segunda-feira, 7 de junho de 2021

Visões de Ensino e Gente de Palavra(s)*


Por
Domingos Fernandes
©Instituto de Educação, Universidade de Lisboa


Na minha vida de professor, profissional do ensino, tenho mantido sempre viva a ideia de que ensinar é um processo que pode ser encarado como uma Arte e como uma Profissão, visões mais densas, elaboradas e criativas, que contrastam com as visões mais técnicas, empírico racionalistas e burocráticas que veem o ensino como Ofício ou como Trabalho.



Sou um professor privilegiado pois cedo encontrei mestres que, através das suas publicações, me ensinaram a ver e a sentir o ensino como tendo uma natureza imprevisível, inovadora e não convencional. Um processo em que a dramatização, a improvisação, a criatividade e a própria intuição são mobilizadas e integradas para desenvolver uma alargada diversidade de dinâmicas de sala de aula.

Assim, o currículo não é algo que se diz ou que se reproduz. Não se ensina através de qualquer procedimento algorítmico e preciso ou com base num conjunto de regras previamente definidas. Ensinar não é uma ciência ainda que, para ensinar, se utilize a ciência. O que nós, professores, fazemos normalmente nesta perspetiva é mobilizar, integrar e utilizar uma diversidade de conhecimentos, de recursos e competências pessoais, para comunicar com os alunos de forma única. Isto remete-nos para a ideia do professor cosmopolita, um profissional que abre as portas e as janelas das salas de aula para que os alunos possam ver e estudar o mundo que os rodeia. Para que possam compreender aquilo que constitui a sua mais funda razão de existir. O currículo, nestes termos, constrói-se e reconstrói-se, inventa-se e reinventa-se, vive-se! Confunde-se com a própria vida e só assim pode fazer real sentido. Nestes termos, os professores não são meros funcionários ou burocratas do currículo, nem meros utilizadores acríticos de manuais escolares e de toda a panóplia de produtos prontos a usar que lhe está associada. Não! São intelectuais, artistas, homens e mulheres da educação e da cultura, que pensam e se interrogam acerca das suas práticas, que alimentam relações pedagógicas fortes e significativas com os seus alunos e que suscitam a sua participação ativa e autónoma nas atividades das aulas. Ensinar é assim um exigente e complexo processo de mobilização, integração e utilização do sofisticado conjunto de conhecimentos e competências dos professores.

A palavra é indissociável do ensino, da relação/comunicação pedagógica. Na visão do ensino como Arte e/ou como Profissão, o seu lugar é central, único e insubstituível. Como nos disse Lauren Resnick no seu seminal ensaio Education and Learning to Think, a palavra, escrita ou falada, deve estar no cerne do desenvolvimento das aprendizagens de todos e de cada um dos alunos. É um meio de combate à exclusão, à segregação social e às desigualdades. É um meio de promoção da democracia social e da liberdade.


Num tempo em que vivemos sob uma catastrófica calamidade, a palavra nunca foi tão importante em meio escolar. Dificilmente poderá ser doutra maneira e a gente de palavra(s) tem aqui um papel insubstituível. O discernimento na seleção das tarefas, a definição do que é relevante e a criteriosa escolha do que é importante ler e escrever são elementos fundamentais para a integração de todos e de cada um dos alunos.

E não façamos confusão. Antes do mais estamos perante uma questão eminentemente Pedagógica, Social e Política. A Tecnologia jamais substituirá a(s) palavra(s) dos professores que veem o ensino como arte e como profissão. Mas é incontornável para que, nesta calamidade, as palavras possam continuar a circular. E isso pode ser fundamental para a sobrevivência dos valores por que lutamos nas sociedades democráticas.

Domingos Fernandes

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