quinta-feira, 10 de abril de 2025

Por uma Escola (re)inventora da sociedade

 

A Educação preocupa-me. Os constantes relatos que nos chegam, as séries de televisão caracterizadoras de uma significativa parte da juventude sem rumo, a intolerante violência que cresce potenciada pelas redes sociais e por uma ausência de princípios e valores estruturantes do ser humano, as múltiplas dependências, das tecnológicas a todas as outras, o desejo de viver intensamente como se não existisse amanhã, a limitada presença dos pais por desestruturação do mundo laboral, a pobreza, alguma "bem disfarçada", o sistema organizacional das escolas, mais preocupado com um falso conhecimento programático do que com a formação global, onde se enquadra o desrespeito pelos talentos e sonhos que cada um transporta, o esfumar do rigor, da disciplina conquistada pela compreensão das pessoas, enfim, tudo isto e tanto que facilmente se descobre nesta ferrugenta engrenagem social, só pode constituir motivo de preocupação. 



No entanto, teimo em seguir uma perspectiva optimista, com o sentimento que, mais cedo que tarde, talvez possamos assistir ao recentrar dos inúmeros desconfortos e prognósticos de falência. Alguma coisa terá de ser feita e leva muitos anos. Talvez tantos quantos nos trouxeram até aqui.

É óbvio que se a sociedade não está bem, a escola não pode estar melhor. Apesar dos sucessivos alertas, fomos assistindo, impávidos, a uma suave derrapagem que conduziu, salvo muitas excepções, a uma geração que, genericamente, espelha o que os políticos ofereceram a pais e avós nos últimos cinquenta anos. "Ninguém pode dar aquilo que não tem" e isso explica o círculo vicioso onde mergulhámos. Vivem-se tempos pantanosos que muitas famílias não contornam e, talvez, não saibam como combater, tampouco a escola tem sido incapaz de contrapor. Em linguagem informática, este perfeito "cocktail" só podia dar "erro". Só por aqui, a título de exemplo, são cerca de seis mil os jovens que não trabalham nem estudam (10,5% - população entre os 16 e 34 anos). Dramático!

O problema é que, face a um quadro angustiante, não são observáveis políticas, gerais e específicas que, a prazo, resultem numa sociedade mais culta, mais trabalhadora e profissionalmente mais competente, mais equilibrada, mais criativa e inovadora, menos dependente seja do que for, enfim, mais feliz. 

A mudança, essa, como todos sabemos, só pode começar por uma eficaz sementeira na escola e em políticas muito profundas a montante da escola. Como? No sector da Educação, desde logo, dizendo não a este tipo de aprendizagem enciclopédica, igual para todos quando todos somos diferentes, mas valorizando, na substância, o pensamento. Como disse o Professor Miguel Tamen: "ensinem-lhes a pensar, ensinem-lhes coisas diferentes e não fiquem ansiosos com o mundo real", porque desse mundo real, dizem os empregadores, "tratamos nós". É um absurdo partir do pressuposto, quase radical, que à escola deve competir a solução ou satisfação "das necessidades práticas ou contingentes", como sublinhou o Professor António Feijó. Neste tempo, onde tudo é volúvel e inconstante, a aprendizagem deve então situar-se no espaço do que é intelectualmente interessante e motivador. O resto flui, naturalmente, quando existe uma ideia de escola não conservadora? Ora bem, a questão que se coloca é, pois, entre um sistema focado em olhar para dentro e numa imbecil aposta em profissões que, tendencialmente, vão deixar de existir, e um outro que olha para o mundo e cria mundo aos jovens. 

A escola tem de ser fermento de e para a vida. E não tem sido. Não é. Aliás, não se trata de um tema novo, consequência daquele conjunto de preocupantes factos com os quais somos, diariamente, confrontados. Não é necessário ir ao encontro de Sócrates ou de Platão (400 aC - "segundo Sócrates, ele nada ensinava, apenas ajudava as pessoas a tirarem de si mesmas opiniões próprias e limpas de falsos valores, pois o verdadeiro conhecimento tem de vir de dentro, de acordo com a consciência", não é necessário ter presente Erasmo ou Montaigne (Século XV - para M. Montaigne "uma cabeça bem feita vale mais que uma cabeça cheia", mas ler, por exemplo, Johann Pestalozzi (Século XVIII) que tanto falou de "criatividade e autonomia"; de Vygostsky, que salientou que aprendizagem é um processo interactivo; ter presente o pensamento pragmático de John Dewey; Célestin Freinet, um crítico da escola tradicional, das suas regras rígidas da organização da aprendizagem; mais recentemente Alain, Maria Montessori que uniu o mundo externo e interno à criança e ao jovem, Piaget, Carl Rogers, Paulo Freire, as profundas reflexões de José Pacheco, Sampaio da Nóvoa, Sérgio Niza ou de Carlos Neto, este que é, indiscutivelmente, uma referência mundial em estudos sobre a formação dos jovens. A listagem é infindável.

Junte-se a tão extensa bibliografia, que a formação inicial de professores dispõe, as reflexões de muitos filósofos. Não esqueço o notável Edgar Morin, hoje com 103 anos, que sobre a Educação continua a dizer que "temos de educar os educadores", para este novo tempo, ou, então, ter presente a Obra daquele que foi meu Amigo, Filósofo, pensador à escala mundial, Manuel Sérgio, falecido o mês passado, que um dia, na minha casa, em redor de um petisco, foi claro: "os professores têm de deixar-se fecundar pelas ciências humanas" e não, apenas, pela especificidade da disciplina que leccionam. E fazendo suas as palavras de Abel Salazar, Patrono do Instituto de Ciências Biomédicas, referiu-me que "um Professor que só sabe da sua disciplina nem da sua disciplina sabe!"

Ora, pergunto, os políticos com responsabilidades no processo educativo não dominam estas questões básicas? Entre muitos outros, não viram ou perceberam o filme dirigido por Peter Weir, em 1989, intitulado no original "Dead Poets Society"? Continua disponível, basta querer espreitá-lo. Ou, mais recentemente, não seguiram a notável série televisiva Merli, onde o protagonista refere que "há qualquer coisa de podre na educação"? De facto, há uma clara ausência de uma prática alicerçada numa teoria que vem de longe. Dir-se-á que os pensadores, investigadores e autores foram atirados para a prateleira. Servem para algumas citações, porque fica bem, mas logo regressam à estante que embeleza mas não transforma.

E assim chegámos a um tempo, de algum caos, onde, tantas vozes o dizem, estamos a matar a infância, o crescimento sustentado e a comprometer o futuro. Começa logo nas primeiras idades. O psicólogo Eduardo Sá, na antiga revista Focus, foi muito claro: "As crianças estão em vias de extinção (…) cada vez mais as crianças não são crianças (…) e o que me preocupa é que mais escola, como ela está a ser vivida, signifique menos infância e quanto menos infância, mais nos arriscamos a construir pessoas magoadas com a vida”. No fundo, ele fez eco do que outros já tinham enaltecido: "quanto mais longa e mais rica for a infância, mais saudável será a adultez". Só isto implicaria pôr tudo em causa. Que raio andamos a fazer? 

O problema é a latente ignorância altifalante que conduz a uma chocante surdez política. O Juiz Conselheiro Laborinho Lúcio disse e bem que, hoje, as crianças, desde as primeiras idades "transportam um adulto dentro de si". Estão a deixar de ser crianças e jovens, porque nós adultos temos uma tendência para tudo exigir, controlar e de impor o que nos parece importante. Começa logo nas primeiras idades e prolonga-se pelas mais velhas, no pressuposto político que tem de ser a Economia a impor a estrutura e o ritmo das aprendizagens, embora de forma contrária à ciência, quando se fala do acto de aprender.

Segue-se, agora, mais uma legislatura que, estou convencido, corresponderá à continuidade da política vigente. Uma política sem rasgo, sem pensamento prospectivo, que funciona administrativa e rotineiramente. Por dois motivos: porque "para quem só tem um martelo por instrumento, todos os problemas parecem pregos" - Mark Twain; depois, porque quem se habituou a repetir, dificilmente podemos esperar, no futuro, resultados diferentes dos de hoje. Na esteira de Peter Drucker não os vejo "preparados para abandonar tudo ou, então, desertar do barco". 

E, entretanto, promovem-se tantas formações destinadas a professores. Ocupam-se dias a escutar especialistas, batem-se efusivas palmas e, no final, tudo continua no tal pântano, onde uma minoria sobrevive e escapa! Nem reflectem que uma formação só tem sentido se ela transportar a preocupação da mudança. 

A escola tem de ser reinventora da sociedade, porque passámos da sociedade da manufactura para a sociedade da mentefactura, na feliz síntese de Luís Cardoso. Por isso, seguindo a palavra do Filósofo Henry Bergson (1859/1941), o sistema educativo precisa de alguém que saiba "agir como Homem de pensamento e pensar como Homem de acção". E, para isso, das leituras cruzadas e da História deste processo, nós não dispomos, neste quadro de governação, quem o faça. O erro, portanto, penso que reside aí, na incapacidade de ser humilde para reflectir o sistema, abrindo-o ao debate, para que possam ser geradas políticas que produzam resultados de acordo com o mundo que nos coube viver. Não estamos preparados para os desafios das próximas décadas. Apesar disso, repito, há que manter a esperança que a lucidez chegue.

Ilustração: Google Imagens.

Sem comentários:

Enviar um comentário