sexta-feira, 24 de junho de 2022

"O jogo é a fonte comum de todas as actividades superiores"


A propósito de um texto que aqui deixei, subordinado ao título "Educar para a vassalagem", o meu Colega e Amigo Joaquim José de Sousa, o da Escola do Curral, o tal que foi, claramente, perseguido e vilipendiado, apenas por desejar uma escola desenhada para o êxito das crianças e jovens (não para o mediatismo do poder político), deixou uma mensagem, simpática, que achei curiosa. Escreveu: "E o diagnóstico está feito...". Quando li tive duas reacções para comigo mesmo: primeiro, no quadro do que escrevi, considero que existem muitos importantes aspectos a juntar ao "diagnóstico". Diagnóstico que só será possível quando a mesa do diálogo for aberta a todos os intervenientes no processo educativo; segundo, mesmo que o diagnóstico estivesse feito, falta o mais importante: "fazer". Porque, tal como os chapéus, diagnósticos "há muitos"! Ou melhor, para já, o mais importante será desfazer os nós cegos que deram no sector, que conduziram à apatia dos professores, à doentia normalidade, ao desinteresse dos alunos e ao silêncio da sociedade.



Meu Caro Amigo, percebo o seu comentário, mas num outro patamar, eu diria que o diagnóstico está feito há dezenas de anos, bastando para isso ler, interpretar, cruzar e perceber o que deixaram escrito tantos autores. Por isso, deixo aqui mais uma mera reflexão, em jeito de exemplo, por ter lido, ainda ontem, um texto publicado por Rejano Regio, a 24 de Abril de 2022:

"(...) a escola na Finlândia é muito diferente até os 7 anos de idade, os alunos são livres para fazer o que quiserem, podem brincar e explorar o quanto quiserem. É nesta idade que as crianças aprendem a socializar, a gerir as suas emoções e simplesmente a viver em comunidade com os outros (...) e resultados provam-nos que é inútil impor uma disciplina de ferro aos alunos desde cedo para que se tornem brilhantes.".

A verdade é que aprendem e muito. A liberdade dessas crianças designa-se por aprendizagem, onde a pergunta tem mais importância que a resposta. E mais tarde aparecem no topo das provas comparativas entre países. Mas o que li, sublinho, não tem nada de novo, tem apenas de conhecimento, de inteligência política e de ambição em quebrar a nociva mentalidade infelizmente reinante. Há um livro de Jean Château (1908/1990 - Professor da Faculdade de Letras e Ciências Humanas da Universidade de Bordéus - Biblioteca Filosófica), publicado em 1961, que assume (cito de cor): "se o jogo desenvolve as funções latentes, compreende-se que o ser mais bem dotado é aquele que mais joga". Aliás, Schiller, muito antes já defendera que "o Homem não é completo senão quando joga". Para ela, escreveu Jean Château, "quase toda a actividade é jogo e é pelo jogo que ela descobre e antecipa as condutas superiores" (...) "A infância é, portanto, a aprendizagem necessária para a idade madura".

Ora bem, o que assistimos não é a prevalência do jogo (entendido no sentido lato) do movimento libertador e inteligente, mas a presença do adulto que limita ou mesmo castra a afirmação do seu Eu, o das crianças. Assumiu o Psicólogo Eduardo Sá, com o qual concordo: "A escola é um novo tipo de trabalho infantil (...) retirámos as crianças do trabalho para lhes devolver infância e, agora, empanturramo-las de escola (...). A escola está a roubar a infância (...) Nunca vi falarem tanto das crianças e nunca vi que se espatifasse tanto a infância".


Desde as primeiras idades que elas têm metas a atingir. Os educadores e professores foram empurrados para a vertigem de uma pseudo-aprendizagem. E neste processo quase todos ficam felizes, menos as crianças. Os próprios familiares ficam contentes, porque elas já sabem fazer isto ou aquilo, esta ou aquela habilidade. Poucos param para pensar no processo, se não estaremos a queimar etapas importantes do crescimento. Diz Château no seu livro: "o jogo desempenha para a criança, o papel que o trabalho desempenha para o adulto (...) a infância tem, pois, por finalidade, o treino, pelo jogo, das funções tanto fisiológicas como psíquicas (...) a infância é, portanto, a aprendizagem para a idade madura". O desprezo pela criança é tal que a loucura na busca de resultados já conduz à entrega de prémios (de produtividade) entre € 100 e 500,00 aos que mais "produzem"! Dir-se-á que as taras da sociedade entraram na escola.

Caro Professor Joaquim Sousa, ao diagnóstico falta muito, muito mesmo, desde as primeiras idades até ao 12º ano. Até ao ensino superior. Há uma clara ausência de formação dos políticos. Guiam-se pelo passado, digo eu. Genericamente não sabem onde estão e onde desejam chegar. Por isso, o sistema assenta em bases erradas, ou melhor, em pressupostos que os adultos criaram, para gáudio deles próprios, na pressa de tornar adultas aquelas que são, apenas, crianças. O problema é que a maioria das pessoas, influenciadas e pouco esclarecidas, ainda acredita que, tal como disse o Professor José Pacheco, é possível, hoje, uma consistente aprendizagem e de sucesso junto de "crianças do século XXI, que são acompanhadas por professores do século XX, que utilizam as metodologias do século XIX". Só podia e só pode dar erro. Não apenas por isso, mas aqueles trágicos resultados que apresentei na minha reflexão de 18 de Junho, revelam, a montante, muitas insuficiências de pensamento. Então, pergunto, pressa para quê? Queimar etapas para quê? De que serve subir de três em três os degraus da aprendizagem? Ler, escrever, contar, perceber o mundo e as relações e conexões de tudo não devem estar sujeitas a currículos e programas ditados de forma uniforme quando cada criança é única. 

Não precisamos de ir à Finlândia para importar um paradigma diferente da aprendizagem. Portugal tem autores e investigadores de qualidade. E tem exemplos de escolas que funcionam de forma distintiva. Não as matem. Basta que os políticos estejam disponíveis para perceberem que "(...) as crianças aprendem pela brincadeira e através do relacionamento com as outras crianças, com os professores à sua volta, e é assim que fazem sentido do mundo, desenvolvendo suas habilidades e construindo conhecimento", assumiu a pedagoga Rejano Regio.

Obrigado por, através do seu comentário, ter-me dado a possibilidade de escrever este texto. Juntei mais um exemplo, o das crianças. Imagine-se o que não está por fazer até ao final da escolaridade! Um abraço.

Ilustração: Google Imagens.

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