domingo, 7 de março de 2021

"Uma pergunta: E os nossos Professores sabem fazer isso?"

 

Na minha página de facebook publiquei o texto que abaixo pode ser lido, da autoria do Doutor Francisco Gomes. A esse propósito recebi um comentário muito interessante sob a forma de pergunta: "e os nossos Professores sabem fazer isso? Trata-se, de facto, de uma questão importante e de enorme pertinência. Porque, de facto, para a maioria das pessoas que não acompanha o sector da Educação, mudar um sistema cuja raiz subsiste desde, aproximadamente, 1870, que foi interiorizado como formato único e quase indiscutível, é evidente que não constitui tarefa fácil. Obviamente que aconteceram algumas mudanças conceptuais, foram-se ensaiando novos processos, eu diria, quase pintando de fresco o velho, porém, determinante, foi o facto do pensamento dominante, aquilo que é estrutural, se ter mantido. Eu diria que o conhecimento sobre como aprender a desaprender, do ponto de vista da investigação, qual metáfora, rodou a 200 km/hora, enquanto a escola não ultrapassou os vinte! O atraso é inegável.



Já tem um bom par de anos, junto de mim, um grupo de alunas "queixou-se" de uma dada professora. Lembro-me de lhes ter dito: todos nós somos diferentes, tal como vocês. Temos que nos adaptar. E uma delas disparou: "a professora parece o carro do Amparo a subir a ladeira". Este diálogo tem perto de 40 anos! Percebi a mensagem, isto é, a aluna não falava, deduzi eu, apenas do ritmo da citada professora, aspecto claramente pessoal, mas da monotonia e da rotina na transmissão do conhecimento. Na altura concluí que elas já não estavam para aí viradas. Trago este episódio em memória porque ele, em uma dimensão mais abrangente, significa que a escola debitadora, lenta e "transbordante" de que falou o Professor António Nóvoa, não conseguiu romper com o passado para apresentar-se, adequadamente, prospectiva. Acentuou o professor em um recente ensaio: "(...) Precisamos de vistas largas, de um pensamento que não se feche nem nas fronteiras do imediato, nem na ilusão de um futuro mais-que-perfeito. À maneira de Reinhart Koselleck (1990), interessa-me compreender de que modo o passado está inscrito na nossa experiência actual e de que modo o futuro se insinua já na história presente (...)".

São essas "vistas largas" que o presente reclama, desenvolvida pelos investigadores e praticamente negada pelos políticos. Nem o enquadramento, por cenários, feito pela OCDE, sobre a escola de amanhã (hoje), serviu para despertar o pensamento: "1. Statu quo - Manutenção de sistemas de ensino burocráticos; 2. Reescolarização - A escola no centro da colectividade; 3. A escola como organização centrada na aprendizagem; 4. Desescolarização - Expansão do modelo de mercado - Redes de aprendentes e sociedade em rede: 5. Crise - Êxodo dos professores e desintegração do sistema". Poucos reflectiram sobre estes cenários. Obviamente que sim, as universidades, perante o silêncio político.

Sobre os diversos cenários poderão os leitores seguir o ensaio do Professor Doutor António Nóvoa (ver link acima). Situo-me, apenas, na "escola como organização centrada na aprendizagem". Não me interessam, pois, a manutenção do passado, nem a escola enciclopédica, tampouco a defesa dos modelos de mercado, muito menos, ainda, a desintegração do sistema. Ambiciono uma escola centrada na aprendizagem. É, por isso, que nunca falo de "estabelecimentos de ensino" mas de "estabelecimentos de aprendizagem". E aqui chegado, regresso à pergunta inicial de João Rodrigues, "e os nossos professores sabem fazer isso?" Isto é, estarão os professores capazes de operar a necessária e urgente mudança de paradigma? Confesso que tantas vezes penso nesta questão central.

Creio, grosso modo, que sim. Haverá sempre, ainda bem, dúvidas e desconfortos, porque a rotina, embora cansativa, é sempre menos penosa que a criação de paradigmas diferenciados, autonomizados e que exigem estudo, desprendimento de conceitos intuídos ao longo de décadas e muito trabalho de coresponsabilização. Por paradoxal que possa parecer, no actual contexto, é difícil fazer calar os professores (transmissores de matéria) tornando-os mediadores da aprendizagem. Dá mais trabalho, mas os ganhos são substancialmente melhores. Isto não é fácil, eu sei, para mais, ainda, quando não existe uma hierarquia política disponível para se abrir ao mundo. 

Convenhamos que este sistema está morto, por maior que seja o entusiasmo dos professores e o seu convencimento que tudo fazem para que a escola seja lugar de aprendizagem. É um "edifício" organizacional que subsiste a um tempo que já não responde às necessidades de hoje, muito menos do futuro. Recorda o Professor Nóvoa nesse seu ensaio, quando traz à colação o Padre António Vieira, História do Futuro, 1718: “O tempo, como o mundo, tem dois hemisférios: um superior e visível, que é o passado, outro inferior e invisível, que é o futuro. No meio de um e outro hemisfério ficam os horizontes do tempo, que são estes instantes do presente que imos vivendo, onde o passado termina e o futuro começa”. Nem mais. Tal como Vieira temos de ser visionários e sê-lo significa, no mínimo, ser prospectivo, isto é, ter a capacidade de trazer o futuro ao presente. Enquanto tal não acontecer, obviamente, que se manterá o "Statu quo", a manutenção de um sistema de ensino burocrático, completamente desadequado dos interesses e dos sonhos individuais e da sociedade.

Ora bem, o sistema está em uma profundíssima crise, com a escola burocrática e desacreditada, os professores cansados e os alunos fartos da rotina, baseada no débito de matéria, na obsessão pela avaliação (não pela aprendizagem) e no bloqueio ao sonho. O sistema precisa de desnudar-se, necessita de um "brainstorming" alargado (enquanto festa das ideias), reclama descentralização, requer muita formação, carece de uma desmistificação que só existe um caminho, precisa de uma verdadeira e não falsa autonomia, precisa que se respeite a heterogeneidade, porque não existem duas escolas iguais, dois públicos iguais e dois grupos de professores iguais. A diferenciação torna-se absolutamente necessária quando os olhos devem situar-se para além do horizonte visual.

Ilustração: Google Imagens.

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