segunda-feira, 2 de setembro de 2019

À Escola da "normalidade", contraponho a Escola anormal


Entendo que a escola tem de ser vista pelo ângulo da cultura. Ainda ontem reforcei este princípio ao seguir uma reportagem na TVI sobre o grupo DST, com sede em Braga, liderado pelo Engº José Teixeira, empresa que se dedica à construção civil, infra-estruturas, água, ambiente e energia. O grupo dispõe de 1400 colaboradores. A curiosidade desta empresa está no facto do seu líder considerar que "a variável que mais influencia a produtividade é a cultura. E sendo assim, por que não apostar nela? Por que não orçamentar uma verba para a cultura, para a inovação e para a ciência?

Na sede podem ser vistas 700 obras de arte, existe um projecto literário, bilhetes e camarotes reservados para o teatro. "Fui buscar esta sensibilidade, por volta dos 10 anos, através dos muitos livros das carrinhas itinerantes da Fundação Gulbenkian. Foi a cultura que permitiu entender que "a competência mais importante é ser boa pessoa". Aliás, as "qualidades humanas vão ser mais importantes que as competências técnicas". Daí o incentivo e a constante preocupação por dotar os colaboradores com outros olhares. 
Ao longo da reportagem escutei da voz dos que lá trabalham: "(...) é diferente das outras empresas, nós recebemos bilhetes para ir ao teatro (...) hoje, por exemplo, recebemos fruta porque é o dia da alimentação saudável (...) aprendi que a cultura é essencial para nós evoluirmos (...) pelo que dedicamo-nos à leitura, ao teatro (...) isso faz-nos perceber melhor o trabalho".

José Teixeira reforça: "um dos grandes problemas que normalmente a economia tem (...) é os líderes pensarem que sabem o que as pessoas pensam, sem lhes perguntarem (...) quando cada um é um" (...) "temos uma visão perceptível, isto é,  de construir com arte e engenho para ficarmos na história como os empreendedores “renascentistas” do séc. XXI". "(...) O ecossistema e a comunidade são a nossa prioridade. Não somos de enriquecer mas somos de criar riqueza". (...) Gostamos de imaginar, de inovar e de criar soluções imprevisíveis. Adoramos cooperação e escolhemos um modelo de desenvolvimento assente na economia comportamental".

Nesta breve síntese está quase tudo. E a pergunta que me assalta é esta: estará a escola, com todo o seu enciclopedismo, a preparar os tais empreendedores "renascentistas do Século XXI"? Do meu ponto de vista, não está. A matriz que enforma a escola é, genericamente, a de um conhecimento estático, imediatista, desarticulado e vocacionado para um elitismo bacoco, que não forma no quadro de uma "economia comportamental". Esta matriz apenas selecciona, desde início, através do teste, da nota e do exame, desenvolvendo, desde tenra idade, uma arrepiante meritocracia. Aliás, continua-se a falar de estabelecimentos de ensino e nunca de estabelecimentos de aprendizagem. Isso faz toda a diferença. 
Na escola, tenhamos presente, a cultura é uma chatice porque não existe uma mentalidade paulatinamente gerada nesse sentido. O Engº José Teixeira é uma das raras excepções ao descobrir, desde cedo, nos livros da Gulbenkian, a cultura necessária para uma nova cultura empresarial. É, por isso que diz: 

"(...) trabalhamos os trabalhadores para terem muitos momentos de paixão, de prazer e de felicidade". Ele não fala do conhecimento académico de natureza enciclopédica, fala de livros, de arte, de teatro, porque tudo o resto, depreende-se do seu discurso, vem, naturalmente, agregado. 

Revi-me na sua declaração: "(...) diz-se que o conhecimento é importante, mas depois o que é que nós fazemos? Esta postura implica ver a escola ao contrário, pelo outro lado, enquanto espaço de cultura e de construção de projectos de vida, porque, avisa, da sua vivência cultural e da experiência empresarial, "cada um é um"! Isto faz-me regressar ao notável pedagogo Sérgio Niza: "(...) Hoje, graças à investigação, sabemos que se aprende dialogando, falando e escrevendo (...) devemos contar com a inteligência, os saberes e a colaboração dos alunos e os currículos não devem ser um segredo, devem ser eles a geri-los em conjunto com os professores. Persistir neste modelo de não-comunicação equivale a continuar a encarcerar alunos e a impedir a sociedade e as pessoas de se aproximarem da escola. (...) Nenhuma outra organização humana resistiu a tanta história e a tanta mudança como a escola, que funciona do mesmo modo há séculos. Hoje temos mais consciência de que a escola, como instrumento ao serviço do desenvolvimento humano, da sociedade, da economia e da cultura, já não serve".
Entretanto, aproxima-se mais um ano escolar. Mais do mesmo, com muito paleio fútil à mistura. Todos dizem que (re)começará sob o signo da normalidade, quando a escola precisa, urgentemente, de "anormalidade". Trazendo para este contexto o Engº José Teixeira, a normalidade existe porque, neste caso, os líderes políticos "pensam que sabem o que as pessoas pensam, sem lhes perguntarem (...) quando cada um é um". Uma escola entretida a debitar matéria é uma escola que "não perde tempo a fazer aprender".

NOTA

O Papa Francisco elevou ao cardinalato o Arcebispo madeirense D. Tolentino Mendonça, actual bibliotecário e arquivista da Santa Sé. O Senhor Presidente da República destacou-o como "personalidade ímpar" da Igreja e da sociedade, de "excepcional relevância como filósofo, pensador, escritor, professor e humanista". Digo eu, chegou ali pelo lado da CULTURA.
Ilustração: Google Imagens.

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