"(...) nada foi feito no sentido de contrariar e esbater a lógica, a cultura e a organização disciplinar da escola, não foi dito aos docentes o que se pretendia e como o fazer, não foi feita formação sobre a parafernália e utensilagem de saberes, métodos e processos necessárias aos novos desafios, de que são exemplo: método de projeto (método de resolução de problemas), trabalho em equipa, brainstorming, métodos de aprendizagem, etc., etc. Como nada foi explicado, os professores sem saberem ao certo o que se pretendia, refugiaram-se na sua zona de conforto disciplinar e aproveitaram os horários disponibilizados para o efeito para reforçarem o Português e a Matemática e aproveitaram o tempo para os alunos fazerem os trabalhos de casa. Fiasco completo. O que era imperioso e urgente implementar e para “dar vida” ao ensino revelou-se uma “chatice” máxima tanto para professores como para alunos.
Aqui e ali vai-se falando, e bem, na alteração dos currículos dos Ensino Básico e Secundário. Acho de toda a urgência reverter as alterações introduzidas pelo ministro tecnoCrato, porque o Sistema Educativo não pode estar sujeito a lógicas neoliberais, onde para aferir os resultados e eficácia se utilizem as mesmas métricas usadas para as fábricas de sabão.
Seria a todos os títulos desejável que se estabelecessem objetivos e metas a médio/longo prazo, que se procedesse a um debate público com a participação das famílias, do tecido empresarial e dos profissionais do ensino. Essencial seria, também, obter uma maioria qualificada no parlamento, porque não há filhos de esquerda nem de direita, apenas crianças e jovens que é necessário educar para poderem ser cidadãos, profissionais e pais capazes. Creio, contudo, que isto enferma de uma forte dose de lirismo, pois as famílias consideram que a educação dos jovens é tarefa da escola, o tecido empresarial não entende o que lá se passa nem a relação desta consigo e os partidos não têm demonstrado capacidade de chegar a consensos sobre esta questão. Imagine-se o empenho de Passos Coelho em chegar a acordo sobre esta matéria com a atual maioria.
Indubitavelmente, foram feitos avanços significativos ao longo dos 40 anos de democracia. Hoje existe um acesso generalizado à educação e cada vez maior quantidade de pessoas completa os ensinos secundário e superior, sendo, no meu entender, o maior problema o abandono precoce por parte significativa dos jovens que frequentam sobretudo o ensino secundário devido a um conjunto de razões, algumas das quais procurarei enunciar:
A função da educação como “elevador social” está significativamente comprometida porque, depois da política de terra queimada praticada pelo governo do PSD/PP, e da destruição maciça de postos de trabalho lançando para o desemprego contingentes de jovens devidamente qualificados, deixando no mercado de trabalho quase só situações de vínculo precário e salários a rondar perigosamente o mínimo nacional. Qual a motivação para um jovem tirar um curso de engenharia onde tem de estudar no mínimo 17 anos, para vir a auferir o mesmo ordenado que alguém que estudou apenas 9?
O próprio ensino tem urgentemente de restruturar o seu modelo centrado em disciplinas demasiado herméticas onde se aprendem conteúdos dificilmente significativos e cuja utilidade e aplicabilidade dificilmente se vislumbra, distantes em tudo dos interesses dos alunos.
A vida familiar social e profissional confronta-nos diariamente com problemas e necessidades que temos de resolver e superar. Todavia os problemas e as necessidades são de natureza pluridisciplinar e para lhe podermos dar resposta temos de recorrer, para além dos “saberes” que trouxemos da escola, a um conjunto de métodos e processos que permitem operacionalizar esses saberes de forma a torná-los significativos, produzirem efeitos e resolverem os problemas. Uma escola orientada predominantemente para a aquisição de saberes, por muitos exames que o tecnoCrato lhe imponha, não prepara os alunos para a vida, nem para a cidadania, nem para o exercício duma profissão.
A escola permanece encerrada na sua torre de marfim no pressuposto falacioso de que é a vida, quando não entende o que é a vida, justamente porque está encerrada, e não percebe que a vida se materializa do lado de fora das suas paredes. A escola, mais do que ministrar conteúdos específicos, deveria trabalhar as metacompetências, ensinar os alunos a pensar, a aprender autonomamente, a procurar o conhecimento e a manipulá-lo de forma a contextualizá-lo, a torná-lo útil.
Ao longo do tempo foram introduzidas várias disciplinas e áreas não disciplinares de fusão, de forma possibilitar aos alunos o confronto com questões de natureza interdisciplinar e transdisciplinar, recorrendo à colaboração de professores com formações distintas. Foram elas Área Escola, Área de Projeto, Estudo Acompanhado. No entanto, nada foi feito no sentido de contrariar e esbater a lógica, a cultura e a organização disciplinar da escola, não foi dito aos docentes o que se pretendia e como o fazer, não foi feita formação sobre a parafernália e utensilagem de saberes, métodos e processos necessárias aos novos desafios, de que são exemplo: método de projeto (método de resolução de problemas), trabalho em equipa, brainstorming, métodos de aprendizagem, etc., etc. Como nada foi explicado, os professores sem saberem ao certo o que se pretendia, refugiaram-se na sua zona de conforto disciplinar e aproveitaram os horários disponibilizados para o efeito para reforçarem o Português e a Matemática e aproveitaram o tempo para os alunos fazerem os trabalhos de casa. Fiasco completo. O que era imperioso e urgente implementar e para “dar vida” ao ensino revelou-se uma “chatice” máxima tanto para professores como para alunos. TecnoCrato , na sua visão redutora e economicista também não entendeu para que serviam e em vez de devolver o objetivo inicial e restruturar essas áreas, de forma a cumprir a sua missão, suprimiu-as pura e simplesmente.
É tempo de restruturar o S.E. para que possa cumprir a sua constitucional missão e deixar de ser um sorvedouro de recursos de eficácia duvidosa na preparação dos novos cidadãos.
NOTA
Um artigo do Professor Hélder Melim publicado na edição de hoje do DN-Madeira e aqui reproduzido com a devida vénia.
Ilustração: Google Imagens.
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