quinta-feira, 4 de julho de 2019

ESTARÃO TODOS ERRADOS?


Para a edição de ontem do DN-Madeira, rubrica RAIO X, escrevi este texto que aqui deixo. O meu agradecimento ao DIÁRIO pelo convite.

Entre muitos, Sócrates, Filósofo, 470 aC/399aC: “a educação tem por objectivo imediato o desenvolvimento da capacidade de pensar”; saltando na História, outro Filósofo, Nietzsche (1844/1900), falou da “moral do rebanho”, de uma educação contrária à ”verdadeira cultura”, submetida aos interesses dominantes; até aos pensadores dos nossos dias, são tantos, por exemplo, o Professor Joaquim Azevedo, “a escola mudou pouco e os adolescentes mudaram muito”. Três posições que se conjugam em uma síntese: pensamento, cultura e mudança. Ora, este sistema não tem como pressuposto fazer pensar, ignora a cultura e mostra-se avesso à mudança. 


O político fechou-se na torre de marfim, burocratizou, preferiu a rotina enciclopédica ao acto de fazer pensar, tornou-se um ignorante altifalante, não fecundou nem se deixou fecundar pelas ciências. Não estudou as correntes filosóficas e as concomitantes características do problema educativo ao longo dos séculos. Por aí perceberia o mundo de hoje e entenderia que uma “escola sempre igual não pode competir com a vida que é sempre diferente” (P. Brito, 1970). Perceberia que há muito passámos de uma sociedade da “manufactura para a da mentefactura” – L. Cardoso, 1997. Tem-lhe interessado a “moral do rebanho”, vocacionando os professores para a reprodução dos manuais, agora enfeitados no digital, quando se sabe que "(...) o bom ensino supera uma escolha tecnológica pobre, mas a tecnologia nunca salvará o mau ensino" – T. Bates/Microsoft. Tem-lhe interessado “a deriva transbordante” de natureza enciclopédica de que fala António Nóvoa e conservar o código oculto da Sociedade Industrial (Toffler): a maximização (um estabelecimento com 2000 alunos é uma fábrica, não uma escola), a especialização (trabalho segmentado por disciplinas) e a centralização (o poder em uma só pessoa), o que significa manter a escola nas traves-mestras do Século XIX, embora vivamos o tempo da 4ª Revolução Industrial.
Ora, quando hoje se operacionaliza de acordo com os pressupostos de ontem, quando a hierarquia política desdobra-se em ilusórias meritocracias, no mediatismo das festas, em “Pontos e Vírgulas”, quando pede respostas certas na idade das perguntas, quando mata a curiosidade, manipula estatísticas, confunde a absurda competição por “cincos” e “vintes” com o verdadeiro conhecimento, castiga o direito à diferença, quando a escola assume a característica de um pronto-a-vestir, de tamanho único para populações, culturas e ritmos de aprendizagem diversos, quando se torna em um espaço impessoal, por ausência de alma e arquitectura adequada, quando prevalecem actividades ritualizadas, legislação em catadupa, limitações orçamentais, ausência de autonomia pedagógica, nesta Escola, sintetiza Rubem Alves, "cumpre-se o ritual e o formal, porque para o burocrata o que interessa é o que vem no relatório. Não as crianças". 
Este sistema faliu. Foram mais quatro anos perdidos, repetindo o passado e plenos de insanas tropelias, com fusões que contribuem para a desertificação, perseguições, processos disciplinares e afastamento de colaboradores próximos. Por outro lado, é falacioso o argumento da quebra demográfica. Ela constitui uma oportunidade, não uma fraqueza.
Na aprendizagem básica a escola deve ser vista pelo ângulo da cultura. É um erro confundir-se edifícios com o sistema. Não se criam alicerces através de uma paranóica obsessão pela avaliação e pelos exames. Não é dividindo o ano em dois semestres que se encontrará a saída para um futuro desejável. Mais do que um nível, em causa deveriam estar projectos de vida. As questões são mais profundas, são de natureza organizacional, de rede escolar, curricular, programática e pedagógica, de mentalidade, de pobreza, formação complementar dos professores, de investimento no sector público em detrimento do privado, de políticas de família e de uma nova organização da sociedade. Há um processo transversal e em rede que o político ignorou porque não deseja outros protagonismos.
Portanto, o sistema precisa de estudo e utopia, dispensa a insciência e a rotina. A Educação não pode estar ao serviço de agendas pessoais e subordinada a cultos de personalidade. Dispensa a demagogia e as abstrusas manobras de silenciamentos vários. Precisa, sim, que os “muros” dos designados estabelecimentos de ensino sejam derrubados para que nasçam estabelecimentos de aprendizagem que rompam com os conceitos de aula e de turma. Existem outros formatos que conduzem ao conhecimento, com rigor, disciplina, exigência, cultura de responsabilidade e qualidade. Do aluno, agente passivo e obediente, torna-se necessário fazer despertar o aluno que mete a mão na massa. Porque “o João todos os dias entra na escola; a escola é que não entra no João”. A pergunta é: porquê? 
“O tempo, como o mundo, tem dois hemisférios: um superior e visível, que é o passado, outro inferior e invisível, que é o futuro” – Padre António Vieira, 1608/1697. Mesmo escapando à vista torna-se necessário trazê-lo ao presente, desenhando-o com a previsibilidade possível, das ciências às artes, ao desporto e à cidadania. E não é com “salas de aula do futuro” e com paleios sobre robótica que se concebe esse futuro. O sistema precisa “de um pensamento globalizante que não se feche nem nas fronteiras do imediato, nem na ilusão de um futuro mais-que-perfeito” – António Nóvoa. 
A Região poderia ser uma referência de excelência educativa, um laboratório, até pela sua pequena dimensão. Não é. Testemunham as arrepiantes taxas de insucesso e de abandono ("65% da população, com 15 ou mais anos, tem, apenas, até o 9º ano de escolaridade”), os níveis de escolaridade dos empresários, a conturbada formação profissional e o medíocre estado cultural. A excelência exige um novo paradigma que respeite os princípios da transformação graduada, a interacção sistémica, a optimização dos meios e a participação das pessoas. Criar futuro implica rebeldia, jamais acomodação, porque o sucesso surge quando se quebram regras tradicionais, fazendo da ousadia uma atitude. Exige-se pensamento inteligente dirigido para “um país, três sistemas educativos”. A Madeira Autónoma deve assumir essa luta em sede de revisão Constitucional, o que não obsta passos consistentes em todos os domínios que o Estatuto Político-Administrativo confere, no quadro das matérias de interesse específico. Se assim não acontecer, acabará por não se justificar a regionalização. Que enervante silêncio!
Disse Einstein: “não há maior sinal de loucura do que fazer uma coisa repetidamente, esperando a cada vez um resultado diferente”. Estarão todos errados?
Ilustração: Google Imagens.

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