terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

A ESCOLA CANSA-ME


Por
Luís Costa
17 de Fevereiro, 2022

Foi com esta frase que uma aluna minha, não há muito tempo, intitulou uma crónica que escreveu, no âmbito da disciplina que leciono (Português, 3.º ciclo). Respeitando a natureza deste tipo de texto (o tema deveria ser de interesse geral), a jovem refletiu criticamente sobre a sua experiência quotidiana, no legítimo pressuposto de que será idêntica à de tantos outros jovens da sua idade, por este país abaixo. Não se equivocou. A sua reflexão é a fonte de inspiração deste artigo.



Na sua crónica, a Gabriela — nome fictício — recorda, com saudade, o tempo em que tinha tempo para tudo e podia ser boa aluna, sem stresse; o tempo em que entre a casa e a escola havia uma fronteira mais bem definida, mais duradoura. Agora, diz não ter tempo para nada, sempre desdobrada entre trabalhos de casa, apresentações orais, trabalhos de pesquisa, questões de aula, testes, etc. Agora — sublinha — a escola ocupa quase todo o seu tempo. Chega tarde a casa e tem sempre algo para preparar para o(s) dia(s) seguinte(s). Ainda assim, tem de conviver com a sensação permanente de estar em falta, com a consciência de que podia fazer melhor. E conclui, resignada, admitindo que não pode reclamar, pois tem de trabalhar para preparar o seu futuro, mas remata com uma pergunta inquietante: para que futuro estará a trabalhar?

Em conversa com a aluna, desabafei também, dizendo-lhe que os professores estão a viver as mesmas experiências e os mesmos sentimentos. A escola também nos cansa, também nos absorve, também nos ocupa corpo e mente, de forma omnipresente; também nós temos de conviver com um inesgotável e crescente vórtice de funções e de tarefas; também nós levamos a escola para casa, ou é mesmo ela que invade o nosso lar, roubando-nos o sossego, o repouso, o salutar afastamento, o tempo familiar e social; também nós, infelizmente, depois de tanta entrega, temos de conviver com a frustrante sensação quotidiana de não estarmos a fazer o nosso melhor, porque há uma força que nos impele num sentido muito diferente daquele que nós seguiríamos, se, de facto, fôssemos nós a decidir; também nós, infelizmente, duvidamos muito do futuro que estamos a preparar. Porém, houve algo que ocultei à minha aluna. Que nós, os professores, temos uma obrigação moral que eles não têm: a obrigação de lutar para mudar este rumo.

Na verdade, é muito desolador o quadro que se oferece a professores e alunos, atualmente. As novas, e infindáveis, vagas que assolam constantemente as escolas — quase todas, agora, no lastro deste autêntico massacre formativo a que os professores estão sujeitos — trazem autênticas enxurradas de novas práticas, imediatamente instaladas no quotidiano pedagógico, de novos instrumentos, associados a atividades e à avaliação, que proliferam a olhos vistos, que se multiplicam descontroladamente. Os testes de avaliação sumativa estão, progressivamente, a ser substituídos por uma avalancha de pequenos instrumentos de avaliação, mais imediatos, mais próximos da lecionação dos conteúdos, das aprendizagens realizadas. São, por natureza, mais efémeros, ou melhor, testemunhos de um conhecimento mais efémero, que não teve que ultrapassar a barreira do tempo, que não teve tempo de se sobreviver às vicissitudes do esquecimento. É, em suma, a cultura da superficialidade, dado que esta autêntica parafernália pedagógica (na sua maior parte, associada à avaliação) não dá a ninguém, professores e alunos, o necessário tempo para ponderar devidamente, para amadurecer as ideias, para aprofundar as aprendizagens. Tudo é supérfluo, na quantidade, e superficial, na qualidade, porque o tempo é impiedoso, para todos. Tudo tem de ser para já, feito num instante e, cada vez mais, para o instante.

Professores e alunos, movemo-nos todos, atualmente, numa espécie de mundo às avessas, onde a nossa inteligência e a nossa autonomia contam pouco, cada vez menos. Andamos todos, professores e alunos, no verso da nossa vontade e da nossa clarividência. Parecemos (talvez já sejamos) marionetas de um tempo que nos banaliza, nos ultrapassa, nos tritura e nos engole. Não pode ser luminoso o destino. Eles não, mas nós temos uma enorme responsabilidade sobre os ombros e uma culpa que, inclemente, nos espera, no fim da linha. Por eles e por nós, temos a obrigação de sair desta masmorra de sujeitos da passiva, porque nós, afinal, somos professores. SOMOS PROFESSORES!

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