Gosto do escritor e médico António Lobo Antunes. Soube-me ler seu último texto publicado na revista Visão. Ele narra uma parte da sua história pessoal que, a espaços, já tinha lido algures. O que me fez reter e conjugar com algumas posições que de longa data tenho vindo a assumir, foi a sua vivência nos primeiros anos de escola. Diz o escritor: "(...) a seguir (a mãe) meteu-me na escola onde me aborrecia de morte, porque nada daquilo me interessava. Uma ocasião resolveu espreitar a aula e eu estava sentado ao contrário na carteira a olhar para o tecto (...) já sabia o que iam me dizer, portanto ia-me embora antes de acabarem as frases. Em resumo devia ser um chato para os outros e era também um chato para mim. Tirando escrever não me apetecia mais nada, e as pessoas eram tão óbvias. Portanto fui um aluno péssimo, uma criança esquisita, uma entidade insólita e sofria como um cão com isso. (...) Como num instante metia meia dúzia de noções no caco, aos dezasseis anos matricularam-me na Faculdade de Medicina, eu a quem a ideia de continuar a ouvir professores me aborrecia de morte (...)".
Estas partes do texto encheram-me, porque passados quase sessenta anos continuam, grosso modo, actuais. Dali se depreende a existência de uma escola sempre igual, rotineira, que não surpreendia, que não apaixonava, não motivava, "porque sabia o que me iam dizer". Tão "óbvia" na palavra da então criança Lobo Antunes, que "sofria como um cão com isso". Depois, ouvir professores "aborrecia-o de morte". Certamente, outro posicionamento teria em relação à aprendizagem se a escola fosse o espaço de libertação, de inovação, de respeito pelos interesses dos alunos, fosse o professor um moderador e catalizador e não um debitador de uma matéria muitas vezes irrelevante e desinteressante. Fosse a escola o lugar de uma aprendizagem sentida, de dentro para fora, comungada com os outros, contextualizada com a vida e com que realmente interessa, António Lobo Antunes tal como milhares de crianças que vivem, hoje, a escola verticalizada, padronizada e centralizada seriam muito mais felizes. Creio que não teria escrito o texto que escreveu. Um texto esclarecedor da mágoa da escola não aproveitar os diversos talentos. Porque tudo se aprende, a questão está no processo, isto é, ou a espiral parte do aluno (centro) e fá-lo desabrochar em movimento sem fim (centrífugo), ou a espiral parte do professor que, ao descrever um movimento de fora para dentro em direcção ao aluno, irremediavelmente, o condiciona. O artigo de Lobo Antunes dá para pensar, ele que foi um bom médico e é um escritor de excelência.
Ilustração: Google Imagens.
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