Uma atitude é uma atitude. E uma vida feita da constante demissão de atitudes é uma vida... sem atitude. Para salvar a pele, perde-se o sentido da vida; para poupar incómodos, perdemo-nos a nós mesmos. São os valores que definem o rumo de um projeto pedagógico e traduzem-se em atitudes. Se tal não suceder, um projeto não ultrapassará o nível das intenções.
O André estava prestes a reprovar, porque já quase havia ultrapassado o limite permitido de “faltas disciplinares”. O pai do André foi saber o que se passava. Foi-lhe explicado que o filho saía da sala de aula sem autorização da professora. Chegando em casa, o pai do André perguntou-lhe se ele tinha consciência do risco que estava a correr. O jovem respondeu afirmativamente.
Ainda mais preocupado, o pai voltou à escola, tentando entender a obstinação do filho. Um professor amigo acolheu-o e explicou o que vinha acontecendo, desde que uma professora nova tomara a responsabilidade de dar aulas à turma do André. A professora era uma senhora insegura. No início da aula, gritava, ameaçava de mandar sair da sala, com falta disciplinar, todo o aluno que perturbasse a aula. Havia na turma um aluno, que parecia estar sempre de bem com a vida, dado que um sorriso permanentemente lhe enfeitava o rosto. A professora, supondo que o sorriso correspondia a desafio, pusera esse aluno fora da sala várias vezes. Tantas vezes quantas o André havia saído e, consequentemente, sido punido com “falta disciplinar”. Na primeira vez, o André tentara explicar que o sorriso do colega era natural, uma característica. Não conseguira fazê-lo. A professora o mandou calar. O André saiu tantas vezes quantas o colega havia sido expulso, porque não concordava com a atitude injusta da professora e manifestava-se deste modo: num protesto mudo. Porque a solidariedade era um dos valores do quadro axiológico do projeto da escola que o André frequentara antes de ingressar naquela, onde... quase reprovara por excesso de “faltas disciplinares”.
Uma atitude é uma atitude. E uma vida feita da constante demissão de atitudes é uma vida... sem atitude. Para salvar a pele, perde-se o sentido da vida; para poupar incômodos, perdemo-nos a nós mesmos.
Em 1934, a primeira Constituição, que atribuiu ao Estado a responsabilidade pela Educação do povo, inspirava-se em valores e princípios na época prevalecentes. Decorrente de tais valores e princípios, o Brasil da Educação formal cuidou de formar elites e descuidou da Educação do povo. Hoje desdenha-se a ética (muitos membros da elite cometem crimes de colarinho branco…), num jogo de salve-se quem puder, porque a Educação escolar fragilizou a responsabilidade social.
Poderá haver Educação em práticas sociais que impedem a assunção de uma vida plena quando não fazemos aquilo que se pode e se sonha poder fazer?
Num tempo em que a Escola da Ponte começava a deixar de ser uma “escola dos pobres e deficientes”, passando a ser uma escola de todos, um pai, juiz de profissão, confidenciou-me: A minha filha aprenderá nesta escola aquilo que outras escolas lhe poderiam ensinar. Mas pode aprender aqui coisas que outras escolas não lhe ensinariam...
Na sua primeira visita à Escola da Ponte, Rubem Alves deteve-se a observar uma menina, que consultava um dicionário. Perguntou por que o fazia.
A menina respondeu: Estou fazendo uma lista de palavras “difíceis” deste texto e escrevendo-as de uma maneira mais simples.
O Rubem insistiu: — Foi um professor que te mandou fazer essa tarefa?
— Não! – disse a menina – Eu sei o sentido destas palavras. Mas os meus colegas menores ainda não sabem consultar o dicionário e eu decidi ajudá-los, para que eles compreendam o texto, que é bem bonito.
Um artigo de JOSÉ PACHECO
Mestre em Ciências da Educação pela Universidade do Porto, foi professor da Escola da Ponte. Foi também docente na Escola Superior de Educação do IPP e membro do Conselho Nacional de Educação.
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