no poder obtiver uma "maioria confortável" de deputados, operacionalizará uma redução de 40% nas mensalidades. Não assume que sendo a EDUCAÇÃO uma preocupação pública (Constituição da República), irá reforçar este sector; não fala sobre a dupla tributação a que muitas famílias estão sujeitas, pagando em sede de IRS (justiça fiscal) e, depois, na acessibilidade aos estabelecimentos de aprendizagem; não quantifica o acréscimo das transferências para o sector privado, embora o sistema seja prioritariamente público; e não esclarece se esses 40% irão ou não repercutir-se em uma futura Portaria da Acção Social Educativa. A tal que considerei (2008) e considero "indecorosa".
Ora, o problema é muito mais vasto do que este leilão face à qual o exercício da política se transformou. Há onze anos defendi "o princípio de políticas integradas, a necessidade de um novo olhar para a estrutura familiar, para o modelo económico vigente, para o acesso, segurança e contrapartidas no trabalho, para a exigente educação dos valores e respectiva co-responsabilização no projecto educativo de longo prazo, para o rigor e disciplina que devem nortear as condutas gerais e específicas (...) e que todos deverão estar em pé de igualdade no tiro de partida para a vida (...). Sublinhei que as crianças e jovens não têm culpa do seio familiar onde nascem (...) pelo que a acessibilidade e a acção social educativa, mais do que um apoio à família, constitui um apoio directo no enquadramento formativo da criança e do jovem". Escrevi que "o Governo estava resignado a ver crianças e jovens a viverem da esmola e da caridade". Exemplo disso, "as 73 instituições de solidariedade social espalhadas pela Região que constituem a prova dos constrangimentos familiares que urge combater". 
Passados onze anos, em momento de aflição, o leilão das propostas leva-os a falar de 40% na redução dos valores das mensalidades. Não é difícil compreender as razões.
Ilustração: Google Imagens.

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