quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

GOVERNOS E PROFESSORES VIVEM OBCECADOS PELA AVALIAÇÃO


Acabei de ler um artigo na revista A Página da Educação, edição de inverno, página 54, assinado pelo Professor António Magalhães. O título despertou-me a atenção: "Governar a Educação através da avaliação". Assume o autor: "(...) o movimento político de governação da educação através da avaliação padronizada está aí e é urgente que as suas consequências nos processos educativos e no próprio mandato social e político endereçado à Educação sejam estudadas. Como é que, neste contexto, os alunos aprendem? Como se organizam e governam as escolas? Como são as aulas? Como se reconfiguram as relações interpessoais nos contextos educativos? (...)".


Pois é, governos e até professores vivem obcecados pela avaliação. Uns que a impõem de uma forma tendencialmente acéfala, outros porque não têm remédio senão cumprir. Ainda ontem o título de uma peça na edição do DN-Madeira dava conta: "Pais chamados a avaliar aprendizagens das crianças", com um Licenciado em Direito, há quase trinta anos nos corredores do poder, hoje director da Inspecção Regional de Educação, a "comandar as operações" no quadro da "melhoria das práticas docentes, de como a escola planeia, implementa e avalia as aprendizagens", salienta a citada peça. Espantoso. Li e lembrei-me de um professor a quem um dia escutei: "há quem diga que tem trinta anos de experiência, mas, de facto, são capazes de possuir uma experiência repetida trinta vezes!" O problema reside aqui. Por um lado, é o poder, cego e apaixonado pelo controlo da escola (planeamento, implementação e avaliação das aprendizagens), não dando margem à sua plena autonomia pedagógica, embora digam o contrário, por outro, o sentimento da descontextualização entre a perpetuação de modelos arcaicos e a investigação já produzida. Razão tem Ricardo Vieira, Professor da Escola Superior de Educação e Ciências Sociais (Leiria), quando chama à atenção que "o Mundo visto a partir da Escola é muito pequenino". Esta feliz síntese dá muito que pensar.
É claro que este quadro não é exclusivo de Portugal e, particularmente, da Região da Madeira. É quase universal. Sublinha o Professor António Magalhães: "(...) os sistemas educativos sempre utilizaram processos de quantificação como forma de controlo e de regulação (...)". O que são, questiono, as avaliações nacionais padronizadas? Não corresponderão a essa ânsia de controlo, selecção e até de condução ao pensamento único convergente com os interesses da economia (OCDE)? O que são, por exemplo, o Programme for Internacional Students Assessement (PISA), o Progress in Internacional Reading Literacy Study (PIRLS) e o Trends in internacional Mathematics and Science Study (TIMSS)? Será por aí, pela via da padronização e da centralização que se democratiza o conhecimento, que se geram as dinâmicas do pensamento universal, para que a Escola seja muito mais que os manuais? Não creio que o caminho seja aquele, porque os tempos são outros. Enquanto este encantamento obstinado pela avaliação cresce, curiosamente, poucos se mostram interessados em resolver as gravíssimas assimetrias sociais que desembocam na escola. A este propósito, o Professor Miguel Santos Guerra, Catedrático na Universidade de Málaga, à pergunta de um jornalista sobre a pobreza infantil, problema com que os professores se deparam, respondeu: "(...) a Escola está separada da vida, está distante dos problemas da realidade. Eu vejo aí um problema: os livros, os conhecimentos inertes que, por vezes, não têm que ver com a realidade. A Escola não pode permanecer separada dos problemas da vida, porque a Escola é para a vida. Há um artigo que conta a história de uma professora de Biologia que pergunta a uma adolescente quantas patas tem um artrópode. E a adolescente, suspirando, diz-lhe: ai senhorita, quem me dera ter os problemas que a senhora tem...". Ora bem, o poder político ignora a realidade, foge dela a sete pés, não quer saber se a Escola deve ser integradora e conducente ao acto de PENSAR, obviamente mais importante que decorar, mas não esquece, porque é fácil, avaliar tudo quanto mexe. É uma obsessão que começa no primeiro dia de "aulas" qual espada ameaçadora que a todo o momento mata o interesse pela curiosidade. Apetece-me perguntar: e se o poder político se deixasse avaliar pelos investigadores e pelos professores? O que leram, o que estudaram, que visitas de estudo fizeram, que documentos produziram e publicaram, no essencial, o que, de facto, sabem?
Fico por aqui.
NOTAS
1. Sublinho que não se pode deduzir deste meu texto que não considere importante a avaliação. Todos os processos devem ser continuamente avaliados. Através dela compreendemos a necessidade de introduzir correcções sistémicas. O que está errado é quando a avaliação se sobrepõe à curiosidade e ao verdadeiro conhecimento; o que está manifestamente errado é não despertar interesse e pautar a aprendizagem por uma transmissão de uma dada "matéria" constante do manual, um pseudo-estudo e um teste avaliador ao qual se juntam uma infinidade de outros e grotescos parâmetros. Porque aprender é muito mais do que isto! Até pode ser aprender a desaprender. 
2. Perguntas: pais a avaliar as aprendizagens? Que aprendizagens?  
André Escórcio
Ilustração: Google Imagens.

Sem comentários:

Enviar um comentário