quarta-feira, 31 de julho de 2019

Um ensino à medida do mercado de trabalho do futuro: de que estamos à espera?


Miguel Amaro
OSERVADOR
30/7/2019


Há que repensar o financiamento da educação, não apenas do ensino formal, mas também dos programas necessários para requalificar mais de metade da população adulta para o futuro mercado de trabalho.


Políticas inovadoras são urgentes se queremos preparar os jovens de hoje para o mercado de trabalho de amanhã. Os contornos do novo mercado trabalho que a 4ª Revolução Industrial trará consigo — fruto da automatização e robotização — já não são apenas mera especulação. Estão rapidamente a tornar-se uma realidade vivida por milhões de trabalhadores e empresas em todo o mundo. Para conseguirmos potenciar estes resultados positivos e um próspero e eficiente mercado de trabalho para todos, necessitamos de uma liderança ousada e de um espírito empreendedor de empresas e governos, bem como uma mentalidade ágil de ensino ao longo da vida dos trabalhadores.

Uma análise deste ano do Fórum Económico Mundial conclui que o aumento da procura de 133 milhões de novas funções compensará a extinção de 75 milhões de profissões. No entanto, esses ganhos líquidos não são uma conclusão inevitável. Esta evolução envolve uma transição difícil para milhões de trabalhadores e uma necessidade de investimento proativo no desenvolvimento de trabalhadores ágeis e talentos qualificados globalmente.

Para evitar um cenário indesejado de perda — mudanças tecnológicas acompanhadas de escassez de talentos, desemprego em massa e desigualdade crescente — é fundamental que as empresas assumam um papel ativo no apoio ao mercado de trabalho existente por meio de “reciclagem” e qualificação, que os indivíduos adotem uma abordagem pró-ativa em relação ao ensino ao longo da vida e que os governos criem um ambiente propício, rápido e criativo para ajudar nesses esforços. A adoção de novas tecnologias impulsiona o crescimento de novas áreas de negócios, a criação de novos empregos e o aumento de empregos existentes, desde que se aproveite plenamente os talentos de uma mercado de trabalho motivado e ágil, dotado de capacidades futuras para aproveitar novas oportunidades por meio de reciclagem contínua. Portugal tem tido excelentes exemplos, como a parceria da Farfetch com entidades de formação, a última anunciada em Abril deste ano com a Modatex, a parceria da Talkdesk com a Universidade de Coimbra para a criação da Academia de Data Science e a aposta da Outsystems na formação e transformação digital como fez recentemente num programa nos Açores com a formadora ITUp. Por outro lado, as lacunas das capacidades dos trabalhadores e das empresas que não evoluírem poderão dificultar significativamente a adoção de novas tecnologias e, consequentemente, o crescimento dos negócios.

Para os governos, em primeiro lugar, há uma necessidade urgente de abordar o impacto das novas tecnologias nos mercados de trabalho. De acordo com o estudo do Fórum Económico Mundial de 2018, nada menos que 54% de todos os trabalhadores necessitarão de reavaliação e renovação de competências. Como consequência, precisaremos de políticas educacionais aprimoradas que visam elevar rapidamente os níveis de educação e qualificação de indivíduos de todas as idades, particularmente no que diz respeito à ciência, tecnologia, engenharia e matemática e também às capacidades não-cognitivas, permitindo que as pessoas aproveitem as suas capacidades exclusivamente humanas. Os pontos de intervenção relevantes incluem os currículos escolares, a formação e a promoção do papel dos professores e a reinvenção da formação profissional, alargando o seu apelo para além das ocupações tradicionais de baixa e média qualificação. 

Em segundo lugar, melhorias na educação e provisão de novas capacidades devem ser equilibradas com esforços no lado da procura. Os governos podem ajudar a estimular a criação de empregos por meio de investimentos públicos adicionais, bem como alavancar investimentos privados por meio de financiamento combinado ou garantias governamentais. Em terceiro lugar, será prioritário repensar o financiamento da educação, não apenas do ensino superior formal, mas também dos programas que precisaremos para requalificar mais de metade da população adulta para o futuro mercado de trabalho. Em Portugal, a dívida dos estudantes universitários já ultrapassa os 30 milhões de euros e existe pouco acesso a financiamento para programas não formais de ensino como bootcamps e certificações. Contudo, nos Estados Unidos da América, o caso é ainda mais alarmante. A dívida de estudantes universitários — encurralados pelo patamar histórico de mais de 1,3 mil milhões de euros em dívidas — é já de 7,5% do PIB americano. Os estudantes que fizeram empréstimos para frequentar uma universidade não conseguem pagar o que devem, reclamam dos juros altos e levam a discussão para o centro da corrida pela Casa Branca em 2020.
Para as empresas, em primeiro lugar, com a competição por talentos qualificados, há uma oportunidade para apoiar a melhoria da qualificação da sua força de trabalho atual em direção a novos (e tecnologicamente reorganizados) papéis de maior qualificação para garantir que sua força de trabalho atinja todo o seu potencial. Em segundo lugar, a necessidade de assegurar um conjunto suficiente de talentos devidamente qualificados cria uma oportunidade para as empresas se reposicionarem como organizações ágeis e inovadores e para receberem apoio para os seus esforços de requalificação e aperfeiçoamento de uma vasta gama de partes interessadas.
Para os trabalhadores, há uma necessidade inquestionável de assumir a responsabilidade pessoal pelo próprio ensino ao longo da vida e desenvolvimento profissional. Também é igualmente claro que muitos indivíduos precisarão de ser apoiados por períodos de transição de empregos e melhoria de qualificação por parte de governos e empregadores. Por consequência, o conceito de ensino ao longo da vida está a ser uma área rica de experimentação, com vários governos e indústrias a procurarem a fórmula certa para encorajar as pessoas a se submeterem voluntariamente à atualização periódica das suas capacidades. Uma das soluções que está a ganhar popularidade é a promoção de acordos de partilha de rendimento (“Income Share Agreements – ISAs”) para cursos universitários, bootcamps tecnológicos e outros programas de qualificação de forma a reduzir o risco e o impacto económico negativo a longo prazo da dívida de empréstimos universitários. O foco da nova startup www.studentfinance.com é exactamente este. Esta startup permitirá a qualquer estudante ou profissional em Portugal, e na Europa, de se (re)qualificar com a possibilidade de atrasar o pagamento do programa até começar a trabalhar pagando nessa altura uma percentagem residual dos seus rendimentos durante um período fixo. Ou seja, uma Seedrs(crowdfunding) para pessoas. Estes acordos de partilha de rendimento irão potenciar a qualificação dos trabalhadores que muitas vezes são dissuadidos pelo custo dos programas e pelo risco de não encontrarem trabalho após terminarem os cursos.

O Futuro constrói-se no presente. Portanto, se queremos construir uma economia sólida, e não apenas baseada num tecido volátil de turismo, há que fazer da revolução da educação das novas gerações e da requalificação do actual mercado de trabalho uma prioridade. Mesmo que isso não dê votos. Mesmo que isso não traga louros no período de uma legislatura. Só assim será possível assegurar que os empregos de amanhã sejam remunerados de maneira justa e forneçam um mecanismo realista para crescimento, desenvolvimento e realização dos jovens de hoje.

NOTA
Miguel Amaro tem 30 anos e é investidor e empreendedor tecnológico. É co-fundador da Uniplaces.com (o principal portal de alojamento universitário a nível mundial), Partner da Shilling Capital (um dos veículos mais activos de business angels em Portugal) e está a lançar a StudentFinance.com (uma empresa de financiamentos – fintech – na área da educação). Miguel é também um dos membros fundadores da EO Portugal (Entrepreneurs’ Organization) em Portugal e membro da Global Shaper Community no Fórum Económico Mundial. Foi também reconhecido pela Forbes como “30 under 30” em 2017. Anteriormente, concluiu a Licenciatura em Finanças, Contabilidade e Gestão na Universidade de Nottingham no Reino Unido seguido do Mestrado em Gestão e Empreendedorismo Global na Babson College nos EUA.

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