quarta-feira, 5 de agosto de 2020

As notas do contentamento e as respostas às exigências do mundo


Constatei a pública satisfação política da secretaria da Educação e, já agora, de um grupo juvenil partidário, colando-se aos resultados dos exames nacionais. Se foram 78% de notas positivas, tal pouco me diz ou alegra. No âmbito deste sistema educativo até considero que aquela percentagem fica distante do que seria expectável. Simplesmente porque a nota é consequência de uma dedicação, é certo, mas da repetição até à exaustão, na escola, em casa e nas explicações privadas, sobre aquilo que, segundo os programas, é previsível. Muito mais do que essa "medição", preocupa-me a APRENDIZAGEM, a que gera aptidão para ver longe, ser prospectivo, criativo e inovador. Inquieta-me os que ficam para trás (desses não se fala) e reflicto sobre a existência ou não de um repertório multi-vivencial, de um largo conjunto de factores que deveriam se cruzar ao longo dos anos. A nota, convenhamos, dá resposta cabal ao actual sistema, satisfaz o próprio, os pais, os avós e engrandece o momento; a competência extrapola, tem efeitos multiplicadores e torna-se portadora de futuro. Prefiro a competência.


Portanto, muito mais que vintes, dezanoves ou dezoitos a questão é saber-se para que é que eles servem? Apenas para a acessibilidade ao ensino superior? É redutor. Mais cedo que tarde o acesso percorrerá outros caminhos que não os actuais. Aliás, já constitui matéria de preocupação por parte de muitos académicos. No mundo que estamos a viver ou no mundo que está aí a despontar ao virar da esquina, mais do que a nota do pontual contentamento, está ou estará o alicerce que permitirá erguer os pilares onde assentarão os conhecimentos que permitirão enfrentar o próximo "admirável mundo novo". Isto para dizer que é ténue ou quase imperceptível a correspondência entre resultados e as desejáveis competências. As exigências do presente, muito menos as do futuro, não se compadecerão face ao actual pensamento estrutural que se mantém quase inalterável. Um trabalho para 20 a 30  anos que há muitos anos deveria ter começado. 

Falam de ensino quando deveriam falar de aprendizagem; falam de notas quando deveriam falar de competências. E assim, a rotina e a ausência de  pensamento crítico acabam por constituir a marca do actual sistema, que bloqueia o transfere, a aplicação, a criatividade e a inovação. Torna-se pobre um modelo que utiliza o aluno para gáudio dos adultos, políticos ou professores. Torna-se ineficaz quando se ignora o repertório do aluno e não contextualiza a aprendizagem com a vida. Torna-se insuficiente quando se olha para um currículo como um conjunto diversificado e fragmentado de disciplinas fechadas e não como espaço de projecto transversal e integrador.  Torna-se indigente um sistema que não respeita as diferenças, as culturas e o permanente questionamento. 

É evidente que os resultados, analisados no quadro do actual sistema, geram satisfação. Daí os parabéns a quem os obteve. Mas o que está em causa, como se depreende da posição que aqui assumo, é muito mais vasto, porque se baseia na aprendizagem contextualizada no tempo, aquela que integra múltiplas vivências, sentido de responsabilidade, rigor e, repito, capacidade de análise crítica que permita colocar tudo em causa, procurando o novo todos os dias.

Difícil? Sim, muito. Porque o processo educativo, inclusivo, socialmente produzido, não se compagina com acertos marginais ditados pela hierarquia. Exige rupturas profundas no quadro de um dos princípios do desenvolvimento: o da transformação graduada. Leva anos e só é possível quando nasce na escola; quando a escola decide quebrar os imensos muros e estabelecer-se como parceiro dos restantes sistemas sociais; quando os professores se "calam" tornando-se mediadores de uma aprendizagem consistente.

Finalmente, ninguém fala nem é pública a relação entre o número de estudantes matriculados e os que se submetem a exames. E daqueles que os fizeram, quantos não atingiram o patamar mínimo e porquê. Seria interessante perceber quantos ficam para trás e os motivos. Mas isso, neste sistema, pretensamente meritocrático, pouco interesse tem. Convicto estou que não interessa saber, porque, por aí, se compreenderia muito daquilo que é obscuro.

Ilustração: Google Imagens.

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