sábado, 18 de março de 2017

AO GOVERNO FALTA-LHE MOTIVAÇÃO, A MESMA QUE OS ALUNOS NÃO SENTEM NA ESCOLA


O sentimento que começa a existir ou a se confirmar é que a secretaria regional da Educação anda aos papéis, sem rumo, claramente atrás dos acontecimentos. E porquê? Começa, final e felizmente, a ser significativo o volume de iniciativas e de intervenções que colocam em causa a estrutura e o pensamento dominante do sistema educativo. Do pré-escolar ao ensino secundário, as vozes do descontentamento e dos novos caminhos a percorrer começam a ser audíveis, porque discutidos com a adesão de muitos. Pelo menos vão ficando sensibilizados, o que poderá conduzi-los à interrogação: o que ando aqui a fazer perante tanta desconformidade entre o que "ensino" e o futuro que lhes espera?  Ora, o que tem sido evidente é que o próprio poder político demonstra sérias dificuldades para enfrentar as grandes mudanças. Dá sinais discursivos, aparentemente encorajadores, talvez porque fique bem, mas as lógicas do pensamento dominante acabam por sobrepôr-se e nada avança. Falta-lhes motivação, a mesma que os alunos não sentem na Escola.


Esta questão da motivação leva-me, a propósito, ao Professor Joaquim Azevedo (Universidade Católica) que em uma entrevista à Página da Educação sublinhou: " (...) O trabalho da escola tem de ser feito a partir daí (motivação), seja lá qual for o contexto. E isso é difícil, claro. Agora as queixas são sobre a desmotivação e a indisciplina, dois aspectos que estão associados. Por outro lado, revelam que a capacidade de captação da atenção que a escola antes produzia, hoje é muito difícil. Os miúdos estão profundamente dispersos, com a atenção captada por realidades fora do contexto escolar que os motivam mais. A motivação, que é uma função escolar por excelência, tornou-se um pré-requisito. E isso é revelador da dificuldade da educação escolar em lidar com os tempos novos. (...)". Nem mais.
Ao reler este texto, lembrei-me de um outro que eu escrevi a 02 de Dezembro de 2008, não só no campo da motivação, mas também no tema que esteve em destaque esta semana: as salas de aula do futuro. Deixo aqui alguns excertos:
"(...) Não basta criar novos estabelecimentos de ensino, tampouco multiplicar as salas de informática ou substituir o quadro preto e o giz por quadros interactivos e multicolores. Tony Bates é claro sobre esta matéria: “O bom ensino supera uma escolha tecnológica pobre, mas a tecnologia nunca salvará o mau ensino”. Por outras palavras, defende que o desafio da Educação não é apenas tecnológico. Há uma base que terá de ser construída e essa base, como temos vindo a dizer, é de natureza organizacional, é de conquistas ao nível do desenho curricular e correspondentes programas, trilogia à qual se junta, de forma indispensável e inquestionável as políticas de família no quadro das políticas sociais. O sucesso, ou melhor, o futuro da Escola depende do rigor, do trabalho que integre todas estas variáveis. Enquanto o governo não entender isto, enquanto manifestar falta de coragem para intervir na profundidade dos problemas, esta escola não terá futuro e os problemas agravar-se-ão.
Este modelo está condenado. Não sou eu que o digo, são os investigadores em educação que o dizem. E isto não significa que nos estabelecimentos de ensino não haja esforço, trabalho, dedicação e iniciativas louváveis. Eu conheço-as e sei o que, com muito entusiasmo se faz. Mas também sei, pela prática, que os resultados não são proporcionais ao esforço realizado. E se não são deve o governo encontrar as justificações.
Dir-me-ão que o problema é Constitucional. Não é. Estudámos o problema, ouvimos os especialistas e decididamente não é. O Estatuto Político-Administrativo que há muito deveria ter sido revisto e actualizado, na sequência da revisão constitucional de 2004, permite ir muito mais longe em matéria de política educativa ao invés do governo permanecer reactivo (...) É preciso que tenhamos presente que o sistema educativo é socialmente produzido e, portanto é socialmente transformável (Professora Ana Benavente). (...) São múltiplas as razões do insucesso da política educativa. Têm a ver com a concepção do que devem ser as características do parque infra-estrutural; tem a ver com a organização do sistema que ao invés de possibilitar a autonomia às escolas, ao invés de criar um sistema descentralizado e de respeito pela diferenciação, ao invés de gerar um sistema que garanta a interacção com os restantes sistemas, paradoxalmente, criou um sistema hierarquizado, padronizado, fechado e gerador de entropia. É por isso que ele está em permanente desgaste e já não consegue responder às necessidades de um novo conceito de escola. Romper com esta deriva implica abertura, implica que a Educação não seja uma coutada de alguns, implica olhar para trás reflectir e interrogar-se sobre o percurso feito, implica disponibilidade para ouvir e negociar ao contrário de fechar-se numa torre de marfim, implica que a rotina de anos dê lugar à inovação, implica ambição e capacidade para pôr em causa caminhos, implica ter mais incertezas do que certezas, implica responsabilidade colectiva, portanto, não apenas de uma secretaria que tutela a educação mas de todo o governo. (...) A par dos domínios da economia, a educação constitui um sector chave da Região. E a pergunta que ouvi há quase quarenta anos continua pertinente: como pode uma escola sempre igual competir com a vida que é sempre diferente. O desencontro é inevitável. E é isso que está a acontecer. As reformas pouco ou nada trazem de novo para além de alguns acertos marginais. Mais do que reformas precisamos de reinventar o sistema educativo que se adeque às necessidades de formação do Homem deste Século e que o predisponha para aprender, desaprender e voltar a aprender todos os dias. E a Escola, infelizmente, não está a fazer isso.
O sistema sempre funcionou. Funcionou antes de 74 e funciona em 2008. O problema é muito mais vasto e muito mais complexo. O que hoje preocupa os investigadores e os governos sérios, apostados em reduzir o fosso que separa relativamente à capacidade de resposta aos desafios do tempo que estamos a viver, é o problema, desde logo, de ter visão, de saber antecipar o futuro e de criar as condições necessárias de resposta ao que esse mundo exige. Ora, se aquilo que o governo demonstra circunscreve-se, apenas, à dinâmica do funcionamento do sistema, é evidente que não poderá esperar melhores resultados.
E o futuro desejável não está apenas no plano infra-estrutural, mas sobretudo no interesse futuro de tudo quanto se faz dentro dos espaços escolares. E neste aspecto não temos qualquer dúvida que há um conjunto de palavras-chave determinantes na construção do futuro desejável e que têm sido ignoradas, orçamento após orçamento: rotura, mudança, competência, previsão, estratégia, gestão, reengenharia, excelência, qualidade, criatividade, inovação, sinergia, liderança, comunicação, enfim, cada uma destas palavras com o seu peso e significado no contexto da Educação, constitui a base dos processos de mudança num sistema portador de futuro. Todas aquelas palavras não têm feito parte do projecto político do Governo.
Quando a Madeira regista índices de pobreza gravíssimos, quando se constata uma histórica ausência de consistentes políticas de família, quando mais de 47% dos alunos são apoiados pela acção social educativa, quando o desemprego aflige, quando a toxicodependência avassala, quando o alcoolismo não é combatido com medidas drásticas, quando a desestruturação familiar, a violência e o crime preocupam a sociedade, não há sistema educativo que, de per si, consiga resultados. O problema é que também aí não tem existido a palavra de alerta da Secretaria Regional da Educação no sentido de fazer ver que a Escola e os resultados que lá se produzem são consequência das políticas integradas que devem ser feitas a montante. Há culpados políticos neste processo. (...)".
O drama deste governo é não seguir o Pensador Agostinho Silva: "Quem parte já está no futuro". Este governo regional autónomo continua a não querer partir.
Ilustração: Google Imagens.

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