Sexta-feira passada tive uma interessante conversa com um jovem pintor, julgo não ter mais de trinta anos. Estava a aplicar massa fina em uma parede quando o abordei. Meu caro, aí está uma coisa que eu gostaria de saber fazer. Ripostou, com um suave sorriso: "está sempre a tempo de aprender. É começar a fazer até dar certo". Respondi: Já experimentei, e em linguagem de pintor, porque vos oiço dizer: "embexigou"! Não tive outro remédio senão chamar um pintor. Repetisse, disse-me. Fiz umas fotos e, já próximo das seis da tarde, olhou-me e disparou: "Segunda é feriado". Pois é, respondi. E o senhor sabe a razão por que é feriado? Resposta rápida: "só sei que o calendário diz que é feriado e mai nada". Aproveitei e, sumariamente, expliquei-lhe o fundamental: certamente que sabe (!) que vivíamos em uma monarquia. Em 1910, no dia 05 de Outubro, uma vitoriosa Revolução tornou possível a passagem da Monarquia para a República. O senhor ouviu isso na escola, não é verdade? Ah senhor, eram tantas coisas que eu já esqueci quase tudo, atirou. E continuou: olhe, nem você sabe dar massa nem eu sabia a razão do feriado. Sei é que vou descansar!
Mas isto leva-me a um outro pensamento: que diacho, para quê tantos manuais, tantas disciplinas, tanta memorização, tantos testes de avaliação, tantas folhas de excel com tantas percentagens de "avaliação subjectiva", para isto e para aquilo, tantos relatórios e tantas reuniões, se, no final, muito é destinado ao esquecimento e quase nula é a relação com a vida real? E a vida real constrói-se, a partir das primeiras idades, em uma base cultural e com experiências práticas que possibilitem, de forma transversal a aquisição de competências mínimas mas sólidas. Não tem nada a ver com o pintor, mas, por analogia, eu diria que os alunos têm de "meter a mão na massa". Porque a vida é isso e a aprendizagem básica deve servir a cognição, o despertar da curiosidade, a cultura, mas também, o saber fazer que pode despertar interesses e vocações. Em todos os campos.
Disse o Professor Miguel Santos Guerra, Catedrático na Universidade de Málaga, em uma entrevista à revista A Página da Educação, referindo-se à pobreza, em sentido lato e restrito: "(...) Há aqui um problema - a Escola está separada da vida, está distante dos problemas da realidade. Eu vejo aí um problema: os livros, os conhecimentos inertes que, por vezes, não têm que ver com a realidade. A Escola não pode permanecer separada dos problemas da vida, porque a Escola é para a vida. Há um artigo que conta a história de uma professora de Biologia que pergunta a uma adolescente quantas patas tem um artrópode. E a adolescente, suspirando, diz-lhe: ai senhorita, quem me dera ter os problemas que a senhora tem (...) Para mim, para a minha vida, isso das patas dos artrópodes, o que significa? A Escola tem de ser uma escola de vida e para a vida". Digo eu, é por estas e por outras, que muitos, de facto, todos os dias entram na escola, a escola é que não entra neles! E assim se dá o afastamento e o insucesso.
O sistema preocupa-se, quase exclusivamente, com a memorização, com o teste, com o resultado e com uma saloia meritocracia, quando o saber é muito mais do que isso. Ler e repetir para logo esquecer está nos antípodas do que deve ser uma aprendizagem com alicerce poderoso, onde se encaixam os pilares de novos conhecimentos, pela força interior e pela responsabilidade de ser curioso.
O dia 5 de Outubro é Dia do Professor, mas também Dia das Aves. Professores do meu País, deixem os vossos alunos voar, não os prendam na gaiola!
Ilustração: Google Imagens.
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