“Aprender a Ler e a Escrever em Portugal” é o nome do supracitado estudo, coordenado pela ex-ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues, onde é referido também que há 907 escolas do 1ºciclo em que, no ano letivo de 2013-2014, todos os alunos foram bem-sucedidos. A incidência do insucesso é maior nos concelhos do Sul e também nos do interior, aparecendo muitas escolas de Lisboa na lista negra. O estudo aponta para uma grande diversidade de resultados, como os dados aqui apresentados podem deixar antever: de um lado, escolas paradisíacas e, do outro, “as ovelhas negras” que mancham a realidade nacional. Com este estudo por pano de fundo, o Governo define como objetivo tornar o insucesso no 1º ciclo “meramente residual”. E agora? Uma vez que os dados estão lançados, o que fazer com eles?
Em primeiro lugar, ocorre-me dizer que “nem tudo o que brilha é ouro”. Será que há escolas em que os alunos são todos bem-sucedidos? Ou será que há escolas em que as orientações dadas aos professores vão no sentido de as retenções não existirem? A retenção é conotada negativamente: o estudo, por exemplo, caracteriza as escolas com elevada taxa de retenção como escolas de insucesso. Cada vez mais, as escolas querem ter alunos, ou melhor, bons alunos e, por isso, é fundamental que sejam percecionadas como escolas de sucesso. Como se viu, este atributo anda associado à passagem dos alunos, mesmo que, na verdade, eles não tenham feito as aquisições estipuladas para aquele ano de escolaridade. Cada vez mais o que importa são os números, mesmo que estes resultem de manobras de bastidores e não do sucesso real! Que medidas terão adotado as escolas ditas de sucesso para que os seus alunos sejam todos bem-sucedidos? Será que implementaram medidas promotoras dos tão desejados bons resultados ou será que os alunos que as frequentam integram, na sua maioria, famílias que valorizam a escola e que podem por seus próprios meios recorrer a apoio extraescolar, logo que surgem os primeiros sinais de insucesso? Ou outra hipótese qualquer…
Uma vez identificadas, o que vai acontecer às escolas em que o insucesso parece ser a palavra de ordem? Serão encandeadas pelo desejo de “sucesso” e adotarão como medida a não implementação da retenção? Serão dotadas de meios e recursos para que, logo no primeiro ano de escolaridade, os alunos com dificuldades possam de imediato ter apoio suplementar na escola? Na verdade, e para quem trabalha nas escolas há muitos, muitos anos, é mais que evidente que o insucesso só se pode tornar verdadeiramente residual se alunos que se mostrem com dificuldades em adquirir competências de leitura e escrita sejam apoiados no momento imediato do seu surgimento. Espera-se que os alunos cheguem ao segundo ano para se lhes dar apoio, porquê? Mais uma vez, e para quem anda imerso no contexto escolar, é mais que lógico que se devem atalhar as dificuldades mais precocemente, logo à sua nascença.
Ainda a propósito do estudo que tem vindo a ser citado, nele se diz que, para os professores, persiste a ideia de que “sempre existirá um número de crianças que não aprendem ou que aprendem mais lentamente” e que “repetir é uma melhor alternativa do que passar sem saber”. Na verdade, os professores gostariam de ter alternativas à retenção, como solução para o problema dos alunos que não fizeram as aprendizagem necessárias. No exercício das minhas funções de psicóloga escolar, tenho contactado com variadíssimos professores que sentem muita angústia sempre que têm de reter alunos. Reter não é uma solução que os professores do primeiro ciclo usem de ânimo leve. O que acontece é que há crianças que, no final dos dois primeiros anos de escolaridade, não adquiriram o mecanismo de leitura e escrita, e a distância a que se encontram dos outros colegas é imensa. Que fazer com estes alunos? Passá-los, contribuindo que a tal distância se acentue cada vez mais? Ou retê-los, na esperança de que essa distância se atenue e o restante edifício da aprendizagem não fique comprometido? Todos sabemos que a retenção tem muitos efeitos secundários e que deve ser uma medida a aplicar excecionalmente. O ideal seria que outras medidas preventivas fossem aplicadas, para que os professores não precisassem de chegar ao final do 2º ano de escolaridade dos seus alunos e terem de se deparar com o dilema de usar a retenção como potencial “tábua de salvação”, que muito frequentemente até acaba por não o ser!!!!
Fonte: Educare por indicação de Livresco/Blogue Incluso
NOTA
Não me revejo no essencial deste artigo, à excepção da parte que equaciona a intervenção precoce. Deixo a pergunta para reflexão: e se outra fosse a organização do sistema e se outro fosse o enquadramento pedagógico?
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