quarta-feira, 19 de abril de 2017

"DESCUBRA A MADEIRA - TURISMO NA ESCOLA". AINDA EXISTE SECRETÁRIO DA EDUCAÇÃO?


Um Colega de profissão, em um dos nossos diálogos sobre planeamento e desenvolvimento, a páginas tantas, com o seu refinado e sempre presente humor, disparou mais ou menos isto: sabes, vive-se muito de fases orgásmicas (...) o entusiasmo cresce, atinge-se o clímax e esmorece-se de imediato. Mensagem perfeita na dinâmica das acções educativas. Alguém produz uma ideia, à volta poucos equacionam, ela vai por diante e, depois, passado algum tempo, tende a desaparecer por ausência de respeito pelos princípios do desenvolvimento, entre outros, o da integração e o da sustentabilidade. Ora bem, li, hoje, que a secretaria da Economia, Turismo e Cultura vai lançar um projecto sensibilizador da importância do turismo para a Região, através da iniciativa "Descubra a Madeira - Turismo na Escola". Fui lendo e, em simultâneo, fui relacionando e questionando-me sobre a sua putativa importância, colocando em memória activa a síntese daquele meu Colega: não será esta mais uma fase orgásmica do governo?
  

Concluo que sim. Alguém pensou, deu corpo e o secretário pespegou na comunicação social. Qual o fundamento, quais as razões mais substantivas da iniciativa, se a mesma se justifica no quadro do processo educativo, se isso vai ou não criar mais uma responsabilidade para os professores entre tantas solicitações que à escola chegam, para além do cumprimento dos programas, claro, isso parece não ter sido devidamente considerado. Aliás, os madeirenses têm uma secular relação com o turismo. O primeiro guia turístico da Madeira "surgiu em 1850, e focava já elementos sobre a história, a geologia, a flora, a fauna e os costumes da ilha". Cerca de 30% do PIB deriva da indústria turística, pelo que são milhares os que trabalham e dependem, directa ou indirectamente, desta indústria. A Madeira dispõe de uma Escola de Hotelaria (a primeira começou a funcionar em 1967 - Escola Basto Machado). Há estabelecimentos de ensino que, através de protocolos, promovem cursos com saída profissional ligados ao turismo. Há escolas profissionais privadas e o sistema público aflora este tema no âmbito curricular. Para além disso, a Madeira apresenta, anualmente, um calendário de festividades promotoras da sua imagem, também, da importância do turismo para a Região, concretamente, a festa de fim-de-ano, festa da flor, festival do atlântico, festa de carnaval, festa do vinho Madeira, entre outras, dinamizadoras da conjugação entre a oferta turística e a participação do povo. São os próprios meios de comunicação social que divulgam, sistematicamente, a percentagem de visitantes tendo em consideração as camas vendidas, o número de passageiros entrados no aeroporto ou o número em trânsito através dos cruzeiros que passam pelo porto do Funchal. Por outro lado, ainda, somos tidos como um povo aberto e que sabe receber com qualidade e sem subserviências bacocas. Pergunta-se, então, se todos nós, desde crianças, estamos envolvidos pela importância do turismo, para quê colocar à escola mais esta tarefa? 
Assistimos, durante duas semanas, ao "orgasmo" do "robot". O secretário da Economia, junto de crianças, desdobrou-se em iniciativas sensibilizadoras da robotização. Segue-se, agora, a fase orgásmica do turismo na escola. Depois da excitação ficará a memória. Foi sempre assim. O mais interessante, ou talvez não, é que estas iniciativas, empurradas para a escola, parecem não derivar de uma acção conjunta com a secretaria da Educação. Fica a ideia que o secretário da Educação não existe e que o da Economia domina ambas as pastas. Pior, ainda, que não existe uma ideia clara sobre a construção do futuro. 
Ora, nem a escola nem o turismo precisam de iniciativas desta natureza. A ESCOLA precisa, isso sim, de um outro paradigma. De um paradigma organizacional, curricular e programático assente na CULTURA. O Ensino Básico serve para isso mesmo, para gerar o alicerce sobre o qual poderão ser edificados os pilares de suporte dos andares superiores do conhecimento e da sensibilidade para tudo, inclusive, para o turismo. É o sistema educativo que tem de mudar, pelo que de nada valem iniciativas que não se enquadrem em uma ideia maior. É o sistema que tem de derrubar os muros da escola e a mentalidade de um ensino espartilhado em disciplinas, quando a vida é um aglomerado de tudo. É a escola básica que tem de vir para a rua, para o museu, para o jardim, para vida real que envolve todos os sectores, negando-se ao reduto em que está mergulhada, por ausência de projecto aglutinador entre sistemas e por falta de financiamento, convenhamos. Mas, aí, ninguém quer mexer, antes preferem a manutenção de um sistema caduco, uma escola fechada, com mais de duzentos anos, embora pintada de fresco com iniciativas deste género, absolutamente desconjuntadas. 
Ilustração: Google Imagens.

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