Por
Raquel Raimundo
Público - 29.05.2020
Muito se tem falado nas desigualdades de acesso à educação por parte das famílias, que num registo de ensino à distância, ainda se tornam mais evidentes.
Foto - Paulo Pimenta |
Era ainda uma adolescente quando um dia chamei a atenção de um adulto desconhecido, que “acidentalmente” deixou cair um papel no chão da rua, dizendo: “Olhe desculpe... deixou cair este papel.” Ele voltou-se e olhou para mim, ao que acrescentei: “Não sei se é importante…” Visivelmente surpreendido com a minha interpelação apanhou o papel e agradeceu. Repeti este procedimento algumas vezes ao longo da vida e creio que chegará o dia em que confrontarei alguém que, porventura, terá uma reacção menos simpática comigo. Contudo, até hoje, tal não aconteceu.
Alguns anos mais tarde haveria de aprender em Psicologia que ter expectativas positivas sobre os outros conduz a um desempenho melhorado ou comportamento mais adaptativo. É o chamado efeito Pigmaleão, assim designado após um estudo que evidenciou que os professores que têm uma visão positiva dos seus alunos, tendem a estimular o lado bom desses alunos e estes alcançam melhores resultados. Inversamente, os professores que não demonstram apreço pelos seus alunos tendem a estimular, nos mesmos, posturas que comprometem negativamente o seu desempenho e/ou comportamento.
Escrevo sobre isto numa altura em que são conhecidos os resultados do mais recente estudo Health Behaviour in School-aged Children (HBSC), feito em colaboração com a Organização Mundial de Saúde (OMS) e que conta com a participação de 45 países, nos quais se inclui Portugal (Matos & Equipa Aventura Social, 2020). Entre muitos dados interessantes de análise destaco, em particular, cinco resultados.
As boas notícias são que os adolescentes portugueses reportam um apoio social da família e dos amigos, superior à média europeia. Os rapazes percepcionam também um apoio social por parte dos colegas, superior aos restantes países. Por outro lado, é fraco o gosto dos adolescentes pela escola. Não só fraco em si mesmo, como também por comparação com os restantes países europeus. É elevada a pressão com os trabalhos escolares, sobretudo nos adolescentes mais velhos e nas raparigas. E estas, comparativamente com outros países, percepcionam um apoio social menor por parte dos professores.
Muito se tem falado nas desigualdades de acesso à educação por parte das famílias, que num registo de ensino à distância, ainda se tornam mais evidentes. Mas, não falar nas assimetrias patentes naquilo que está a ser proporcionado por diferentes contextos escolares, particularmente em tempos de pandemia, e/ou por agentes educativos distintos dentro de uma mesma instituição escolar, é ignorar o “elefante no meio da sala”.
O país tem conhecido muitos exemplos extraordinários de inovação pedagógica por parte dos professores e órgãos de gestão nos últimos tempos. Eu própria tenho testemunhado, de perto, essa dedicação e capacidade de se reinventarem em tempos de mudança. Contudo, os dados do nosso país (neste âmbito e em média), não são historicamente animadores e são cronicamente assim desde 1998.
Estes são resultados anteriores à fase pandémica em que vivemos. Como serão os que forem recolhidos daqui por dois anos? Confesso-me expectante e esperançosa de que se possa aproveitar o desafio desta pandemia para produzir mudanças nesta fatia do mundo que é o nosso país.
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