terça-feira, 27 de outubro de 2020

A oralidade

 

Amiudadas vezes confronto-me com pessoas, muitas jovens ainda na fase de estudantes de qualquer coisa, e noto, frequentemente, uma acentuada dificuldade na oralidade. Há muitos anos que assim é. Não é fácil manter um diálogo sobre um determinado assunto, pois constato alguma ausência de capacidade argumentativa, vocabulário adequado e correlação entre temas ou ideias. Genericamente, a língua é falada de forma, eu diria, rudimentar, com frases que quase terminam antes de começar e com sucessivas palavras da gíria popular, onde se junta o "formato" das mensagens via net que quase necessitam de tradutor. Noto, em suma, uma combinação de ausência de conhecimento e de capacidade de análise, conjugada com uma notória falência na verbalização.



Obviamente que existem muitas e relevantes excepções. Mas, penso eu, não constituem a regra. E dou comigo a magicar nos porquês deste quadro, em que as palavras parecem divorciadas do ritmo do pensamento. Muito mais em situações de natureza formal. Parece que a língua, como soe dizer-se, tem espinhos! Adiante. 

Ora, a escola é determinante no desenvolvimento dessa capacidade. Tenho por adquirido que o currículo e os programas são agentes de bloqueio. Há matéria para verter na cabeça dos alunos, a sala ainda é um espaço tendencialmente de escuta, onde falar para questionar ou exprimir posições muitas vezes é considerado perturbador, portanto, a mentalidade pedagógica, salvo raras excepções, não é geradora e potenciadora de dinâmicas que promovam a oralidade. Obviamente que outros aspectos concorrem para este défice, porém, quando o sistema ainda obriga ao silêncio, naturalmente que não se pode esperar que, em um determinado momento, a criança ou o jovem apresentem uma desejável desenvoltura quando lhes é solicitada uma pontual apresentação ou uma descrição sobre um quadro, uma fotografia ou um qualquer tema. Nem através da voz, muito menos com a expressão facial e todos os outros movimentos corporais que têm um papel importante na comunicação.

Isto não pertence à aprendizagem do Português ou de qualquer outra disciplina. É uma questão que deveria ter uma natureza transversal. A escola segmentada, excessivamente programática e enciclopédica, contribui, decisivamente, para coarctar a oralidade. Regresso a um texto de 2018: "como já alguém referiu o mais difícil é fazer calar os professores. Eles são portadores de uma vivência, de muitos anos, enquanto estudantes, sentados, obedientes e seguidores do manual". Ao atingirem o patamar da docência há qualquer coisa que os impele para: "agora é a minha vez". Por outro lado, existe uma hierarquia política que não lhes confere margem para uma profunda inovação pedagógica. Estão subordinados a um programa que tem de ser transmitido e metido à força porque existe a cultura dos exames, porque estão condicionados pelo sistema de avaliação de desempenho, portanto, torna-se mais fácil seguir a norma e o manual, página a página! Calar-se, ser moderador e promotor da pesquisa, da investigação, do pensamento, elaborar sínteses e do saber explicar são aspectos que o sistema continua a demonstrar dificuldade em aceitar. 

É um paradoxo, por exemplo, pedir que exponha e, depois, que se classifique a oralidade de um aluno, quando não se desenvolveram os processos que a ela conduzem. E para quê classificá-la, questiono, quando essa apreciação tem um alto grau de subjectividade? Mas a escola é isto: promove o silêncio, mas depois quer pessoas de excelente oralidade; não encoraja o pensamento, a inovação e a criatividade, mas depois deseja que na vida sejam empreendedores; defende, pela cultura existente, o individualismo, mas depois quer capacidade empresarial para trabalhar em grupo ou em rede. Repito, é um paradoxo. E assim sendo, só existe uma saída: desconstruí-la e reerguê-la com toda a paciência, porque a escola virou cápsula e vegeta na bolha que os adultos construíram! 

Ilustração: Google Imagens.

Texto inicialmente publicado no blogue: www.gnose.eu

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