Por
Joana Petiz
24 de Janeiro, 2022
Há 20 anos, os miúdos da Escola da Ponte sentavam-se em mesas redondas e participavam na sua própria aprendizagem, contribuindo com ideias e, na prática, para os programas e o ritmo a que assimilavam informação capaz de os fazer gente. Não havia filas direitas de alunos silenciosos e aborrecidos em frente a um professor que despejava matéria – não havia nada disso. Mas havia ordem, disciplina, respeito e a aprendizagem era real. As turmas juntavam crianças de várias idades e em vários estádios de ensino e eram elas próprias, quando sentiam que o conhecimento tinha passado, que se propunham para as avaliações que as fariam progredir, não em anos letivos, mas em blocos de conhecimento.
Há 20 anos, quando visitei a Escola da Ponte, em Vila das Aves, a fórmula ali aplicada por José Pacheco não era nova – fora estreada ainda na década de 70, a mesma em que eu nasci -, mas continuava a ser extraordinariamente inovadora e a somar resultados incríveis, e por isso referências em todo o mundo.
Passaram outras duas décadas e essa realidade mantém-se: a Escola da Ponte, pública mas com autonomia, continua a ser um case study mundial. Ali não se culpa quem não segue o mesmo ritmo nem se desresponsabiliza quem não se esforça, não se castiga mas também não se passa a mão pela cabeça dos miúdos que falham, que fazem asneira. A escola existe com as crianças no centro – com cada uma delas e as suas diferenças, dificuldades e especificidades – e para delas fazer o melhor que podem vir a ser, passando-lhes valores de solidariedade, de autonomia e de responsabilidade. Ensinando-as a aprender e a raciocinar pela sua cabeça, em vez de se tornarem exímias caixas de repetição.
Ali não se decora, entende-se, aplica-se, usa-se a informação que se vai assimilando. Há regras e elas são respeitadas e, quando não o são, quem as quebra – aluno, professor, auxiliar ou dirigente – é chamado a explicar-se perante a comunidade escolar. Há, evidentemente, um tutor que acompanha, orienta e assegura que os valores e as matérias estão a ser passados, apreendidos e os trabalhos cumpridos. Que orienta e ajuda, como cada um dos colegas orienta e ajuda os outros.
A Escola da Ponte foi criada em Portugal, há mais de 40 anos e continua a ser um exemplo – para o bem e para o mal. É que se lá fora os métodos da escola aberta têm sido estudados e replicados, por cá reconheceu-se repetidas vezes o seu valor mas ninguém aceita alargar o conceito a outras.
Debate-se o estado de esgotamento dos professores, mas obriga-se todos eles a cumprir um programa maioritariamente desenhado há 50 anos. Fala-se em formação, transição digital e necessidade de novos formatos de passar conhecimento, mas as alterações que se cumprem são estéticas e estéreis – quando não produzem resultados piores ainda. Discute-se o abandono e o insucesso escolar, mas querem-se os miúdos a escutar e a papaguear o que ouvem, como se isso lhes fosse útil para a vida. Questiona-se o valor da avaliação quando se devia repensar a sua forma, longe dos obsoletos e tantas vezes injustos testes (que pouco mais atestam além da capacidade de decorar, em vez de se centrarem na evolução das capacidades individuais dos miúdos), reconhecendo-a como essencial em todos os níveis e agentes da educação.
Mesmo em pandemia, a mudança radical que vimos acontecer limitou-se a passar para o lado de lá do ecrã o que acontecia na sala de aula: um professor a falar grego para 30 alunos. Que já não ouviam coisa nenhuma quando o professor estava a três passos.
José Pacheco ainda vai ter a sorte de ver mais crianças portuguesas poderem beneficiar do que uma escola deve ser, mas teve de desistir de o fazer no ensino público, onde continua a mandar a forma, a burocracia e o espartilho do que é igual para todos – e que só cria mais desigualdade.
Sem comentários:
Enviar um comentário